“Ações empresariais que têm na Cultura um veículo para o resgate da cidadania intervêm em um quadro de instabilidade social, partindo da percepção de que a empresa tem, em sua operação, interface com o estágio social – e não apenas econômico – das comunidades.”

A interação entre empresa e meio cultural vem migrando para uma parceria cujos compromissos contemplam públicos até então excluídos dos benefícios desse encontro. Se até então tínhamos como regra, de um lado, a empresa oferecendo recursos e, de outro, as atividades culturais oferecendo visibilidade à marca da empresa, começam a surgir as primeiras experiências concretas que podem ser entendidas como o início de um novo fenômeno: a criação de políticas culturais empresariais. A empresa, atenta às suas próprias potencialidades, utiliza suas estruturas, agora, para uma evolução do cenário cultural e social como um todo.

Vários motivos explicam essa mudança de foco por parte das empresas. Inicialmente, é fundamental reconhecer nas Leis de Incentivo à Cultura não só o papel de aproximar empresas e cultura, numa relação intermediada e acompanhada pelo governo, mas principalmente o de suscitar a criação de denominadores comuns entre esses dois universos, exigindo uma ampliação da visão e do profissionalismo de ambas as partes. Por permitirem a utilização de recursos que seriam canalizados para o benefício de toda a sociedade sob a forma de impostos, as leis trouxeram compromissos de ordem pública – exigindo um comprometimento com conceitos como inclusão, acesso, qualificação, evolução e transformação.

Podemos, também, atribuir essa evolução conceitual das práticas de Marketing Cultural ao amadurecimento e consolidação de experiências, tanto por parte dos profissionais do meio cultural, como por parte das empresas e das estruturas criadas por elas para lidar com essa área. O próprio histórico das ações realizadas já se configura fonte de aprendizado e estímulo à busca de superação. Considerando que essas ações envolvem, de um lado, artistas, cuja marca pessoal e profissional é a criatividade e a inquietude, e, de outro, empresas, cujos resultados têm como matéria-prima justamente a superação e a busca de novos caminhos, conceitos como evolução e renovação passam a ser buscados nessas parcerias, agora realizadas numa perspectiva de médio e longo prazos.

Outros fatores trouxeram ao relacionamento entre empresa e meio cultural o interesse em ir além de uma visão focada exclusivamente nos benefícios restritos a esses dois lados. Sob o ponto de vista dos profissionais da cultura, a necessidade de estruturação e consolidação desse mercado e de ampliação de públicos para os trabalhos artísticos exige de seus projetos a efetivação de parcerias e a realização de ações que promovam o acesso às diversas manifestações culturais. Já sob a olhar da empresa, pode ser apontada a busca de parâmetros mais amplos e inclusivos para nortear suas ações comunitárias e para embasar as análises de seus resultados. Em outras palavras, surge o interesse em fazer com que os benefícios dos investimentos da empresa em cultura se estendam ao maior número possível de pessoas, além dos artistas patrocinados.

Ações culturais empresariais comprometidas com o desenvolvimento do cenário cultural, seja melhorando as condições em que a arte é produzida, seja facilitando seu acesso por parte de uma camada mais ampla da população, sinalizam uma mudança de postura da empresa em relação a seu envolvimento com essa área. Por isso podem ser vistas como materializações de uma visão voltada ao desenvolvimento cultural da sociedade e como uma evolução do que se convencionou chamar de Marketing Cultural.

Começamos a assistir, no relacionamento entre empresa e cultura, algo parecido com o que acontece também com os investimentos empresariais na área social, cujo foco migra de uma postura assistencialista para uma postura estratégica e dirigida a resultados concretos e transformadores. Da mesma forma, cresce a conscientização da empresa e dos profissionais do meio cultural sobre o quão pouco transformadora é a relação baseada no financiamento e realização de eventos culturais em troca da exposição de logomarcas em materiais gráficos e meios de comunicação.

Um bom planejamento de comunicação não é mais diferencial deste ou daquele projeto – não sendo, portanto, o elemento que justificaria sua escolha pela empresa. É, isto sim, uma condição para que este esteja no mercado em busca de parceiros. Aos poucos, o foco das parcerias passa a recair sobre os resultados concretos dessas ações. Cada vez mais se espera da atuação institucional da empresa – seu relacionamento com as comunidades através de ações culturais, sociais, esportivas – o mesmo profissionalismo, respeito, visão e qualidade exigido de seus produtos e serviços.

Um passo a mais em direção a uma atuação estratégica é dado quando, em vez de buscar no mercado cultural, passivamente, ações “prontas” que agreguem à sua marca determinados atributos, a empresa protagoniza iniciativas culturais nas quais suas estruturas financeiras, humanas e materiais são colocadas a serviço de evoluções concretas do meio em que está inserida. É o que acontece quando ela passa a conceber seus programas culturais como meio de intervir em um determinado quadro cultural e social, fazendo de seus investimentos nessa área um instrumento de transformação. Para isso, a empresa faz uma leitura profunda de suas características empresariais e coloca todas as suas potencialidades a serviço de uma ampliação do alcance de suas ações.

Em vez de expressar seu posicionamento por meio de mensagens publicitárias, ou através da mera associação a ações culturais que tragam os atributos por ela buscados, a empresa parte para a ação. Por meio de iniciativas culturais transformadoras, ela demonstra sua personalidade, suas visões e seus compromissos, interferindo no quadro de carências existentes.

Iniciativas que colocam cultura e arte na vida das pessoas, especialmente de camadas tradicionalmente desfavorecidas da população, promovem inclusão social e redução de índices de violência, oferecem alternativas de geração de emprego e renda e servem como veículo para a prática da cidadania empresarial da corporação.

É interessante notar que, na maioria das vezes, os beneficiários diretos desse tipo de ação não são os públicos-alvo da área comercial da empresa. Estes sentem-se indiretamente contemplados por ações culturais socialmente responsáveis pelo fato de valorizarem iniciativas dessa natureza.

Uma motivação para ações empresariais que têm na cultura um veículo para o resgate da cidadania das pessoas é o interesse em intervir em um quadro de instabilidade social, gerado pela desigualdade de distribuição de renda. Esse tipo de intervenção empresarial parte da percepção de que a empresa tem, em sua operação, interface com o estágio social – e não apenas econômico – das comunidades para as quais disponibiliza seus produtos e serviços. Uma visão de longo prazo, que concilia uma preocupação social com a atenção à sobrevivência dos negócios da empresa. As melhorias sociais e ações de inclusão têm reflexos positivos não só sobre a qualidade de vida da comunidade – de onde provêm os funcionários e clientes da empresa – mas também sobre a inserção no mercado de consumo de camadas populacionais até então excluídas do universo econômico da sociedade.

Algumas empresas adotam uma posição que vai além da inclusão de pessoas em situação de exclusão e risco social como beneficiárias de suas ações culturais: a realização de investimentos estratégicos voltados para o desenvolvimento cultural e social da comunidade como um todo. Em parceria com o poder público e com o meio cultural, a empresa se mobiliza para realizar ações que incorporem a expressão cultural e artística à vida de todos os cidadãos.

Essa visão parte da percepção da cultura como um alimento para as emoções e para o espírito das pessoas, como um direito tão elementar quanto alimentação, educação, saúde e habitação. O direito a expressar suas visões do mundo por meio da arte e a ter acesso às expressões e visões artísticas de outros passa a ser visto como fator não só de justiça, mas também de transformação social. Essa postura pode ser entendida como uma política cultural empresarial comprometida com soluções concretas, tais como promoção de “inclusão cultural”, por meio de ações para a formação de novas platéias; qualificação de artistas e formação de gestores, por meio de cursos e oficinas; viabilização de ações que têm na arte um veículo de inclusão social, em trabalhos artístico-sociais – e que concilia os interesses institucionais da empresa com a expressão de sua responsabilidade social.

Como já foi dito, os investimentos culturais empresariais sempre foram vistos como um meio de as empresas se aproximarem de seus consumidores, seja pela exposição de sua marca, seja pela qualificação desta a partir de sua associação a determinados atributos dos eventos culturais. As motivações subjacentes à realização de ações culturais fortemente comprometidas com questões sociais, no entanto, estão mais relacionadas com a atenção da empresa a outros públicos ligados à sua operação: além da própria população, passam a ser vistos como interessados nas ações culturais das empresas o governo, entidades ligadas ao Terceiro Setor, meios de comunicação e acionistas.

Independente de sua área de atuação, a empresa é uma estrutura – em torno da qual gravita um universo de pessoas e grupos de interesses – que disponibiliza seus produtos e serviços em determinada área geográfica, com a qual se relaciona de forma organizada.

A empresa reúne, ainda, um corpo de funcionários capacitados e ferramentas gerenciais eficazes. O potencial mobilizador da empresa a torna uma parceira realmente transformadora, em especial em ações direcionadas às comunidades atendidas por sua área comercial. Cabe às partes envolvidas descobrirem as formas de explorarem as competências de cada parceiro.

Seguindo o raciocínio de que a empresa passa a investir em cultura como conseqüência, dentre outros fatores, da evolução do perfil do consumidor moderno, que cobra dela, cada vez mais, uma atuação estratégica e útil, ela quer acertar, desenvolver ações relevantes. E as boas ações, aquelas valorizadas pelos profissionais do meio cultural, pela opinião pública e pelo mercado consumidor, inspiram ações de outras empresas, principalmente suas concorrentes diretas e empresas atuantes na mesma área geográfica.

Nesse sentido, é fundamental que as boas ações sejam estimuladas, valorizadas e multiplicadas. E é justamente isso o que devem perceber os responsáveis pelo gerenciamento dos recursos disponibilizados pelas leis: que a evolução desse modelo está atrelada à “adoção” das melhores práticas – aquelas que fazem com que o envolvimento das empresas com atividades culturais representem um desenvolvimento efetivo dessa área. Face às enormes necessidades do cenário cultural, são necessárias duas decisões: fazer com que os elementos que conduzam a essa evolução sejam regra para todos os projetos interessados nos benefícios da lei e impedir a realização de projetos e parcerias desprovidas de sentido, sob os olhos do mercado cultural e da sociedade como um todo.

Não se afirma aqui que todas as ações culturais empresariais, por princípio, sejam comprometidas com resultados concretos para o meio cultural, tendo como parâmetro o interesse público. Pelo contrário, apenas uma pequena parcela das empresas encontraram um caminho para que seus investimentos em cultura conciliem benefícios para o meio cultural com vantagens para o seu próprio negócio. Defende-se nestas páginas que não é correto pressupor o oposto: que todas as ações culturais empresariais sejam, por princípio, voltadas exclusivamente para seus interesses mercadológicos.

Aliás, vale novamente observar que é muito bom e natural que as ações culturais patrocinadas, além de contemplarem “interesses públicos”, estejam também “a serviço do interesse privado”, gerando reconhecimento para a empresa que a apóia e fazendo com que esta se interesse em ampliar suas ações nessa área. De outra forma, não se trataria de uma moderna relação de parceria entre empresas e profissionais do meio cultural. Seria a mais velha e surrada relação de filantropia, feita de forma altruística e fadada a se encerrar na próxima contenção de despesas da patrocinadora, já que não cria vínculos nem com a empresa nem com a comunidade. O contrário do que acontece nas relações de patrocínio que estão a serviço da construção da imagem corporativa, mas são concebidas utilizando todas as estruturas e recursos da empresa e executadas tendo como parâmetro principal sua importância e relevância para as pessoas e para as comunidades a que se destinam.

(Texto extraído do livro “Do Marketing ao Desenvolvimento Cultural”, de Marcos Barreto. O download gratuito da obra, na íntegra, pode ser feito pelo link s://www.telemigcelular.com.br/Conheca/Cultura/TelemigCelularCultura/LivroMarketing)

Marcos Barreto Corrêa é diretor-executivo do Instituto Telemig Celular e responsável pelos investimentos em cultura da empresa nos últimos 8 anos. É autor do livro “Do Marketing ao Desenvolvimento Cultural” (2004), cujo conteúdo foi tema de suas palestras em várias cidades do Brasil, bem como em Portugal (Lisboa, 2004), Estados Unidos (Fort Lauderdale, Flórida, 2005) e Bélgica (Liège, 2007). Contato: desenvolvimentocultural@hotmail.com.br.

Marcos Barreto Corrêa


Marcos Barreto Corrêa tem atuado nos diversos campos do mercado cultural ao longo dos últimos quinze anos, oito dos quais como Gerente de Marketing Cultural da Telemig Celular. É autor do livro "Do Marketing ao Desenvolvimento Cultural”, no qual analisa o relacionamento entre empresa e cultura. Nos últimos anos, tem apresentado sua experiência profissional e suas reflexões em palestras, cursos e encontros, em cidades de todo o Brasil. Contato: desenvolvimentocultural@hotmail.com

2Comentários

  • Alexandre Batista Reis, 27 de fevereiro de 2008 @ 8:41 Reply

    Excelente o seu artigo Sr. Marcus, isto é exatamente o que eu penso desde 2003, trabalhando com uma metodologia científica e educacional que o Sr. acaba por traduzir de forma excelente! Meus parabéns e saiba que é graças a pessoas que pensam como o Sr. qacreditamos numa solução para esta nação. Obrigado.

  • luciana silva, 26 de maio de 2008 @ 21:24 Reply

    eu trebalho como bolcista em uma escola do estado em são paulo,periferia,eu estou gostando do trabalho que estou desenvolvendo com a comunidade,eu e minha educadora estamos com um projeto,comunidade cultural ,onde queriamos que vocês adotassem este projeto,para que pudessem trazer pra escola varios benifícios,contando com materiais e profissionais,de cada atuação,espero que entre em contato para que eu possa explicar melhor o nosso projeto,sem mais ,Luciana

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *