“O mais grave é que só vencerão os que se renderem às mesmas regras, armas e estilos”Falemos da questão da diversidade cultural, que o G-8 deverá propor e votar pela liberalização em setembro próximo, em Cancun, no México; que só não foi rodada nas negociações da OMC em 31 de março passado (2003) devido àquela guerra que a bélica indústria travou contra o Iraque a ONU e quase todos nós. Partimos da crença de estarmos frente a uma das principais questões colocadas pela globalização cujo curso está sendo imposto atualmente.

Não se trata mais de uma questão do terceiro mundo, ou dos países em desenvolvimento: França, Espanha, Alemanha, Brasil, Argentina, enfim, qualquer outra nação que não os EUA, serão invadidos “legalmente falando” por uma legislação mundial. Esta determina que não haja mais incentivos ou quaisquer protecionismos, por nenhum país, para os bens e serviços culturais, que passarão a ser considerados mercadorias, como bens e serviços quaisquer. Feito gladiadores, deverão concorrer entre si, tendo por arena o circo do MERCADO – que também determinará as leis e as armas da disputa . De “igual para igual” os cinemas de cada nação enfrentarão as majors (complexos empresariais que formam aquilo que, popularmente, denominam e são denominados por hollywoody) até restar apenas um – feito o fake de um duelo travado ao pôr-do-sol.

O mais grave é que, segundo as regras e o poder das armas, só vencerão os que se renderem às mesmas regras, armas e estilos. Ou seja: mesmo que vença um dos diversos ? diferentes – das majors, isto só ocorrerá se e por ele (o diferente) ter demonstrado uma assimilação às regras impostas e um domínio superior ao manejo das mesmas armas e regras do inimigo. Equivale dizer que, independente do gladiador, o vencedor sempre será a regra, a arma e o estilo determinador. Seja chinês, espanhol ou italiano, o realizador precisará explodir um automóvel a cada quinze minutos; caracterizar um personagem com distúrbios psíquicos que desafiam a personalidade formadora de um herói que teme e foge de seus próprios inimigos, enfim… ação, velocidade, efeitos técnicos buscando uma sensação como aquela transmitida pela chegada do homem à lua, ou monstros ou ação, ou efeito, ou velocidade. (Você está achando palavras repetidas? Espere para ver os filmes!)

Foram-se as pessoas, ficaram os anéis, ou melhor, os seus senhores: as regras, as armas e o estilo. Tudo fica novamente parecido de novo. E o pior: a matriz(x) é exótica (o que não mais se vê) e exacústica (o que não mais se ouve). Lembra o caso do italiano que já não se reconhece por não sentir-se mais italiano. Ele parte, então, para a América onde sempre será um falso americano, mesmo sem ter saído da Itália.

Já na América…
A janela indiscreta do mestre do suspense, deu lugar às paredes de vidro, onde o vídeo invade tudo e a imaginação foi superada pela realidade. O reality show destrona a realeza do ?era uma vez…? ou ?once upon a time…? já que não se trata só da língua, mas da linguagem, das gentes, das memórias, do reconhecimento, do vir-se, ver-se, e vencer-se.

Talvez isto explique um pouco do sucesso de audiência quando do cerco por um exército de policiais ao nosso vizinho. Ou estamos nos tornando, pouco a pouco, turistas japoneses: que só verão Veneza ou Pelotas, quando voltarem para casa e ligarem o vídeo e acionarem as fotos, já que passaram todo o tempo de visita ao desconhecido, preocupados em registrar aquilo que só verão após ter virado passado?Assim sendo, estamos todos coelhos da Alice, para quem:

é tarde, é tarde, é tarde
já é tarde para sempre
disse o coelho passando
por Alice com tanta pressa
que caso não o parasse
talvez só ficasse presente
apenas quando lembrança
após ter virado passado


Ben Berardi é membro da Comissão Internacional de Preservação da Diversidade Cultural.

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Ben Berardi


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