O ano de 2012 teve início com o entendimento da força crescente do “movimento crowd” (crowdsourcing, crowdfunding, crowdlearning, entre outros) no Brasil, o que fez com que Cultura e Mercado ganhasse um canal especial para reportagens sobre o tema.
Ainda em janeiro, a informação de que o BNDES seria o novo agente financeiro do Fundo Setorial do Audiovisual, enquanto o Brasil era alçado ao posto de maior mercado de TV por assinatura da América Latina em números absolutos. Na sequência, a Netflix anunciava que poderia investir em produção de conteúdo próprio.
Após a indústria fonográfica brasileira registrar alta em 2011 (melhor ano para mercado fonográfico mundial desde 2004), a notícia de que o mercado de música digital cresceu 535% em quatro anos no país veio com a aposta nas plataformas de streaming. Os shows em território nacional, por sua vez, representavam R$ 57 milhões em direitos autorais, ao mesmo tempo em que CPI acusava Ecad de fraudes, empresas ocupavam espaço deixado pelas gravadoras e Brasil se consolidava público consumidor de musicais.
Ainda no início do ano, o Sindicato Nacional dos Editores de Livros ia contra a “lei das biografias” e Amazon consolidava suas primeiras parcerias no Brasil. Enquanto isso, pesquisa indicava que metade da população brasileira não lia livros e a Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, anunciava investimentos de R$ 373 milhões no Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL).
Mas não foi um ano fácil para a ministra, que já em março viu artistas lançarem um manifesto pedindo sua saída. Foi nesse mesmo mês que começou a vigorar a Lei 12.599/2012, que instituiu o Programa Cinema Perto de Você e o Regime Especial de Tributação para Desenvolvimento da Atividade de Exibição Cinematográfica (RECINE). Logo depois, deputados fizeram a primeira audiência pública sobre Marco Civil da internet, enquanto MinC e IBGE discutiam a criação da Conta Satélite da Cultura.
Os debates sobre o Procultura continuavam e, em junho, o MinC lançou o Observatório Brasileiro da Economia Criativa, vista então como eixo de desenvolvimento.
O segundo semestre começou com alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ocupando o edifício onde funcionava o Canecão, reivindicando a transformação do local em um espaço cultural público. Em agosto, a notícia de que, em 10 anos, investimento em museus cresceu 980% no Brasil, e a briga contra a “lei das biografias” ganhando mais um capítulo, com editores entrando com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF).
No mês seguinte, começou a valer a nova Lei da TV paga, e Marta Suplicy tomou posse como nova ministra da Cultura, dizendo que se dedicaria ao Vale Cultura e ao debate sobre a Lei do Direito Autoral. Em novembro, ela assinava portaria que criou um Comitê Técnico de Cultura LGBT.
No encerramento do ano, o Congresso promulgou a criação do Sistema Nacional de Cultura, que estabelecia a ampliação progressiva dos recursos públicos para o setor, e o Senado aprovou o Vale-Cultura, que seguiria para sanção presidencial.
Como destaque do ano, trazemos uma reportagem sobre o perfil do produtor cultural brasileiro, a partir da pesquisa Panorama Setorial da Cultura.
Produtor cultural: buscando o equilíbrio entre arte e negócio
Por Mônica Herculano
Publicado originalmente em 13/11/2012
Observar o cenário da indústria cultural brasileira por meio da perspectiva dos atores da indústria da cultura é o objetivo central da pesquisa Panorama Setorial da Cultura Brasileira, patrocinada pela Vale e Ministério da Cultura, por meio da Lei Rouanet. Cultura e Mercado inicia hoje uma série de reportagens, artigos, análises e entrevistas para trazer novos olhares sobre os dados identificados nesse levantamento.
Para começar, vamos falar sobre o perfil do produtor cultural no Brasil, personagem de abrangentes facetas e múltiplas nuances, cuja função ainda não é muito bem explicada ou compreendida.
Falando em números, de 500 produtores pesquisados, 57% são homens e 43% mulheres. O sexo masculino está mais fortemente presente na Música (68%), nas Humanidades (65%) e Audiovisual (60%). As mulheres destacam-se em Patrimônio Cultural (56%) e Artes Visuais (62%).
Dos entrevistados, 77% têm formação superior – enquanto apenas 7,9% da população brasileira tem esse tipo de formação -, porém, apenas 17% têm formação educacional específica, ou seja, cursos relacionados às artes ou à produção cultural.
Em outra perspectiva, concluiu-se que os cursos feitos por produtores culturais não têm foco em abordagem de negócios. Apenas 14% dos que têm formação superior fizeram cursos que contemplavam conhecimento de gestão e domínio do conteúdo da área cultural (como museologia, comunicação social, gestão cultural, etc).
“Muitas vezes o empreendedor cultural tem dificuldade de liderar equipes, de lidar com marcos regulatórios (com a “burocracia” em geral), de administrar o próprio orçamento, etc. Isso vem mudando, mas penso que ainda é um aspecto importante a considerar”, afirma o doutor em psicologia e especialista em RH, Pedro Bendassolli.
Segundo ele, o produtor cultural deve ser capaz de diagnosticar, identificar e mapear suas necessidades de competências e de integrar arte e negócio. “Penso que este é um dos maiores desafios a serem enfrentados por eles. Pois um trabalho que, para acontecer, dependa integralmente de verbas públicas, coloca o produtor numa situação de absoluta dependência. Então, encarar o próprio trabalho como gerador de bens culturais de valor econômico agregado pode contribuir para que o produtor descubra novos nichos para atuar, nos quais a presença do Estado não seja tão decisiva ou fundamental.”
Para a cantora Suzana Salles, houve uma melhora substancial entre os produtores brasileiros. O curioso, segundo ela, é que apesar de as possibilidades terem aumentado, há tanto engessamento nas leis e nos editais que muitas vezes o conhecido e bem escrito ganha do mais revolucionário e criativo.
“Com o perdão do exagero, é como se as boas secretárias – e aqui me refiro mesmo a secretárias, no feminino, para reiterar o tom de antigo que isso possa ter – pudessem substituir os produtores, ‘montando’ projetos como tiros certeiros, lições de casa bem feitas que são imediatamente aceitas e eleitas por aqueles que escolhem os contemplados”, afirma ela, para quem existe certamente uma alteração de valores. “Para a criatividade não há limites. Portanto, me consolo imaginando que bons produtores culturais sejam capazes de criar outros caminhos, mais corajosos, para abrir novas possibilidades e inclusive aumentar a maleabilidade das leis.”
Criação – Como artista, Suzana conta que é fundamental ter ao seu lado uma pessoa que possa enxergar o trabalho não como fim, mas como propulsor de estéticas e passível de provocar reflexões. “Um produtor precisa de ter, antes de tudo, cultura geral. O produtor cultural ideal se equilibra entre os anseios do artista e o mercado, propõe, estimula, reinventa questões, é atento e sobretudo parceiro. Ele desenvolve ideias, não é apenas executivo. Isso é o que mais admiro no produtor”, afirma.
A ideia é compartilhada pelo produtor Guto Ruocco, proprietário da CIRCUS. “Encaro minha profissão como um instrumento à disposição da arte e do artista para transformar suas ideias em algo entendido pelo público. Por isso, entendo que o produtor cultural não deve, sob nenhum argumento, estar à frente do objetivo final”, explica.
Para ele, o produtor cultural se distingue de outros profissionais que lutam para estar à frente e se superarem nas suas atividades. “Aqui, entre nós, somos meros instrumentos da arte e do artista, para que esses transformem o mundo. Duvidem do produtor cultural que galga o reconhecimento a qualquer preço”, alerta.
Ainda assim, a capacidade de resistir, de continuar, de insistir nos projetos e, sobretudo, na convicção de que seu trabalho produz obras e serviços com valor cultural transformador é o que caracteriza o produtor cultural como empreendedor “a la brasileira”, segundo Bendassolli. “Nesse sentido, um aspecto psicológico-chave é a resiliência”, diz ele.
Perfil psicológico – Segundo pesquisas realizadas pelo especialista, há características psicológicas que diferenciam o produtor cultural de outros profissionais. “Primeiro, eles são trabalhadores que se desmotivam com a falta de sentido em seu trabalho. Eles precisam operar num contexto em que atribuem e vêem sentido. Profissionais em setores ‘tradicionais’ muitas vezes operam, se comportam, como se estivessem ‘mortos’ – trabalham pelo salário, pelo status, pela rotina. O produtor cultural, não. Outra característica é a capacidade de aprender por si mesmo, a partir da experiência. Não há ‘departamentos de recursos humanos’ a determinar quais serão as competências a adquirir. O produtor cultural, ou empreendedor cultural, tem de se virar para aprender, e sempre a partir da prática, dos desafios que enfrenta no seu dia-a-dia. Ele é alguém que, definitivamente, sabe aprender”, explica o psicólogo.
Para Ruocco, nenhum esforço será em vão para que haja uma preparação e uma formação eficaz do produtor. “Todos os instrumentos disponíveis à disposição do produtor cultural – cursos de aperfeiçoamento, guias práticos, pós-graduações, sindicalização – devem ser almejados incessantemente pela nossa classe”, afirma.
Segundo ele, falar de “classe” para um produtor cultural é muitas vezes impactante, se considerarmos que cada um ocupa uma posição incerta nessa “teia”. “Somos ao mesmo tempo pequeníssimos empresários no setor e ’empregados’ da classe artística.”
Entretanto, lembra ele, alguns passos começam a ser dados, como a luta pelo reconhecimento da profissão e a catalogação dos profissionais ao longo do território nacional. “Ao mesmo tempo em que nos diferenciamos pela incerteza dessa profissão que mais parece um equilibrista na corda bamba de um circo, não podemos nos acomodar e não lutarmos pelo nosso reconhecimento e pela nossa possibilidade de organização”, defende.
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