“Para regionalizar a produção de televisão é necessário pensar políticas públicas complementares a leis de obrigatoriedade da exibição”A televisão brasileira vive uma distorção pouco comum em países democráticos. Praticamente toda a programação é produzida no eixo Rio-São Paulo, a produção local tem poucos horários e, em geral, produz apenas telejornalismo. Essa concentração absurda tem causas históricas bem definidas. A consolidação das redes de televisão foi promovida pelos militares nos anos 60 para incentivar a ”ïntegração nacional” e teve como consequencia o esfacelamento da produção regional. Hoje as afiliadas e retransmissoras são, em muitos casos, meros escritórios comerciais para a venda de publicidade local.

Projetos de lei e iniciativas para regionalização não faltam. As redes nacionais, no entanto, insistem na inviabilidade da regionalização. E estão certas, pelo menos, por enquanto. O fato é que nos últimos governos as concessões para emissoras foram dadas por critérios predominantemente políticos. Proposta de programação e capacidade de produzi-la são itens essenciais na avaliação e, devido a isso, há uma infinidade de emissoras locais sem capacidade de produção adequada as necessidades locais. Essas impossibilidades, no entanto, são circunstanciais. O fundamental são os recursos humanos e o talento artístico. E isso, o cinema, a música e outras artes já provaram existir em todas as regiões do Brasil. O que falta, no caso da televisão brasileira, são empresas com capacidade de investimento.

Para regionalizar a produção de televisão é necessário pensar políticas públicas complementares a leis de obrigatoriedade da exibição. Políticas culturais poderiam incentivar a produção de televisão regional e independente; e políticas industriais poderiam ajudar a fortaleçer as empresas de televisão.

É necessário ainda mostrar às emissoras que regionalização da produção é, além de uma necessidade cultural, uma necessidade comercial. Nesse caso, a cultura e mercado andam juntos. O fato é que a audiência tem, nos últimos anos, se mostrado cansada da excessiva homogeneidade da programação de televisão brasileira, da pouca inovação e da distância que as redes nacionais estão da realidade cotidiano do país. O público vem, gradativamente, abandonando a televisão. Apenas a produção regional poderá reconquistá-lo. Iniciativas legais e de movimentos sociais organizados são fundamentais, mas é necessário que as emissoras compreendam que regionalizar a produção é também uma necessidade comercial.

Alguns valores culturais poderiam pautar as políticas de incentivo à regionalização da produção. A regionalização não é, necessariamente, uma opositora das redes nacionais. A idéia de uma televisão em rede nacional não é apenas um valor dos ?militares?, é um valor importante para a sedimentação da identidade nacional. É importante que haja informações comuns para todas as regiões do país, é saudável que obras de dramaturgia proporcionem que populações de todas as regiões do país discutam seus valores. Outra percepção importante é que a ?produção regional? não precisa, necessariamente, ficar restrita às regiões. Ela também pode ser nacional. É necessário pensar formatos de programas que nacionalizem o ?regional?, que possibilitem a exibição da produção regional em rede nacional.

Afinal, regionalizar não significa, necessariamente, segmentar. A regionalização não deve separar o país e sim provocar o diálogo entre suas várias culturas dentro dele. É na complementaridade entre programação regional e nacional, e é na exibição em rede nacional de programas de estados fora do eixo Rio?São Paulo, que a televisão brasileira poderá manter sua audiência e cumprir seu papel social.

Newton Cannito é coordenador pedagógico dos cursos de extensão universitária da USP e editor da Revista Sinopse.

Newton Cannito


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