“O Marketing Cultural vem migrando da condição de ferramenta mercadológica e serviço exclusivo da divulgação da marca da empresa para a de instrumento de sua cidadania empresarial e do desenvolvimento cultural da sociedade.”
A iniciativa privada vem atuando de forma expressiva em áreas cuja responsabilidade, tradicionalmente, era atribuída ao governo. A aproximação da empresa com essas áreas se dá por uma série de questões, algumas das quais extrapolam o universo de seus negócios, outras se limitam ao seu contexto. As Leis de Incentivo à Cultura trouxeram para a iniciativa privada um papel ativo na dinâmica cultural da sociedade ao permitir que a empresa utilize, para esse fim, parte dos recursos até então canalizados em impostos para o governo.
Embora as empresas brasileiras se encontrem em diferentes momentos no que se refere à sua relação com investimentos em cultura, podemos perceber algumas motivações que marcam esse relacionamento. Seja por questões mercadológicas de seu negócio (como a divulgação de sua marca e de seus produtos e serviços), seja por questões institucionais (fortalecendo sua imagem junto a públicos específicos, como acionistas, governo, profissionais dos meios de comunicação), seja por interesse em participar de forma mais ativa da vida das comunidades em que atua (e de onde saem seus empregados, clientes, fornecedores e demais públicos que gravitam em torno de sua operação), o fato é que a empresa passou a ter uma atuação na área cultural que a torna força extremamente estratégica para o desenvolvimento dessa área.
Até determinado ponto do relacionamento entre empresa e seus representantes, de um lado, e o meio cultural, do outro, não havia a menor comunhão de interesses entre estas partes. O orgulho de não fazer de seus apoios às causas sociais e culturais instrumentos para a expressão do posicionamento empresarial vai, aos poucos, porém, dando lugar à visão de que é justamente no encontro entre o que é bom para as causas apoiadas e o que é bom para a empresa que se situa o ponto em que se realizam as ações mais transformadoras e com melhores resultados para todos os envolvidos nessas ações. O que inclui não só a empresa e os artistas por ela apoiados, mas também todos os beneficiários do trabalho desenvolvido através dessa parceria.
É possível visualizar o movimento das ações culturais empresariais migrando de uma visão estritamente mercadológica para uma postura comprometida com resultados mais transformadores, analisando algumas fases recentes do relacionamento entre a empresa e a cultura.
Incentivos fiscais
Com o surgimento das Leis de Incentivo, termos como Incentivos Fiscais e Marketing Cultural passaram a ocupar o centro dos debates e reflexões do meio artístico e de seus esforços de aproximação com o mundo empresarial. O mote “investir em cultura é um bom negócio”, adotado em cartilhas produzidas por iniciativa do poder público, e repetido em todo projeto cultural lançado no mercado à busca de patrocínio, chamava a atenção para os aspectos fiscais, tributários e econômicos das potenciais parcerias entre a iniciativa privada, artistas e produtores culturais, tendo o Estado como intermediário.
O intuito era despertar a atenção para as Leis de Incentivo à Cultura que surgiam no país, trazendo estímulos para a canalização de recursos das empresas para investimentos em atividades culturais, previamente analisadas e avalizadas pelas instâncias competentes. A idéia de transformar parte dos valores que iriam parar no bolo dos impostos recolhidos pelo governo em ações que trariam visibilidade para as marcas patrocinadoras representou um primeiro estímulo ao interesse de trazer o tema para o ambiente empresarial.
Ainda hoje é muito freqüente, em seminários sobre o assunto, afirmações sobre a necessidade de esforços no sentido de uma maior “sensibilização” do empresariado – invariavelmente ausente desses encontros. Tendo o argumento dos benefícios fiscais como principal fator para despertar o interesse do mundo empresarial, os contadores e auditores das corporações ocuparam o posto – que mais tarde dividiriam com os profissionais de Marketing e da alta direção das empresas – de principal alvo dos esforços de divulgação da importância do investimento em projetos culturais. Embora isoladas e sem a devida eficácia, muitas têm sido as iniciativas no sentido de incorporar à empresa a idéia de que investir em cultura – não só por questões econômicas e mercadológicas, mas também sociais – é um bom negócio.
As Leis de Incentivo à Cultura representam para as empresas – especialmente aquelas que entendem seu papel como importante pilar de sustentação econômica das sociedades do mundo atual – a possibilidade de trazer para seu gerenciamento recursos gerados por sua operação comercial, ampliando e potencializando suas ações no campo cultural. Em outras palavras, ao elaborar seu planejamento e estratégias de atuação, com as Leis de Incentivo, as empresas passam a contar também com um percentual do valor do imposto a que cada lei se refere (ISSQN, ICMS, IRPJ). Valor que, somado aos diversos recursos da empresa, permite a elaboração de um plano de ação com muito mais alcance e consistência. Além dos recursos dedutíveis, somam-se outros que, no mínimo, equivalem às contrapartidas exigidas pelas leis, mas aos quais, invariavelmente, se somam novos valores. As leis representam também um aval aos projetos-destino dos recursos canalizados pelas empresas – determinados pelas comissões técnicas responsáveis pela análise das propostas culturais.
Entendidas assim, as leis constituem um moderno instrumento a serviço do mercado cultural, já que trazem para ele mais do que novos recursos. Trazem a visão e os recursos humanos, gerenciais e materiais da empresa, que acaba por colocar suas estruturas físicas e comerciais a serviço de suas intervenções no mercado cultural e dos projetos por ela apoiados.
A serviço também – o que é extremamente louvável – da expressão da imagem e da postura da empresa investidora, assim como de uma aproximação de sua marca das comunidades às quais disponibiliza seus produtos e serviços. Louvável, porque faz com que a empresa abrace a causa. Faz com que ela entenda e sinta na prática o poder transformador da cultura perante a sociedade e, bem antes disso, da própria comunidade de empregados, fornecedores e demais pessoas que participam de suas operações. Esse entendimento traz mais envolvimento, mais recursos e, com certeza, uma operação mais cidadã por parte da empresa, contribuindo para tornar a sociedade culturalmente mais rica.
Marcos Barreto Corrêa