De um lado temos a harmonia da natureza, do outro se esgueira faustosamente o caos urbano. No plano das idéias o paradoxo é também visível, se a natureza formulou a diversidade e a individualidade, o homem procura a massificação e a adequação pela coerção.
Consagrou-se hodiernamente uma versão conceitual de poder como algo obscuro, ideológico e antinatural. Tal perspectiva tem suas fontes nas ainda lastimáveis relações de dominação entre os ditos estados de direito e os seus quintais ou hortas, os estados em formação do ponto de vista econômico e de identidade cultural. Abre-se, portanto, um abismo, sujeito a permanentes revisões, entre os detentores do poder de fato e aqueles aparelhos estatais tão caóticos quanto submissos, tanto sob a ótica cultural quanto econômica.
O poder, que perpassa todas as relações de troca entre individualidades culturalmente constituídas, não traz necessariamente em seu bojo um viés excludente ou exclusivista. Desde as sociedades comunais já se admitia a divisão interindividual de tarefas e, portanto, um instrumento disciplinar, uma ordem estabelecida. O que ocorria: cada célula do todo social, assim como num organismo vivo, possuía uma função adequada a sua compleição física e aptidões naturais. Observando, por esse ângulo, concluímos que as sociedades mais primitivas eram, não obstante, muito mais complexas no modo de lidar com o poder e seus tentáculos.
Trazendo para os dias de hoje, temos que levar em conta dois fatores importantes. Em primeiro lugar não houve uma derivação, de causa e efeito, decorrente de uma espontânea acomodação entre as diversas tribos a ocupar o espaço da biosfera. O poder se disseminou não, como gostaria Marx, de modo legítimo e não excludente, obedecendo a dogmas comunitários de dignidade e altruísmo. Em verdade, ocorre ao longo da história, uma concentração de poder nas mãos de uma minoria em detrimento de marginalização gradual de parcelas significativas do ente social. Acontecem cismas de toda sorte e os meios econômicos acabam por cair às mãos de uma elite extremamente sectária e ambiciosa. A propriedade torna-se menos uma construção cultural e mais um instrumento de submissão.
De um lado temos a harmonia da natureza, do outro se esgueira faustosamente o caos urbano. No plano das idéias o paradoxo é também visível, se a natureza formulou a diversidade e a individualidade, o homem procura a massificação e a adequação pela coerção.
As intervenções humanas na realidade se sobressaem nas guerras e disputas por mercados. Contendas estas de cunho muitas vezes ideológico. Os mercados, na era pós-industrial, sedimentam-se por meio do controle dos veículos de transmissão e decodificação de imagens “lato sensu”.
A aldeia global, pensada há algumas décadas por Mcluhan, parece ser uma realidade perversa e autocrática.
Por outro lado, acontece, pelas mais diversas vias, uma assimilação e reprodução das pautas comportamentais, de cima para baixo, de modo que há uma aversão generalizada e, historicamente ordenada, a culturas ditas alternativas por se distanciarem dos padrões comumente emulados, isto é, modelos culturais dominantes.
Ergue-se daí uma cultura hegemônica não apenas cotejando-se cada sociedade per si, mas dentro de um mesmo e, aparentemente uno, meio associativo.
Partindo deste raciocínio, passa-se necessariamente a um contingente de individualidades alijadas do mercado cultural e desprovidas de propriedades. Cidadãos, em poucas palavras, sem poder para decidir.
Podemos, então, definir poder como um degrau na escada hierárquica que segue do solo ao infinito e resulta numa posição de controle pelo homem do seu próprio destino.
A predisposição dominante é acreditar e ventilar a crença, de que existem diferenças tais entre os seres humanos que são capazes, por si sós, de sujeitar entes ou grupos a situações de “Esquecimento social”. Forma-se um limbo para onde vão aqueles extraditados por não se adequarem aos conteúdos e valores vigentes, e aceitos por meio de protocolos velados.
O Brasil, é sabido, tem uma estrutura multicultural, não obstante, sem uma linha mestra nesse sentido. Não há como se falar de agrupamentos destoantes do todo, pois não há frações sem um inteiro. A identidade cultural pátria é algo ainda polêmico e discutível.
Entende-se no Brasil, como usual e adequado, aquilo que advêm de uma elite, mais ou menos, bem informada e detentora da propriedade, muitas vezes precária ou ilegítima, dos meios de produção.
Sendo tal elite, ela mesma, fruto de relacionamentos clientelistas e oligárquicos, quando não corporativos. Essa elite, por sua vez, reza nas cartilhas dos países hegemônicos por meio do processo de assimilação e reprodução supra mencionado.
A cara do Brasil é, portanto, a cara de uma elite astuciosa e colonizada em termos culturais. Há, exemplificativamente, duas formas de manifestação do nosso carnaval: uma delas é aquele nascido espontaneamente no seio do nosso povo, outro carnaval é aquele dirigido às elites. O mundo conhece apenas o segundo gênero, pois apenas este é exportado, por intermédio de veículos e mecanismos próprios para este fim.
Deduz-se então que o poder gera, hoje e particularmente no Brasil, uma espécie de contaminação. Regras que determinam, entre outros fenômenos, os chamados “modismos culturais”. Além disso, deflagra uma segregação imposta raramente de maneira ostensiva, mas, quase sempre, de forma palatável e digerível. Qual o brasileiro ainda não sonha com um camarote para assistir o carnaval na Marquês de Sapucaí, ou com um mensalão? Um anacronismo, aliás, por demais exacerbado e dirigido a uma cultura que padece a ausência de uma espinha dorsal.
Para apor aqui uma conclusão devemos lembrar que o poder sustentado por uma sociedade hierarquizada por estamentos e de difícil mobilidade social, como a brasileira, torna o ser um objeto não atuante e a própria cultura de um povo, algo descaracterizado e, por conseguinte, não qualificado para competir de igual para igual no mercado globalizado.
A questão de como adequar poder e cultura num só monômio não contingente, mas perene, é uma incógnita dentro de uma discussão maior de diversidade cultural.
O que se pode aferir, numa análise primária, é que a solução passa inevitavelmente por uma cultura de reflexão na direção de uma praxe desmistificadora do poder e seus agentes.
“Tudo vale a pena se alma não é pequena” -já diria Fernando pessoa. A alma brasileira é enorme e todas as suas facetas devem ser aproveitadas pelos detentores do poder, sob o risco de perder-se a razão de ser de um povo.
Marcos Andre Carvalho Lins é Bacharel em Direito formado pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, ocupa atualmente o cargo de técnico judiciário no TRT-6a Região (Pernambuco), sendo também escritor diletante. Email: carvalholins@uol.com
Marcos André Carvalho Lins