José do Nascimento Júnior, diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan, o homem por trás da elogiada política de museus do ministro Gilberto Gil, expõe o quadro preocupante da conservação de acervos artísticos e objetos históricos no país.
Esta é a sexta entrevista da série realizada com curadores de importantes museus brasileiros, realizada por Cores Primárias (conheça aqui), site parceiro do 100canais, núcleo editorial do Cultura e Mercado. Nas semanas anteriores, publicamos a entrevista com o curador do MAM de São Paulo, Felipe Chaimovitch (leia aqui), com a curadora do MAM da Bahia, Solange Farkas (leia aqui), com Cristiana Tejo, que assumiu a curadoria do Mamam de Recife (leia aqui), com Paulo Garcez, do Museu Paulista (leia aqui) e com Samira Margotto, diretora da Casa Porto em Vitória que conta que o Salão do Mar ganhou projeção nacional ao fortalecer a cultura local (leia aqui). Nesta semana, o homem por trás da elogiada política de museus do ministro Gilberto Gil, José do Nascimento Júnior, diretor do Deptartamento de Museus e Centros Culturais do Iphan, expõe o quadro preocupante da conservação de acervos artísticos e objetos históricos no país.
BRASÍLIA – No final do mês de maio, o Ministério da Cultura divulgou o balanço de seu investimento nos 36 museus e centros culturais sob responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan. Alardeou um aumento de mais de R$ 20 milhões no montante investido de 2005 para 2006, totalizando um aporte de R$ 120,2 milhões nestas instituições no ano passado (contra R$ 92,9 milhões em 2005). Mas os números não são tão positivos quanto se pensa: de acordo com José do Nascimento Júnior, diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan (Demu/Iphan), seria necessário pelo menos o dobro de recursos para que o MinC atendesse a contento as demandas dos museus sob sua administração.
Em entrevista ao Cores Primárias, o homem por trás da elogiada política de museus do ministro Gilberto Gil expõe o quadro preocupante da conservação de acervos artísticos e objetos históricos no país. Não há novos museus do Iphan em construção, muitos padecem com a falta de verbas para a restauração de seus prédios e somente 12 das 36 instituições sob responsabilidade do Demu/Iphan receberam novas obras de 2003 a 2006 – a maioria por meio de doações de colecionadores e artistas, em campanhas como a que o curador Paulo Herkenhoff, então diretor do Museu Nacional de Belas Artes, promoveu em 2005.
A escassez de recursos também atinge o pagamento dos servidores públicos dos museus, assim como de todo o MinC. Uma greve geral foi deflagrada no último dia 15 de maio, durante a Semana Nacional de Museus, com o fechamento de praticamente todos os museus federais (leia aqui). De acordo com Nascimento Júnior, a programação da semana foi salva graças às iniciativas das instituições particulares e daquelas ligadas a outros ministérios e órgãos públicos (também estaduais e municipais).
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Nascimento Júnior já dirigiu o Sistema Estadual de Museus do Rio Grande do Sul e coordenou as atividades relativas a Museus e Artes Plásticas no Ministério da Cultura. É o franco favorito para presidir o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), uma autarquia específica para a administração dos museus federais, os quais sairiam da alçada do Iphan – um desejo do ministro Gilberto Gil desde o primeiro mandato do presidente Lula.
Cores Primárias – Considera que o montante de R$ 120 milhões investido em museus em 2006 é o ideal?
José do Nascimento Junior – Os museus de todo o país vêm ganhando mais atenção do Governo Federal em decorrência da Política Nacional de Museus (PNM), implantada pelo Ministério da Cultura, em 2003. Ao passo em que nos anos de 2001 e 2002 o investimento total anual foi de R$ 20 milhões, o investimento superou R$ 40 milhões nos anos de 2003 e 2004. Em 2005, esse número duplicou e em 2006 chegou à casa dos 120 milhões. Os investimentos cresceram 170%, de 2003 a 2006. De 2006 para 2005, o crescimento foi na ordem de 30%. Para 2007, esperamos novo crescimento na ordem 30%. Tais recursos referem-se ao investimento efetuado pelo Sistema MinC com recursos orçamentários, do programa Monumenta e via lei de incentivo fiscal.
A demanda dos museus, entretanto, é muito maior. Seria necessário, pelo menos, duplicar esse investimento para atender a uma demanda mínima. Como exemplo, cito o Edital de Modernização de Museus, voltado ao apoio de projetos não vinculados ao Ministério da Cultura. Neste ano, destinamos R$ 1.870.000,00 a 37 projetos selecionados. Ao todo, recebemos mais 340 projetos. Ou seja, há um potencial e uma demanda muito grande para investimento na área.
CP – Poderia nomear os cinco museus que mais receberam recursos do MinC em 2006? Como foi definida essa prioridade de gastos?
JNJ – Os museus que mais receberam recursos do MinC no ano de 2006 foram o Museu Nacional de Belas Artes (R$ 5.525.381,77), Museu Histórico Nacional (R$ 3.739.588,76 ), Museu Imperial (R$ 2.819.543,96), Museu da República (R$ 2.777.271,54) e Museu da Inconfidência (R$ 1.146.156,94).
Os recursos a eles destinados referem-se tanto à manutenção dos museus (pagamento de luz, água, telefone, manutenção predial e demais despesas administrativas), quanto à área finalística, o que envolve exposições, ações educativas e culturais, obras, segurança, etc.
O apoio aos projetos dos museus do Iphan/MinC é definido por meio de planejamento estratégico, envolvendo o DEMU e o corpo diretivo dos museus, a partir das demandas listadas e das diretrizes estratégicas definidas.
CP – Há novos museus federais em construção, sob a administração do Iphan?
JNJ – No momento não existem museus novos em construção a serem incorporados ao Iphan. Nossas obras são em museus já existentes, visando a modernizar as infra-estruturas e a adequar os espaços. É o caso, por exemplo, do Museu Nacional de Belas Artes e do Museu da Inconfidência, em andamento, e do Museu Histórico Nacional e do Museu das Bandeiras, cujas obras foram concluídas no fim do ano passado. Outros projetos de restauração e modernização estão sendo gestados, como o do Museu das Missões, Museu do Açude, Museu Lasar Segall, entre outros.
CP – Quanto do investimento do MinC em museus, em 2006, foi dirigido à aquisição de obras?
JNJ – Entre 2003 e 2006, cerca de quatro mil itens incrementaram as coleções dos museus do Iphan. Das 36 instituições, 12 (cinco museus nacionais, seis regionais e uma casa histórica) aumentaram suas coleções por meio de doações ou compras. Dos museus que ampliaram seus acervos por meio de doações, três avaliaram monetariamente as peças: o Museu Histórico Nacional (2.393 peças avaliadas em R$ 589.797), o Museu do Diamante (136 peças avaliadas em R$ 20.850) e o Museu Regional de São João Del Rei (197 peças avalia das em R$ 5.040). Ao todo, são 2.726 peças avaliadas em R$ 615.687,40. Os valores monetários não dão conta do legado simbólico, mas indicam que os cidadãos passaram a ver seus objetos não apenas como descarte, mas como peças valorizadas pelas instituições museológicas. O investimento na aquisição de acervo também foi relativamente grande, demonstrando a preocupação dos museus em reservar orçamento especial para a renovação de suas coleções, ação imprescindível para o seu desenvolvimento.
CP – Como o Demu tem servido de interlocutor para os museus brasileiros nesse sentido, de atualização do acervo?
JNJ – A aquisição e gerenciamento de acervos é uma das diretrizes previstas na Política Nacional de Museus. Em função disso, um dos itens de apoio do Edital de Modernização é para a aquisição de acervos museológicos.
CP – A segurança dos museus tem sido considerada um assunto prioritário no meio cultural desde os roubos em museus nos anos de 2005 e 2006, notadamente no Rio de Janeiro. Quanto o MinC tem investido na modernização dos sistemas de segurança dos museus e quais são os principais resultados a serem destacados?
JNJ – A questão da segurança nos museus já era uma prioridade do Departamento de Museus, mesmo antes do acontecimento no Museu do Açude. O DEMU tem apoiado projetos para instalação ou revisão de sistemas de segurança dos museus, tanto dos vinculados ao Iphan como os demais museus. Já apoiamos sete projetos nesse sentido por meio desse edital e vários outros por meio dos editais lançados em parceria com empresas estatais (Petrobras, Caixa e BNDES). A maioria dos museus do Iphan recebeu recursos voltados para a segurança. Isso é uma ação recorrente, que acontecerá também este ano. Para os museus não vinculados ao Iphan, apoiamos, por meio do edital Modernização de Museus, projetos na área de segurança nos estados do Tocantins, Santa Catarina e Ceará.
Além disso, estamos articulando com a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro a colocação de sistema de segurança na área externa de museus na cidade.
CP – Em que fase estão as obras no Museu Nacional de Belas Artes, principal acervo público do país?
JNJ – Estamos terminando a quarta fase de obras e vamos entrar em uma quinta fase, que pressupõe os terraços e o 4º andar do museu, além da busca um prédio para abrigar os setores administrativos e biblioteca do museu. Também está prevista uma ampliação da área de exposição.
CP – Como se encontra o andamento do Sistema Nacional de Museus?
JNJ – A criação do Sistema Brasileiro de Museus – SBM era uma das metas da Política Nacional de Museus e foi instituído em 2004, por meio do Decreto 5.264. A coordenação do SBM cabe ao Ministério da Cultura. Atualmente o Departamento de Museus é a instituição do MinC que trata das políticas para o setor museológico, portanto é o DEMU quem gerencia as ações do SBM. A institucionalização de um sistema veio atender a uma antiga demanda do setor museológico e deu caráter oficial do trabalho em rede e da articulação que o governo federal vem atuando com os demais entes da federação e com a sociedade civil.
O SBM tem a atribuição de promover a interação entre instituições, profissionais e pesquisadores ligados ao setor museológico e articular o desenvolvimento da área e a promoção de ações em conjunto. Isso envolve todo o setor museológico brasileiro e não somente os museus do Iphan. Essas ações são intensificadas constantemente. Novamente cito o exemplo do edital Modernização de Museus, inserido no conjunto de ações do SBM, e o Programa de Capacitação em Museologia. Por meio desse programa, que oferece cursos de capacitação nas diversas áreas de atuação dos trabalhadores dos museus e promove seminários para discutir temas de interesse da área, já capacitamos mais de 11.200 profissionais entre os anos de 2003 e 2006.
CP – Quais são as perspectivas atuais para a criação do Instituto Brasileiro de Museus – Ibram?
JNJ – A criação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) é um anseio antigo da comunidade museológica brasileira e representará, na prática, o pleno reconhecimento do espaço ocupado pelos museus na sociedade. Com a criação do Ibram, necessariamente ele abarcará a atribuição sobre exercida pelo DEMU, de gerencia as ações do SBM.
Não restam dúvidas de que os museus merecem ser gerenciados por um organismo diferenciado, que amplie, ainda mais, seu papel social e os benefícios que geram.
O projeto de criação do Ibram já foi aprovado tecnicamente e está em fase final de tramitação dentro do governo, devendo seguir para o Congresso Nacional nos próximos dias.
Na estrutura do Ibram, estarão vinculados o museus que hoje encontram-se sob a administração do Iphan. No entanto, o Ibram cuidará da política museológica em nível nacional, o que abrange todas as instituições do país.
CP – Como avalia a realização da Semana Nacional de Museus este ano, com o início da greve dos servidores da Cultura quase na mesma data?
JNJ – Muito positiva. Foram realizados 1500 eventos por 500 instituições museológicas de todos os estados e do Distrito Federal, atraindo um público de 3 milhões de pessoas. No decorrer da semana, cerca de cinqüenta museus aderiram ao circuito espontaneamente. A greve não teve grande impacto na Semana, pois o Iphan tem apenas 30 museus em sua estrutura e vários deles funcionaram durante a Semana de Museus, de modo a cumprir a agenda prevista.
CP – Como têm sido os reflexos da greve nos museus dirigidos pelo Iphan? O salário dos servidores está sofrendo corte durante a paralisação?
JNJ – Cerca 100% dos museus do Iphan estão fechados em função da greve. Esperamos que esta situação se resolva logo, para que reine a normalidade. Não foram feitos cortes nos salários dos servidores, até o momento.
Bianca Tinoco produziu esta entrevista para o site de jornalismo especializado em história das Artes Visuais, Cores Primárias, cooperador do 100canais.
Bianca Tinoco*