II Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares fez balanço das diretrizes estabelecidas em encontro de 2005“O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e valorizará a manifestação e a difusão das manifestações culturais”. O texto da Constituição Federal está, assim como a Carta Magna, prestes a completar vinte anos, mas começa a sair do papel somente agora. Começa. Esta é a avaliação de entidades e inclusive de representantes do próprio governo federal presentes ao II Seminário Nacional de Políticas Públicas para as Culturas Populares, realizado em Brasília na semana passada.
A avaliação da atuação do governo esteve no centro do debate, principalmente os compromissos assumidos para com as diretrizes e ações definidas na primeira edição do seminário. Entre elas, estavam a criação de uma política de financiamento, com destinação efetiva de recursos de forma democrática e desburocratização do acesso às verbas, o avanço no mapeamento das expressões culturais populares no país, a inserção destas manifestações na educação formal e a construção de espaços participativos de construção e acompanhamento de políticas.
Na avaliação de entidades e grupos presentes, o governo conseguiu realizar e iniciar ações em praticamente todas as diretrizes. Mas ultrapassado o obstáculo da inexistência no mapa das políticas governamentais no plano federal, é chegado o momento de vencer a marginalidade entre as prioridades tanto do órgão responsável, o Ministério da Cultura, quanto do governo como um todo. Este desejo foi manifestado claramente no debate sobre o orçamento destinado para estas expressões. Na prestação de contas feita pelos integrantes do Minc em uma das mesas, foi destacado o primeiro edital voltado para iniciativas nesta área, que disponibilizou mais de R$ 1,8 milhão no ano passado.
Além destes, outros 82 projetos voltados para a valorização das culturas indígenas no valor de R$ 15 mil cada foram aprovados. Segundo o ministério, ainda este ano a perspectiva é de um novo edital de mais R$ 1,5 milhão.
O aumento dos recursos deu-se no âmbito de uma luta que a pasta travou para superar a triste situação de lanterninha orçamentária da esplanada. Dos 0,2% do Produto Interno Bruto em 2003, o ministério “saltou” para 0,5% do PIB neste ano. “Temos trabalhado no sentido da ampliação do orçamento. Não só a verba do MinC cresceu como as estatais, que são os grandes investidores da Cultura, têm estado na sintonia da política pública, por isso é possível dizer que situação está muito melhor”, argumentou Sérgio Mamberti, secretário da identidade e da diversidade cultural do Ministério da Cultura. A aposta da equipe de Gilberto Gil é na Proposta de Emenda Constitucional 150, que vincula 2% do Orçamento da União para a Cultura.
Para Evelaine Martins, do coletivo nacional de cultura do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, no entanto, o aumento é insuficiente, principalmente se considerado em relação à verba movimentada pelos mecanismos de incentivo fiscal. “Existem ações[para as culturas populares]? Há várias. Mas se formos ver no plano geral das políticas culturais e quanto é movimentado com leis de incentivo, é quase nada. Quem acessa Lei Rouanet [um dos principais mecanismos de incentivo] não são culturas populares”. Mas o principal programa questionado pela dificuldade de liberação de verba foi os Pontos de Cultura. “Pouco mais de 400 já estão recebendo, conseguimos recurso para mais 69 e estamos buscando para os 150 restantes”, respondeu o secretário de programas culturais, Célio Turino.
Mas se os recursos disponíveis ainda são poucos, o acesso a eles teve melhoras significativas. Um dos pontos de consenso entre grupos, organizações e o governo foi o avanço grande na forma de inscrição para receber recursos do ministério. Após se deparar com diversos problemas no primeiro edital, principalmente quanto ao atendimento às exigências para celebração de convênios, a inscrição de projetos de culturas indígenas buscou corrigir os problemas. “Criaram mecanismos que facilitam bastante. Tanto na inscrição, que pode ser feita até mesmo por via oral e nas línguas de cada povo, quanto no repasse, que é feito neste caso por uma entidade intermediária, não sofrendo a burocracia quando é o governo que tem que repassar”, explica Marcelo Manzatti, do Fórum
Permanente para as Culturas Populares de São Paulo.
Em relação à inserção das culturas populares na educação formal, o MinC divulgou no seminário parceria com o Ministério da Educação para promover ações que levem os mestres destas expressões às escolas. No momento de debate da mesa de prestação de contas dos representantes do ministério, os participantes elogiaram a medida, mas cobraram uma presença mais efetiva, que passaria pela inserção do tema nos currículos e por atividades que não ficassem restritas à datas festivas ou ligadas ao folclore.
Interlocução – Para fortalecer a pressão por estas reivindicações, os grupos ainda lutam por espaços mais permanentes de interlocução dentro do governo. Apesar da realização dos dois seminários, estas organizações reivindicam uma instância como os grupos de trabalho criados pelo Ministério junto a outros setores, como indígenas e entidades GLBT, ou câmaras setoriais, que reúnem a sociedade civil de diferentes artes. Para o ministério, antes de um espaço como uma câmara setorial, é preciso dar mais organicidade aos coletivos de cultura popular. “A organização de fóruns regionais seria a forma inicial mais rápida, pois a diversidade cultural é muito grande e processo organizativo ainda não está tão avançado quanto nas artes, que têm seu sindicato”, comenta Sérgio Mamberti.
Fonte: Carta Maior
Jonas Valente