O discurso inaugural do governo Dilma – o do “Brasil de todos” – exalou continuidade, mas se as ações iniciais da Ministra da Cultura Ana de Hollanda puseram algumas barbas de molho, será justo relativizá-las, não sem cobrar sua responsabilidade sobre projetos tão importantes para o país. Nos direitos autorais, esforços vinham sendo feitos para que uma parcela de criadores que jamais havia tido chance de recebê-los passassem a ter. O resgate deste papel pelo Ministério repetia a trajetória de tantos países, onde foi possível equilibrar relações entre usuários e criadores através de regulação, mecanismos de mediação e de solução de controvérsias. Afinal, o nosso ECAD, único órgão para gestão coletiva centralizada de direitos, padece de crônica falta de prestígio e boas práticas administrativas, a julgar por pareceres de auditores e outras evidências, e o MinC sistematizava esforços para ali conduzir uma mudança profunda. Mas se exageros ou retalhos desconexos distorceram a minuta do projeto trazida à consulta pública, sofrendo ainda uma oposição bem articulada, uma outra e mais antiga ameaça há muito paira sobre essa seara: ninguém consegue saber direito o que é o que, e a persistência e o alcance dessa ignorância são o que deveriam nos molhar as barbas.
Pois mesmo dentre os da música, a lei tolera muitos à margem do sistema. Hoje há no ECAD 10 sociedades, mas com critérios para ingresso objetivamente inalcançáveis, é em vão que muitas tentam nele ingressar, e assim autores não exercem seu direito à livre associação. Em 1999, uma manobra expulsou 4 sociedades e, para receber 3 de volta, subtraíram-lhes voz e voto e, sem previsão da lei específica, reduziram-nas à subcategoria de “administradas”, em oposição às 6 auto-proclamadas “efetivas”. É real a hipótese de autores não serem aceitos em associações – e por isso privados de seus direitos – já concretizada na rejeição pela UBC da atual presidente do Sindicato dos Músicos do Rio de Janeiro, Déborah Cheyne, por razões tão subjetivas quanto a beleza do som de sua viola. Num país que ainda produz dezenas de CDs todos os meses, são no máximo 950 os fonogramas aptos a remunerar os seus músicos executantes, por trimestre: dividindo 5% do arrecadado com música mecânica, o argumento é que “sobraria pouco pra cada um”, ignorando-se responsabilidades legais. Há também inclusões indevidas, e a competição entre sociedades inibe normas que exijam demonstrações de obra criada, quando a fácil conexão entre nome na planilha e dinheiro no bolso dá azo aos “autores de títulos”, sutil modernização das “planilhas do lápis” descritas por Blanc.
Na Assembléia Geral do órgão é definida a sorte dos titulares, através da seleção e o tratamento aos dados que instruirão as distribuições, e esforços são feitos para que a lei ali a mantenha, onde hoje predominam os votos da ABRAMUS, com 40%, e da UBC, com 37,14%. A ABRAMUS abriga o repertório de Warner, Universal e Sony, que nela mantém executivos como diretores desde 2001, quando migraram da UBC tirando-a do ostracismo. A UBC abriga o legado da pregressa liderança perdida em 2009: representa as 2 maiores sociedades norte-americanas e o repertório da gigante EMI, cujo ex-presidente é há décadas quem (de forma quase incrível) ainda dá as cartas, embora tenha simulado mudanças em 2005 ao empossar um ilustre letrista para seu cargo 3 meses depois de, silenciosamente, coordenar a transferência dos principais poderes estatutários para a Superintendência que hoje ocupa.
Dito isso, números do ECAD que parecem permanecer ignorados tornam-se especialmente significativos: em 2001, distribuiu-se 90,12% dos recursos para obras nacionais, e 9,88% para obras internacionais; em 2004, esta proporção mudou para 81,49% e 18,51%; em 2008, 73% e 27%, e; em 2009, 69% e 31%. Ou seja, em menos de 10 anos, o ECAD triplicou as remessas de divisas para o exterior. Com gastos de 67 milhões por ano (47 em pessoal), este ECAD, se um dia foi orgulho da classe, é hoje uma catástrofe em eficiência, eficácia e efetividade. Recentemente, uma grande polêmica em torno da retirada das licenças Creative Commons do website do MinC transformou-se no “boi de piranha” ideal para os que, no projeto de reforma, temem danos maiores ao seu gordo rebanho. Este inteligente sistema de “tagging” que “cola” em obras informações autorais de difícil acesso, tem sua hipotética periculosidade facilmente controlada em sistemas justos típicos de países onde o Direito Autoral não é um mistério, onde governos com os quais convivem amistosamente atuam para que regulamentos e tabelas de preços sejam públicos e definidos às claras. Exatamente o que a reforma propunha.
Alguns artistas nacionais, em defesa do retrocesso ministerial, parecem mesmo abduzidos pelo “perigo da ameaça externa”, do alto da santa ignorância que os mantém cegos em relação à outra que, sorridente, os consome. Outros, a respeito de quem facilmente poderíamos nos iludir como “não precisando disso”, conscientes do ovo dessa serpente que chocam, deveriam dignificar suas trajetórias e interromper o perverso ciclo de sustentação política dos que se dedicam a impedir o acesso de mais brasileiros a seus direitos autorais.
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A que se deve essa estupenda queda de arrecadação da música nacional em 10 anos? E em números absolutos, poderia nos informar do que tratamos? Nesses números arrecadados há algum valor proveniente da ambiente da Internet? Ficaria muito grato se fosse possível dividir essas informações.
A ministra Ana de Hollanda que diz não conhecer bem os assuntos sobre o direito autoral sacou a cola do bolso e mandou ver.
"A nova ministra mostrou ter uma posição bastante diversa daquela da atual gestão no que diz respeito ao Ecad (Escritório Central de Arrecadação de Direitos), duramente criticado pelo MinC. "Não vejo a possibilidade de subordinar uma entidade de classe ao poder executivo", disse, num dos raros momentos enfáticos de sua fala. "Vou ter que buscar uma assessoria, mas precisamos ampliar essa discussão", completou".
Pois é, a ministra Ana parecer ter caído de um caminhão de mudanças, além dessa tromba d'água de críticas que vem sofrendo, já já enffrentará uma enorme caravana dos líderes dos pontos de cultura Brasil afora. Sobre a Lei Rouanet, ela parece ter mudado o seu discurso inicial contra as reformas e, agora, até elogia o pró-cultura. Nesse puxa e repuxa de interesses dos tubarões que estão dentro do ECAD como bem aponta o artigo, uma coisa temos que comemorar, a sociedade começa a entender que dentro desse sistema de obscuridade comandada pelo ECAD, é ela que está pegando o pato, é ela que está triplicando os ganhos de uma indútria fonográfica falida, mas que incrivelmente quadriplica seus ganhos. Mágica? Não, roubo. A vítima? A sociedade que até em seus momentos de comunhão nos espaços públicos no Brasil está sendo criminalizada como quem está roubando a comida dos filhinhos do compositor porque os desavisados estão cantando naas vias públicas uma marchinha. O mesmo serve para o sanfoneiro das festas juninas ou do aniversariante que tem a petulância de utilizar o seu aniversário e numa contravenção cantar o parabéns para você que, creio, poucos sabem que é a música campeã de arrecadação do ECAD. Um escritório privado de arrecadação e distribuição ter o poder de polícia de Estado. Sem falar é lógio que agora o ECAD está avançando pra cima da Lei Roanet. Multiplicam os casos em que o ECAD não quer só cobrar pelas músicas que serão executadas num projeto de música, ele quer ser sócio do projeto, quer uma fatia grande do valor total do patrocínio.
E tem gente que, mesmo depois de ver a maior loja de cds fechar, Modern Sound, ainda pergunta se o lucro do ECAD está vindo da internet. Francamente! O último carnaval do Rio de Janeiro, Ecad cobrou dos blocos de rua, R$4,00 por folião, aumentando 25% a sua arrecadação em relação a 2009. Este ano, prometendo as mesmas práticas, já comemora a perspectiva de arrecadação 20% maior que a de 2010.
E vocês acham que a indústria fonográfica vai querer produzir alguma coisa, se quanto mais quebrados, mai ganham com a tirania do Ecad? É esta a bomba atômica da música brasileira.
Excelente análise do BNDES sobre Música na Economia da Cultura. Sugiro leitura generalizada. sss://bit.ly/i5Gw2z
Parabens Alexandre, pelos fatos expostos.
Salve Alexandre,
Eu só acrescentaria que esse boi de piranha da "cultura livre" foi engordado por setores do governo Lula que encontraram nele a encarnação do mais puro populismo cultural, pela difusão crença de que o maior obstáculo à ilustração do povão é o direito autoral, origem do poder maligno das "grandes corporações transnacionais". O que justificaria a expropriação pura e simples do autor, pela subordinação do direito individual deste ao direito coletivo do acesso. Isso faria algum sentido se: 1) Computadores fossem distribuídos gratuitamente, com acesso a internet vitalício garantido 2) Obras clássicas em domínio público fossem amplamente conhecidas dos brasileiros.
Esperamos que essa ideologia não termine inviabilizando a reforma do DA naquilo que realmente precisa mudar, que você tão claramente apontou. Parabéns.
Carlos, é devagar, devagarinho...respira um pouco...pára...vamos lá>>> de onde vc tira a ideia de que interessa as grandes gravadoras( e por conseguinte, as pequenas também...) viver do crescimento da arrecadação do Ecad? Vc mistura tudo...para os catálogos, os novos lançamentos, o que a indústria precisa é do meio digital, da circulação na internet, este é o meio de circulação da música, o único que cresce no mundo inteiro e que já é responsável por 50% da música consumida nos EUA por exemplo. Se essa circulação de música, no ambiente digital, entre nós, for capaz de produzir riqueza, aí sim as gravadoras, os artistas, os catálogos dos artistas terão novamente economia. A destruição foi determinada pelo novo meio circulante que aqui é dominado pela pirataria e pela baixaria pirata, pela circulação sem rendimento para produtores e autores. É na Nova Cultura, na circulação dos arquivos pela internet, que se encontra a questão. A Modern Sound do mundo inteiro, todas as modernos sons do mundo inteiro fecharam, o negócio migrou, e a indústria da música foi pioneira, vai sair primeiro. Os livros, o cinema também estão no mesmo processo, observe.
Portanto é ingênuo, de novo, vc concluir pontos de vista se pautando por análises tão deslocadas do problema.
Como a música nacional era hegemônica no mercado da velha forma de circulação, perdeu completamente mercado no meio físico para o internacional, que ainda traz novidades, tem a midia global e se apresenta no mercado de shows. Assim, as arrecadações de CDs e DVDs nacionais, arrecadam cada vez menos e os números do ECAD demonstram isso. Em 10 anos caiu uma bomba atômica na música brasileira, desmobilizando nossa capacidade de gerar riqueza com a música. No nosso caso é mais cruel porque tínhamos a hegemônia do nosso mercado, vendíamos mais, arrecadávamos muito mais.
Mas CDs e DVDs estão acabando, aqui e no mundo inteiro, não há mais mercado disso entende? É anacrônico, fim de linha.
ECAD arrecadar de bloco não tem nada a ver com indústria da música, o dinheiro vai para o autor, ou chama a polícia...é simples.
Quanto a Ministra Ana, agora é ela...antes era o outro...ela é a Ministra da Dilma, pensa nisso.
E vocês acham que a indústria fonográfica vai querer produzir alguma coisa, se quanto mais quebrados, mai ganham com a tirania do Ecad?
heeheheh. Genial Carlos Henrique.
Alexandre Negreiros meu camarada, parabens por sua clarevidencia.
Guará - (Botando a Boca no trombone)
Do jeito que esta não dá precisamos de mudanças no Ecad já.
Um dos grandes problemas é que grandes artistas da música brasileira defendem o Ecad,(como esta na página do Ecad) afinal são campeões de arrecadação.
Como por ex: um Ivan LIns, Dudu Nobre, Tato (Falamansa), Alcione, não podem ser contra o Ecad afinal arrecadam fortunas por ano.
De repente eles não sabem que ao tocar uma música minha ou de qualquer outro cantor menor em rádios, casas noturnas... o dinheiro que deveria vir para mim e para estes cantores, vai para eles. Apoiando o Ecad desta forma estão compactuando com um crime roubando dos pobres para dar para os ricos, nada diferente de alguns dos políticos corruptos deste país.
Muita gente fala, argumenta sem saber como funciona na prática ou participando da fatia do bolo, porém a maioria não faz parte do bolo.
Exemplos de como vem funcionando o Ecad
O Ecad cada ano que passa vem se profissionalizando nas cobranças, crescendo a arrecadação ano a ano e não deixando passar nada. Outro dia fomos fazer um show gratuito em um teatro no interior e queriam cobrar 1.000 reais de Ecad, já que no teatro cabiam 500 pessoas, argumentamos que era de música instrumental (mais díficil encher o teatro) e que se tivessemos 100 pessoas na platéia estaria de bom tamanho. Não teve jeito tivemos que pagar 800 reais, e o resultado foi 64 pessoas na platéia (o que foi ótimo), ou seja eles não admitem nada fazem o que querem.
Uma história
Levantei com 3 amigos proprietários de casas noturnas de música popular brasileira (de médio porte), levantei com os três o que pagam pelo Ecad (em torno de 5000 / 6000 por mes)só que tem uma caracteristica que só fazem shows e tocam músicas de artistas independentes da música popular (minhas músicas tocam direto). Perguntei mas vocês enviam uma lista do que tocou, a resposta eles não solicitam ou seja cada casa paga em torno de 60 mil ao ano o que foi pago ao Ecad eles repartem como querem, um absurdo.
O Ecad funciona da seguinte forma:
- é um orgão profissional na cobrança (cada vez mais);
- Ninguém controla ou audita o Ecad;
- casos e mais casos de bola para os apuradores do Ecad;
- Os membros votantes no Ecad (são somente 4 associações de um total de 10 associações de música) estas 4 devem ganhar horrores é só apurar;
- Quem mexe com eles toma (afinal gastam fortunas com advogados).
E o pior de todos
De 2.000 artistas de menor expressão quando tocam na rádio, tv, shows, casas noturnas o dinheiro vai somente para 100 artistas os quais todos já conhecem(que já são os tops do mercado)
Os artistas, compositores e gravadoras independentes não arrecadam nada.
Queremos justiça na divisão da arrecadação de direitos.
Um dá um bico na realidade e faz frase de efeito muito pobre deduzindo que a indústria da música no Brasil não quer produzir mas viver as custas do Ecad...nem piada é...outro sugere que o problema é o artista brasileiro, o que ganha e o que não ganha, especula sobre "os que devem ganhar horrores"...francamente...
Quem controla o ECAD? Bem, duas associações detém 80% dos votos - a ABRAMUS e a UBC. A primeira tem 8 diretores, sendo que 4 são representantes de editoras e gravadores multinacionais. Na outra, são 7 diretores, dos quais cinco são donos de editoras musicais, que fazem contratos leoninos de cessão total de direitos para os artistas. Precisa dizer mais?
Carlos, mais uma vez: a parceria entre as editoras e gravadoras multinacionais com a música brasileira foi vantajosa para a música brasileira, é um fato. Ganhamos muito com isso ( e eles também).
Perdemos é com a baixaria pirata, a circulação de arquivos de música sem recolher um centavo. Se a circulação da música será pela Internet, temos que responder a questão: como vamos voltar a produzir riqueza com a música no Brasil, em cujo mercado a música brasileira era hegemônica com folga. Precisa dizer mais?