“Um dos principais motores dessa vida moderna globalizada é a sedução e a sensação do extraordinário. Tudo deve nos seduzir, tudo deve provocar em nós sensações extremas. Perceber e ser percebido passaram a ser as palavras chaves. Quem não é percebido não existe: apareço, logo existo.”

Antes de abordar diretamente os desafios que a sociedade da imagem acarreta, gostaria de ressaltar duas marcas de nossa época e, segundo creio, duas chaves para a compreensão da modernidade (ou pós-modernidade): a virtualidade e a aparência. Duas parentes diretas da imagem, duas presenças (perdoem o paradoxo) constantes no nosso horizonte de referências, pessoal e social. Das tecnologias de ponta ao camelô da esquina, todos sabem, por exemplo, a importância da aparência em todas as esferas da vida pública. Como embalagem de uma mercadoria, como apresentação, como propaganda, como notícia, como apelo ou simplesmente como “visual”, a aparência passou a ser uma importante moeda de troca na vida política, econômica e social.

É bom acrescentar também que a chamada indústria do entretenimento está calcada hoje fundamentalmente na imagem. Sem esquecer, é claro, os seus efeitos sonoros e a música. Adorno, por exemplo, num de seus ensaios, falou sobre o caráter fetichista da música que se prestaria a ocupar quase todos os espaços possíveis da convivência social. E, de fato, são estes os dois maiores setores de atuação mundial no campo do entretenimento: a indústria do audiovisual (cinema, televisão, vídeo, internet e similares) e a indústria fonográfica. No mesmo texto, Adorno chama a atenção também para o perigo da decadência do gosto, da mediocrização, do nivelamento por baixo, que todo esse processo acarreta. Para muitos, essa é a lógica do sistema de economia de mercado, que prefere consumidores cada vez mais homogêneos, com gostos mais parecidos, e absolutamente alienados daquilo que convencionamos chamar de realidade. Enfim, um só público, em que todos têm os mesmos desejos, bebem o mesmo refrigerante ou cerveja, vestem a mesma roupa, assistem ao mesmo programa, acreditam nas mesmas pesquisas, ouvem a mesma música etc.

Nesse contexto, tanto a indústria do entretenimento quanto a propaganda e a indústria da informação se utilizam do poder sedutor da imagem para melhor atrair o consumidor (nome dado a nós todos, presentes na economia de mercado neoliberal, significativamente convertidos de cidadãos em consumidores). Na exploração do poder sedutor da imagem, além do caráter fetichista mencionado por Adorno, há o toque de sensualidade, cada vez mais adquirido pelas mercadorias – as cervejas hoje, por exemplo, são todas lindas, sensuais, esbeltas! Quem não quer uma cerveja dessas? Em suma, somos atacados o tempo todo por marcas, slogans, imagens sedutoras que quase sempre se aproveitam dos desejos libidinosos dos indivíduos.

Por outro lado, é também importante lembrar que o mercado, essa famigerada instituição abstrata e onipresente, não é eterno. Graças a Deus, não vai durar para sempre. Terá um fim, como, ao longo da hisótria, todas as demais criações humanas tiveram. Não se sabe se será destruído pelo bom senso dos indivíduos ou se por algo ainda pior e mais pernicioso.

Há muito, também o tal mercado percebeu – segundo repete um anúncio popular de refrigerantes – que a imagem é tudo. Pois ela ingressa diretamente no inconsciente, sem mediações, sendo por isso bastante eficaz quando se pretende inculcar idéias e igualar comportamentos. Os nazistas, aliás, foram mestres nisso; sabiam que só palavras não bastavam, era preciso convencer as massas por meio de imagens grandiloqüentes e impressionantes.

A mídia moderna – a propósito, inconcebível sem as conquistas nazistas nessa área -sabe como é importante inventar um lançamento sempre mais sensacional que o anterior e fazer do último escândalo sempre o mais terrível.

O consumidor fica então com uma sensação de vazio, um vácuo que precisa ser preenchido o mais rápido possível com novas substâncias. Difunde-se assim uma avidez de sensações e novidades que mal disfarça a desesperança, a falta de utopias e a agressividade reinante no mundo atual.

Em resumo, as imagens mais eficazes são, por excelência, aquelas que nos seduzem, aquelas que se aproveitam de nossos desejos inconscientes. Portanto, elas não são mais, como há algumas décadas, imposições de necessidades falsas, mas explorações evidentes de necessidades reais e legítimas, de sonhos e desejos concretos e justos.

Um dos principais motores dessa vida moderna globalizada é a sedução e a sensação do extraordinário. Tudo deve nos seduzir, tudo deve provocar em nós sensações extremas. Perceber e ser percebido passaram a ser as palavras chaves. Quem não é percebido não existe: apareço, logo existo. Aquilo que não se sobressai, que não fica evidente, quem não é visto, quem não vira imagem não existe, não é nada, não é ninguém.

Cada vez mais, a televisão busca a sensação de maior realidade, mostrando simultaneamente catástrofes, corridas, eventos esportivos de toda ordem, seqüestros, guerras. Busca-se o frisson da experiência real nestes tempos de globalização, como se a todo o momento ela nos dissesse: isto não é faz-de-conta, é real. É claro que não é tão real assim, mas prevalece a sensação de contemporaneidade, de estarmos plugados, de sermos os atores e espectadores de um mesmo filme. Temos desse modo a impressão de interferir nos destinos do mundo por meio da interatividade e, ao mesmo tempo, de acompanhar tudo ao vivo. A vantagem deste voyerismo é que não se corre perigo, pois estamos a segura distância da verdadeira realidade.

Hoje, assolado pela mídia, por produtos e informações de toda ordem, o indivíduo se vê impotente e encarcerado numa realidade onipresente e manipuladora.

A mola propulsora deste ritmo acelerado, no que se refere à produção pseudo-artística baseada na imagem, é sem dúvida a televisão. Este meio de comunicação fornece ao espectador tudo aquilo de que ele necessita e para o qual ele foi adestrado e condicionado: velocidade, distração, adaptação total dos sentidos da visão e da audição. Tudo isso fazendo uso de um meio roubado à literatura: a narrativa. Geralmente, a televisão adota a estrutura de uma narrativa com começo, clímax e catarse final, num ritmo inviável à atividade de leitura, à narrativa literária.

Mas será que alguém que introjetou e interiorizou o modo de recepção da televisão necessariamente sente tédio ao ler um livro? Será que ele só consegue engolir imagens prontas e acabadas? Será que de fato sua expectativa não pode ser satisfeita pelo livro, que exige uma outra forma de abordagem, exige o uso da imaginação e da memória, do discernimento e da comparação?

Bem, diante de tudo isso, como educar o indivíduo para lidar criticamente com as imagens? Provavelmente, mediante a busca e o enaltecimento da experiência real, e a conscientização dos mecanismos de produção das imagens. A sociedade da imagem é algo irreversível. Portanto, é preciso aprender, desde o princípio, a dominar a linguagem das imagens, sua lógica interna, e a utilizá-la de maneira mais consciente. A par disso, aprender a consumi-las e, principalmente, a discerni-las deveria ser a tônica da escola moderna. Criar critérios, discutir sobre eles e exercitá-los deveriam ser as metas de uma educação voltada para o futuro. Só assim seríamos capazes de crítica diante da enxurrada de imagens que nos assola todos os dias, em todas as mídias: da televisão ao jornal, da aparência pessoal aos anúncios libidinosos, do computador ao outdoor da esquina.

Em razão disso, a arte foi quase expropriada de uma infinidade de elementos estéticos que foram adotados pelo cinema comercial, pelo rádio, pela televisão e, sobretudo, pela propaganda. Alguns elementos da arte foram até mesmo assumidos pela mídia, tais como chocar ou denunciar, por exemplo.

Outra via que creio importante para o resgate da organização do pensamento e da escrita é, na formação do indivíduo, dar maior valor à oralidade. E nisso a leitura desempenhará um papel cada vez mais fundamental. Ler, tal como escrever, significa sobretudo descobrir. Está aí um dos grandes desafios da educação numa sociedade dominada pela imagem: recuperar a força da palavra.

Por fim gostaria de ressaltar também três aspectos do “estar no mundo” que passam por modificações profundas nesse fetiche da imagem na sociedade moderna:

a) o pensar – o computador vai substituindo nossa capacidade de raciocinar, de memorizar e de discernir. Não se pode deixar tudo por conta do computador. Não podemos esquecer que a rede é apenas um instrumento e que, para se obter uma resposta adequada, é preciso saber formular a questão.

b) o sentir – o apelo constante às emoções fortes, intensas (ira, terror, paixão etc.), a ilusão de interatividade e as ações ininterruptas fazem de nossa realidade algo enfadonho e insípido, onde “nada acontece”.

c) o conviver – o empobrecimento das relações humanas em função da mediação da tecnologia. Dos chats, passando pelo telefone e pelo e-mail, às videoconferências (sem esquecer o sexo virtual), a presença do outro se torna cada vez mais supérflua. A relação real e concreta é substituída pela imagem, pela virtualidade.

Isso pode levar à formação de grupos de pessoas que provavelmente nunca se conhecerão, mas que se sentirão parte de um mesmo todo. Pode também formar elites da informação e novos proletariados não informados, excluídos da vida eletrônica moderna. Pode ainda acarretar maior dependência da tecnologia e dos bens naturais não renováveis, utilizados na produção da energia elétrica, fundamental ao funcionamento de todo esse sistema. O apagão seria então o terror da sociedade da imagem.

Mas será preciso, sobretudo, reaprender a olhar e fazer disso um processo incessante, contínuo e, é claro, prazeroso. A arte, aliás, pode ser muito eficaz para isso. Aprender a cultivá-la exercita os nossos sentidos e aguça a nossa sensibilidade. Nosso grande desafio estético é resgatar o sentido originário da arte, fundamentado na verdade, no bem e no belo. A importância da arte não está somente em preparar o indivíduo para o mundo pós-moderno da imagem e da comunicação visual, mas, sobretudo, em desenvolver em cada indivíduo a sensibilidade para o que há de mais humano, mais profundo e mais necessário para uma vida feliz.

Erlon José Paschoal


Gestor Cultural, diretor de teatro, dramaturgo e tradutor. Foi gerente na Secretaria de Políticas Culturais do MinC e é sub-secretário da cultura do Espírito Santo.

1Comentário

  • RIED, 9 de fevereiro de 2007 @ 13:47 Reply

    fascinado pela paródia que este texto representa. Não há um pensamento original, uma proposta significativa de alternativas, mas o tom e o vocabulário parecem escolhidos para gerar a impressão de profundidade e respeitabilidade que serve, considerando o tipo de leitor a que o texto é dirigido, para realçar a imagem de intelectual que o autor tem de si próprio.

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