A visão mineira de Betânia Gonçalves Figueiredo sobre as perspectivas para os museus no Brasil em 2006.O ano de 2005 foi de boas notícias para os museus mineiros, especialmente os de Belo Horizonte. Recebemos notícias da aprovação, pelo BNDES, do projeto de reforma da reserva técnica do Museu de Arte da Pampulha, do planejamento de um novo museu de ciências (Praça da Ciência, parceria UFMG e governo do estado) na Praça da Liberdade e, finalmente, a inauguração do Museu de Artes e Ofícios, comemorando o aniversário da cidade em dezembro. São espaços de naturezas diversas, mas que têm em comum o desejo de lidar com a memória, preservar o passado, religar o presente com o passado, apresentar exposições que consigam atrair um público diversificado. A condição para existência dos museus no mundo contemporâneo não pode restringir-se a preservar o acervo. É condição sine ne qua non divulgar o acervo, estabelecer um diálogo profícuo com os visitantes. A razão de ser dos museus contemporâneos é, sem dúvida alguma, o público. Todo o investimento realizado em preservação, exposição e manutenção volta-se para atrair o olhar e a reflexão, realizando um convite para que todos freqüentem esses espaços. O período em que as coleções eram mantidas em espaços privados, para o deleite de apenas alguns privilegiados que usufruíram a beleza das artes e as raridades da natureza, perdeu o sentido. Hoje, os museus demonstram sua razão de ser à medida que conseguem atrair um público constante e regular.
Nesse universo de novos espaços museais é possível observar que há possibilidades para todo o tipo de empreendimento. Suntuosos e elaborados, como o Museu de Artes e Ofícios (MAO), que eleva ao patamar mais prestigiado ofícios e artes nem sempre valorizados na cultura brasileira e na história ocidental (desprestigio dos ofícios manuais remonta aos gregos, persistiu de modo alterado no período medieval e foi reelaborado no mundo moderno). O Museu de Artes e Ofícios trabalha com o que há de mais moderno na museologia e museografia. Não só eleva a uma categoria prestigiada os ofícios e artes manuais como também contribui para inserir a cidade no circuito de museus internacionais. Para uma cidade como Belo Horizonte, que busca insistentemente reinventar-se como um espaço de turismo de negócios, não poderia haver um presente mais sob medida. Mas a cidade ganha muito mais do que ser reinventada como um empreendimento turístico comercial. Tão nova em termos de urbanismo, resgata, com museus como o MAO, as raízes rurais brasileiras. Os séculos 18 e 19 no Brasil, em especial em Minas Gerais, foram séculos essencialmente rurais. Todos os nossos antepassados guardam reminiscências rurais. Ao sermos colocados novamente em contato com o nosso passado abrem-se espaços para reinventarmos nossa própria história. É impossível passar impunemente pela belíssima exposição do MAO. É um desses museus aos quais, logo após a visita, já se planeja o retorno, até porque suas dimensões são bastante generosas, tanto no espaço físico como no conjunto da coleção. Uma única visita não nos dá condição de apreciar todo o material exposto, todos os detalhes planejados para que possamos ser reinseridos nas nossas reminiscências rurais: o trabalho com as mãos está sempre presente – no mexer dos tachos, nas oficinas dos ferreiros, nos trabalhos da serraria, na cadeira do barbeiro e na cadeira do sapateiro. São trabalhos exercidos solitariamente, como os de barbeiro e de sapateiro, trabalhos exercidos em equipe, como a fabricação do queijo, trabalhos ao ar livre, como o salgar a carne e o manejo da mandioca para produção da farinha e trabalhos em espaços fechados, como o de ourives.
Há espaço também para a construção de novos museus, novos conceitos, novos espaços, como a Praça da Ciência, que ocupará as instalações da Uemg, na Praça da Liberdade. Respeitando rigorosamente as definições do patrimônio histórico, já que o complexo da Praça da Liberdade está sob proteção do Iepha, será construído um misto de museu de ciência com planetário. A experiência, de algumas décadas, do Observatório Astronômico Frei Rosário da UFMG (mais conhecido como Observatório da Serra da Piedade) “descerá” a serra em direção à praça e adaptará seus telescópios para a estrutura do planetário. Um planetário é bastante diferente de um observatór io astronômico, mas os dois têm em comum exercitar o fascínio que o céu sempre despertou nos homens. O homem sempre olhou para o céu para interpretar a vida, conhecer a natureza, investigar o espaço e sonhar. Os poetas sempre escreveram apreciando as estrelas, planetas, constelações. Finalmente Belo Horizonte ganhará um planetário. Já era tempo, pois Minas já tem alguns planetários, mas Belo Horizonte até então esteve a ver estrelas a olho nu. Um dos conceitos que estruturam os museus de ciências é a divulgação e popularização da ciência. A parceria com a UFMG provavelmente garantirá que esse conceito seja exercido. Tive oportunidade de participar do planejamento inicial do espaço Praça da Ciência, a convite da Pró-reitoria de Extensão, quando a UFM G iniciava a interlocução com o governo do estado, quando tudo ainda era um sonho para ser sonhado, ou seja, olhar para as estrelas.
Há museus de ciências espalhados pelo mundo que sem dúvida nenhuma atraem milhares de visitantes/ano. Isso significa que há um público interessado nos museus, freqüentados majoritariamente por estudantes, e também por gente diversificada, especialmente nos fins de semana. Esse fato desperta o interesse dos setores empresariais que querem associar suas marcas a um empreendimento cultural com o perfil de um museu de ciência. O que é importante ressaltar em um projeto como esse é que deve ser bem planejado, especialmente com espaço para que a experiência da implementação do projeto possa ser reavaliada e reajustada constantemente. São espaços construídos para atrair o público de forma criativa, lúdica e divertida. Construir espaços museais como a Cidade das Ciências em Paris (La Villete), ou Museu de Ciência em Barcelona, ou Museu de Ciência de Boston, ou Museu de Ciência da PUC de Porto Alegre, para citarmos exemplos bem-sucedidos, demanda muita experiência, tempo e perspicácia. As equipes de trabalho são sempre multidisciplinares, envolvendo profissionais que, sob um conceito bem definido de museu, trilharão seu caminho. Afinal, uma das premissas desses espaços de ciência (museus de ciências) é a divulgação e popularização da ciência e, por trás dessa idéia, uma série de discussões teórico-metodológicas ocorrem e necessariamente se desdobram em temas de pesquisa, teses, seminários e muito debate. Recentemente o Brasil sediou o 4º Congresso Mundial de Museus de Ciência, no Rio de Janeiro, e foi possível observar, de perto, a dimensão que os museus e espaços de divulgação de ciência vêm ocupando no cenário internacional. Desde o projeto arquitetônico, a ação educativa, a captação de recursos para viabilizar o empreendimento, o planejamento e execução da exposição, as equipes de conservação e preservação do acervo, a comunicação visual e assim por diante.
E, finalmente, há também espaço para a reinvenção de museus já consolidados, como o Museu de Arte da Pampulha, que se prepara para comemorar 50 anos em 2007. O museu, montado no prédio projetado originalmente por Oscar Niemeyer para abrigar um cassino, sempre teve que se adequar às limitações espaciais. A adequação e reforma da reserva técnica vem sendo motivo de demanda há alguns anos e agora será concretizada com a aprovação de projeto para esse fim no edital de preservação de acervos do BNDES. O MAP, como é conhecido, é um exemplo de espaço que se reinventa constantemente. Sempre são inauguradas novas exposições, e o auditório, reformado, recebe os mais diversos artistas, incrementando a vida cultural da cidade, especialmente os moradores da região da Pampulha e adjacências.
Trabalho, arte e a ciência são os temas centrais dos espaços citados. Todos têm em comum a capacidade dos homens e mulheres recriarem suas vidas ao longo da história. O trabalho deve ser compreendido em um sentido amplo, a forma como o homem se insere socialmente, para viabilizar sua sobrevivência e preservar a espécie, aquecendo-se no inverno, protegendo-se dos perigos, construindo suas habitações, estocando e preservando os alimentos. Mas a existência humana não se restringe à sobrevivência. O homem cria, constrói novos significados ao longo de sua existência, recria sua vida usando o trabalho, da arte e a ciência. O homem é essencialmente cultural e assim lida com a noção de tempo de forma consciente. A reflexão do passado, a partir das necessidades do presente, auxilia a sonhar com o futuro, a reinvent ar o futuro que lhe foi traçado.
O ano de 2006 começa com boas perspectivas para os museus no Brasil. Minas não poderá ficar excluída desse movimento. Há a possibilidade de criação do Instituto Brasileiro de Museus, dependendo apenas da aprovação do Congresso Nacional, como uma autarquia. Como toda a mudança da estrutura administrativa, tem gerado debates e polêmicas, mas indica a importância que os museus vêm ganhando no Brasil nos últimos anos. Há que se ressaltar que temos uma dívida com a formação e capacitação profissional no setor. Não há, em Minas, cursos voltados para a formação da mão-de-obra que trabalha em museus. As equipes, sempre interdisciplinares, são montadas com a coordenação e apoio de profissionais formados fora do estado. A qualificação do pesso al que trabalha diretamente nos espaços quase sempre se dá no local de trabalho, ou cursos eventuais, com carga horária reduzida. São poucas as possibilidades de discussão do tema nas nossas faculdades e universidades. Uma delas está presente na disciplina museus de ciências, do curso de especialização história da ciência, ofertado pelo Departamento de História da Fafich, UFMG.
Mais do que pensar os novos museus, há também a necessidade de tratarmos com mais atenção e cuidado os museus já existentes. Muitos deles foram montados e apoiados quase unicamente com ideal de preservar e divulgar a cultura material de determinada área ou setor, tendo à frente pessoas destemidas, verdadeiros pioneiros. Muitas das coleções brasileiras iniciaram-se assim. Mas há que se dar um outro passo, no sentido da profissionalização do pessoal envolvido nas atividades dos museus: desde as equipes de elaboração e manutenção dos projetos, aos profissionais da ação educativa, o pessoal da preservação e conservação, a sistematização dos dados, a programação dos espaços, a organização das exposições e assim por diante. Há muito trabalho a ser feito e sem dúvida trata-se de um campo profissional, envolvendo diversas habilidades e diversas áreas do conhecimento em expansão. Fica o convite para que os espaços citados sejam visitados e os novos projetos sejam acompanhados. Afinal, o público dos museus é sua razão de ser.
Betânia Gonçalves Figueiredo