Deu na Billboard: segundo o instituto de pesquisas de mercado NPD Group, o número de downloads ilegais de música nos EUA caiu entre o segundo e o terceiro quadrimestres de 2010. Até agosto do ano passado, 12% dos usuários de internet dos EUA baixavam músicas sem qualquer autorização dos titulares dos direitos autorais. Daí para dezembro, esse número caiu para 9%.

É coisa à beça, considerando que o número total de usuários nos EUA é de quase 240 milhões de pessoas, segundo dados da International Telecommunication Union – ITU, agência especializada da ONU para assuntos relacionados com as chamadas tecnologias de informação e comunicação.

A notícia vem confirmar uma tendência já observada tanto pelo instituto quanto pela imprensa especializada nos últimos três anos. Em 2007, 16% dos usuários de internet nos EUA faziam downloads ilegais de música em portais P2P (peer-to-peer). Entre 2007 e 2010, segundo estimativas da NPD, a prática perdeu algo em torno de 12 milhões de adeptos, mesmo com a explosão do acesso à banda larga. E mesmo entre os que continuam, a média de faixas baixadas caiu de 35 para 18 per capita.

Uma queda tão acentuada não pode, em geral, ser atribuída a uma só causa. Mas um fator decisivo parece ter sido a mudança de postura da Record Industry Association of America – RIAA a partir do final de 2008. Em dezembro daquele ano, a RIAA anunciou que abandonaria sua mal sucedida estratégia de ações judiciais contra os usuários finais e intensificaria o processo de negociação com os portais P2P mais populares, oferecendo a eles a oportunidade de operar na legalidade.

Muitos aproveitaram a oportunidade e “limparam” seu negócio, caso do famoso Kazaa; outros, não. Passada essa primeira fase de negociações, as gravadoras partiram para a ofensiva judicial contra os grandes portais que teimavam em manter o modelo de negócios “você-trabalha-eu-ganho”, a exemplo do LimeWire. E como não poderia deixar de ser, muitos desses portais acabaram fechados por ordem da Justiça (vide post “Limão nos Olhos dos Outros”, de 28/10/2010).

O fechamento do LimeWire, em particular, tem sido apontado como principal causa da queda no número de downloads ilegais no último quadrimestre do ano passado. Nas palavras de Russ Crupnick, responsável pelas análises do mercado de mídia e entretenimento da NPD, “o LimeWire foi tão popular para troca de arquivos, e por tanto tempo, que seu fechamento teve um impacto profundo e imediato no número de pessoas que usam o P2P para baixar arquivos de música, reduzindo o volume de trocas”.

Há, certamente, outros motivos por trás da sensível (e bem-vinda) queda no número de downloads ilegais nos EUA. A manutenção dos preços médios do download legal, para o consumidor final, em patamares abaixo de 1 dólar pode certamente ser incluída entre os fatores decisivos. O crescimento no número de portais que oferecem música e outros conteúdos de qualidade via “streaming”, normalmente patrocinados por um pool de anunciantes, também deve ser considerado nesse contexto.

Mas o que parece mesmo estar ocorrendo – e não apenas nos EUA – é um amadurecimento de diversos grupos de interesse que, há coisa de uma década, ingressaram nesse debate como defensores mais ou menos declarados das práticas “piratas”. De lá pra cá, alguns amadureceram, mudaram sensivelmente o discurso e até se tornaram parceiros de negócio da mesma indústria que escorchavam há uns anos atrás. E eventos como a Campus Party – que nutriam uma certa rebeldia cyberpunk – hoje estão mais para encubadoras de futuros Zuckerbergs. Todos querem ser o próximo milionário.

Coisas da idade, talvez. Afinal, é sempre mais fácil entender porque se deve pagar pelo trabalho dos outros quando passamos a precisar da remuneração do nosso próprio trabalho. Diria o Anjo Pornográfico: “Jovens, evelheçam!”

* Publicado originalmente no blog Direito e Mídia.


Advogado e autor do livro "Mídia e Propriedade Intelectual: A Crônica de um Modelo em Transformação".

4Comentários

  • gil lopes, 29 de março de 2011 @ 13:17 Reply

    Muito bom. Podemos juntar algumas observações do que se passa pelo mundo. Por exemplo:
    13 milhões de músicas foram licenciadas para serviços de musica digital
    mais de 400 serviços de música digital legal foram licenciados
    29% da receita global da indústria da música vem de canais digitais ( cinema e livro ainda é menos de 2%)
    O que isso revela?

  • JC Lobo, 29 de março de 2011 @ 20:17 Reply

    Muito interessante o teu artigo, um ótimo material pra reflexão. Bem, eu já tenho mais de trinta (36, pra ser exato), mas quero defender os que tem menos….O seu título remete a um dos vários lemas da geração “power flower”, que tanto ajudou a mudar comportamentos do mundo ocidental: não confiar em que tem mais de 30 anos, é proibido proibir, seja realista – deseje o impossível, etc., etc. Não creio que as transgressões sejam um privilégio da juventude mas, seja como for, são elas que impulsionam as transformações na sociedade. Também não concordo com a máxima que diz “incendiário aos 20, bombeiro aos 40”.

    As transgressões dão um recado sério. É uma desobediência civil que informa que “há algo de podre no reino da Dinamarca”, que denuncia a inadequação das leis num dado momento histórico. Claro que sempre tem uma porralouquice aqui ou ali, as malandragens dos oportunistas de sempre, mas reduzir o alcance desses atos a isso seria uma grande miopia. Só os grupos que vivem à sombra de monopólios e cartéis é que se perderam nessa histeria tola. A indústria musical entrou nessa, as sociedades de gestão coletiva também, entre outros (quase vomitei quando vi o Fernando Brant numa entrevista na TV defendendo a adesão ao ACTA!) Já o iTunes e outras iniciativas criativas souberam se dar muito bem.

    O Napster e seus sucessores cresceram só porque os que ocupavam uma posição dominante no mercado não tiveram visão de futuro. Se existisse como adquirir música de forma fácil e barata nunca teria se disseminado com tanto furor esses serviços ditos “ilegais”. A primeira reação foi uma burrice só: endurecer a leis e processar usuários. Agora, ao que parece, ao menos estão tentando responder a uma nova realidade social para a qual os cyberativistas vem alertando não é de hoje. E com muitas possibilidades de negócios interessantes.

    Existe uma nova cultura sendo gerada no ambiente digital e, em decorrência, uma nova economia. E essa economia, pra florescer plenamente, terá que superar muitos tabus. Um deles é a legislação de direito autoral e seus conceitos tradicionais. As travas tecnológicas travam algo muito maior que uma simples cópia de uma música ou um filme. Incrível com tem gente que faz força para não enxergar isso.

    O genial Nélson Rodrigues, o “anjo pornográfico”, frasista insuperável, dizia que os jovens são umas bestas, que só aparece um Rimbaud a cada 400 anos. O então jovem autor, ator e dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho rebateu chamando-o de “reacionário” (esse debate é fantástico e está está transcrito numa biografia escrita pelo Fernando Peixoto). Envelhecer não é necessariamente uma virtude; não se converter num reacionário é que é a questão.

    O modelo do século passado não dá mais. Até o diretor de uma agência da ONU já entendeu esse fato (sss://oglobo.globo.com/cultura/mat/2011/02/28/diretor-da-onu-diz-que-direitos-autorais-ficarao-obsoletos-se-nao-se-adaptarem-nova-realidade-923897463.asp) . E acho que ele tem bem mais de 30 anos.

  • Sergio Henrique, 29 de março de 2011 @ 23:03 Reply

    Como o instituto de pesquisas mediu os downloads ilegais? Ou baseou-se em respostas de usuários?

    De todo modo, confirmando-se a tendência, desenha-se uma situação de reequilíbrio.

    Natural. Houve tempo para uma série de fichas caírem. Alguém no mercado de música finalmente entendeu que as pessoas acostumadas à Internet querem praticidade, serviços rápidos e desburocratizados.

    Elas pagam por música, sem problemas. Se o preço for bom e a transação for simples. Não há mistério.

  • gil lopes, 30 de março de 2011 @ 11:28 Reply

    Parece mesmo que é isso, preço bom e transação simples. Quando a indústria da música desmobilizou todo seu “modelo de negócio” ( argh…) e deu o passo na direção da Internet como meio para circulação e acumulação de riqueza, talvez só mesmo acompanhada pelos bancos naquela altura, a apreciação foi de falência. No entanto, o caráter pioneiro dessa ação determinou um avanço incomparável na utilização da Nova Cultura como ambiente, sendo hoje já responsável por quase 1/3 da sua receita global. De 2004 a 2010 o crescimento do mercado de música digital em valores foi superior a 1.000%. O que cresceu mil por cento nesse período? Ao lado disso, a queda no negócio da música como um todo, no mesmo período foi de 31%. Onde essas linhas se encontrarão e quando devolverão o crescimento para a indústria da música no mundo, na Nova Cultura?
    O desmonte da velha ordem impõe um declínio de 31%, a adoção da Nova Cultura apresenta crescimento de 1.000%, para onde vai esse negócio? Considerando que 30% das receitas são investidas em desenvolvimento de novos artistas e marketing, que perspectivas podemos imaginar?
    E o Brasil nesse contexto? Pirataria, Criative Commons, Ecad…temos que nos adiantar.

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