É preciso criar, no seio da máquina governamental, canais que não veiculem apenas idéias, mas que também absorvam e aproveitem as demandas sociais insurgentes.

Cabe ao Estado, como ente agregador de interesses os mais díspares, e através de políticas públicas de gestão compartilhada, absorver o segmento cultural como bandeira e, num só tempo, instrumento de luta, contra a infertilidade e distorção acumuladas pelo setor ao longo de séculos de omissão governamental. Quando tratamos de ingerência pública dentro da cultura temos de destacar três aspectos principais.

Primeiro, assim como o nosso câmbio que oscila e acompanha a dinâmica internacional, a nossa cultura também se encontra eivada de altos e baixos. Mais baixos do que altos, é bem verdade. Mas a primeira e mais importante forma de atuação estatal relevante dentro do nosso cenário cultural é justamente o diálogo.

É mister criar-se, no seio da máquina governamental, canais que não veiculem apenas idéias, mas que também absorvam e aproveitem as demandas sociais insurgentes. Nesse contexto, redes de transmissão e difusão de conteúdo público são tão significativas quanto estruturas de “sucção”, coletoras de material e de produtos culturais emergentes do âmbito comunitário. É preciso haver os dois gumes: de um lado, a oferta de bens culturais estéreis no campo particular e que passam obrigatoriamente para o controle público; por outro, a busca por formulações, métodos e dínamos culturais afetados pela discricionariedade do sistema privado e que agonizam em plena luz do dia por ausência, não de propaganda ou publicidade apenas, mas de uma injeção de ânimo e renovação, de modo a se oxigenar a sua estrutura corpuscular. Enquanto, por exemplo, o frevo em Pernambuco ganha o posto de patrimônio imaterial, outros ritmos, não menos representativos, definham a olhos vistos.

Assim, deve o Estado não só intervir econômica ou normativamente, nesta ou naquela manifestação cultural extinta ou em vias de extinção. O Estado precisa imprimir e direcionar o aparato estatal para formação de platéias, público que de fato definirá o que e como devem ser distribuídos os cuidados e as atenções dos gestores. A formação de platéias vem corroborar a necessidade de mecanismos que articulem cultura e educação, num mesmo patamar, pois ambas têm como resposta não só as inovações como são parte indelével de sistematização e adequação dessas novidades aos partícipes estatais. O público informa, desta ou daquela maneira, o peso de cada manifestação para sua comunidade, adaptando-a às necessidades de mudanças temporais e acrescentando a estas uma força que nem o Estado, nem o setor privado, são capazes de conduzir e realizar.

Uma segunda etapa consiste em introjetar ao setor público parâmetros e referenciais de sustentação do poderio privado na área. A cultura deve ser vista como elemento de vinculação dos nacionais a um espírito corporativo não excludente. Em outras palavras, o Estado funcionaria como articulador, além de pesquisador e divulgador, das propostas culturais cujo nascedouro é o próprio meio. Não ostentando predileções, mas edificando prioridades. A priorização deve seguir, entretanto, justamente o caminho oposto daquele percorrido pela iniciativa privada. Cabe ao Estado dirigir todos os atos no intuito de desvencilhar o fazer cultural da carga ideológica que se apresenta como limite imposto pelas grandes corporações privadas.

Em terceiro lugar, faz-se mister impor ao mecenato particular não apenas uma regulação mecânica e institucional, mas também referendar e fazer repercutir, em forma de leis e campanhas educativas, os aspectos éticos, morais e nacionais correspondentes a cada intervenção não estatal. Assim, o Estado não pode permitir o avanço indiscriminado das organizações hegemônicas economicamente, mas confeccionar uma espécie de pacto de solidariedade entre as duas forças: a necessidade de cunho social e a “vaidade” típica de conglomerados particulares. A saída não seria simplesmente publicar cada empresa o seu balanço participativo social, mas principalmente o cumprimento de metas ordenatórias de acordo com a premência e relevância de defesa dos interesses sob tutela estatal. Se a sociedade carece de dançarinos, por exemplo, nessa direção devem caminhar conjunta e paralelamente Estado e iniciativa privada .

Não se trata, todavia, de um excesso de dirigismo estatal e legal, como poderiam aventar alguns: é função do Estado zelar pelo bem comum , assim como é da natureza das grandes corporações econômicas inserirem-se de maneira competitiva no mercado cultural, vislumbrando lucros e dividendos a cada intervenção no cenário que, aos seus olhos, é mero expectador e não parceiro! Mero receptor e não ator! O Estado faria por onde interferir nesse dimensionamento e ensejaria uma participação de mão dupla.

De onde partir?

Na equação cultural, a solução inevitável deve surgir a partir de uma sociedade mais dinâmica e opinativa, o que só se consumaria com uma fórmula mais harmônica de integração entre os bancos escolares e as vivências singulares. O que significa dizer, paradoxalmente, uma cultura educacional e educativa mais humanizada.

Marcos André Carvalho Lins


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Marcos André Carvalho Lins é bacharel em Direito formado na Universidade Federal de Pernambuco e ocupa o cargo de Técnico Judiciário Federal no TRT -6a Região (Pernambuco), sendo também escritor diletante.

1Comentário

  • henrique santos, 15 de julho de 2007 @ 19:37 Reply

    relevante e fundamental a discussão levantada. Vejo amplamente onde se quer tocar com as referências e parabenizo quase todos os pontos.
    Mas o que vou focar aqui é uma ênfase na necessidade de formação de público. Os festivais de cinema por exemplo são de uma minoria para ela mesma, e poucos são os que se importam realmente com público, e mais com formação de público, é a classe de quase cineastas se regozijando de seus discursos na maioria particular. Recentemente percebi quem frequenta a maioria dos festivais e descobri: produtores,diretores, “muito amigos” dos mesmos, e aspirantes aos três citados. Espero ver os festivais recheados de povo assim como os jogos de futebol da classe B, é esperar muito de festivais financiados pelo próprio povo via renúncia fiscal?

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