Marcos André Carvalho Lins analisa a diversidade cultural e anuncia: “se observarmos o mundo como uma totalidade, vamos perceber juntamente com um pacifismo moderado, por assim dizer, um perigoso caldo de cultura intervencionista de natureza colonizadora”

Se construirmos um conceito de cultura como um manancial de códigos e posturas sobre os quais se legitima a sociedade, chegaremos à conclusão que existem basicamente três aspectos a serem investigados: a ordem, o dinamismo, e a diversidade. A ordem se opõe aos outros dois matizes, pois só há ordem numa sociedade previsível. As leis não são mais, pois, do que postulados, aos quais todos devem se adequar, e são noções pensadas a priori, isto é, antes do fato gerador de uma censura ou sanção. Assim, nada melhor, para exibir a singularidade de um povo senão os seus cânones morais, costumeiros ou escritos.

O dinamismo diz respeito justamente à mutabilidade das normas de convivência frente à realidade. Uma coisa é a realidade pensada pelos legisladores e pelos adeptos de costumes e tradições, outra coisa são os mais diversos nuances, muitas vezes sutis, com os quais se distanciam determinadas parcelas da sociedade do “contrato social” que de algum modo tem poder imperativo sobre suas vidas.

A diversidade cultural é algo associado à dinâmica do processo associativo. Pessoas que por algumas razões decidem pautar suas vidas por normas pré-estabelecidas tendem a esquecer suas próprias idiossincrasias. Em outras palavras, o todo vigente se impõe às necessidades individuais. O denominado “status quo” deflagra natural e espontaneamente, e como diria Hegel, num processo dialético, a adequação significativa do ser ao meio.

Numa outra perspectiva inversa, há também por parte do ente social a premência de uma legitimidade. Portanto,  cabem aos legisladores, formadores de opinião, e a cada cidadão em particular, a intenção de, como algumas aves, migrar no sentido do verão, buscar a luz de um mundo (mais ou menos) organizado.

O interessante disso tudo é que existem vozes dissonantes e beligerantes nesse estado de adequação.

Se observarmos o mundo como uma totalidade, vamos perceber juntamente com um pacifismo moderado, por assim dizer, um perigoso caldo de cultura intervencionista de natureza colonizadora. O antigo pacto colonial tem hoje raízes mais ideológicas do que propriamente bélicas. Ambas as tendências, não obstante, possuem legitimação, o que se coaduna perfeitamente com a questão da diversidade.

A mola-mestra de uma cultura não excludente passa necessariamente pela educação. Da mesma maneira que se ensina um residente litorâneo a pescar no lugar de entregar-lhe simplesmente o peixe, é mister desenvolver numa sociedade a sua própria capacidade de auto-gestão, no lugar de simplesmente nomear um burocrata para comandá-la.

Sem uma educação adequada, não há como uma nação defender-se da propaganda e infiltração de idéias que fluem dos países ricos, e, portanto capazes de ousar em matéria de divulgação, em direção aos países satélites.

O processo de aculturação, todavia, é irreversível e, até certo ponto, sadio. É da natureza do ser humano sonhar. E deseja-se o melhor, não o pior ou o possível. O inalcançável é mais atraente. O sonho faz parte do cotidiano dos seres e os levam a buscar cada vez mais se destacar entre seus pares. O modo de produção capitalista limita essa acomodação das culturas entre si ao seu extremo. Comprar um carro nacional parece não ter o mesmo atrativo de comprar um modelo importado.

Para não se contaminar com ideologias e padrões alienígenas, caberia ao estado isolar-se.

Economia e cultura deduzem-se então, encontram-se intimamente ligadas, esta última como apêndice  da primeira.

Mas que educação serviria de parcel no mar revolto das influências culturais?

Uma educação proveniente das massas. A cada cidadão caberia a tarefa de, olvidando características e traços, construir unidades (ainda que ocasionais e efêmeras) onde de alguma forma haja um ideal aglutinador. A partir daí passar a pressionar os gestores oficiais do estado em questão.

Antes de construir uma escola, há de se aproveitar espaços pré-existentes. Os denominados de particulares, por serem pagos, e ao mesmo tempo receberem subsídios do governo, obrigar-se-iam a abrir caminho para crianças e jovens de baixa renda. Esse estratagema tem dois objetivos em longo prazo: a natural equidade e também a “liquidificação” cultural. Isto significa que o estudante filho de deputado ou de industrial teria, ao menos em tese,   a mesma assimilação de conteúdos e as mesmas chances de tornar-se um formador de opinião, tanto quanto um filho de trabalhador de linha de montagem, por exemplo, pois ambos beberiam da mesma fonte.

Por outro lado, os conteúdos a serem ministrados teriam de passar por uma decantação, o jovem da favela interagindo com o jovem do condomínio fechado espontaneamente transformaria o ambiente em algo mais criativo e crítico. Formar-se-iam nichos, aos quais caberia ao órgão gestor confrontá-los e aproveitá-los de modo que a rixa decorrente das origens agregasse valor no lugar de segregações.

É relevante ainda observar que um país de gestão mais democrática no campo educacional, não impede a assimilação de cultura alienígena. O que sucede é uma elaboração da mesma, uma sujeição  a critérios de gostos e importância que acaba por inverter, ou ao menos, tornar mais perceptível o processo. Forma-se uma espécie de filtro de informações onde se compensa a insubordinação à cultura importada com o fortalecimento do potencial interno. E possivelmente, um enriquecimento da cultura importada, decodificada e adequada às singularidades do país importador.

Ocorre nesse novo processo, que a cultura importada, ou não, ganha inovações e um molde adequado à personalidade da cultura importadora.

Há ainda uma última questão: a qualidade. Quem poderá, por acaso, dizer que isto ou aquilo é mais qualificado do ponto de vista de produto cultural? Trata-se de questão bastante “política”. Sutil. É comum falar-se de cultura dominada e cultura hegemônica. Mas no choque, ou no procedimento de assimilação e “repaginação” dessa  ou daquela cultura, onde se inseriria a qualidade?

Partiremos, então, do seguinte pressuposto: o resultado, culturalmente falando, de maior qualidade seria aquele proveniente de um maior domínio dos instrumentos e meios para determinado fim.

Há cultura de boa qualidade e de má qualidade em todos os cantos do mundo. É questão por demais subjetiva. Todavia, se um determinado povo realiza aquilo que, por um secular processo de diferenciação histórico e social, encontra-se mais à vontade para confeccionar, e possui os meios à mão,   a dedicação a tal finalidade traduzirá provavelmente  algo de qualidade.

Logo, conclui-se que a qualidade de um produto cultural não está apenas em distinções subjetivas, mas no “modus operandi”. É preciso que determinada cultura tenha personalidade e traga as digitais do povo onde nasceu e para qual foi forjada. Utilizando de uma comparação ilustrativa: podemos dizer que melhor pescador é aquele que nasceu no mar.

Para pôr termo ao raciocínio, podemos sintetizar emitindo a seguinte opinião: a globalização é inevitável, cabe a cada unidade cultural  preparar-se para tal evento dotando seus discípulos de bons profetas e artesãos de bons mestres. Uma vez construída a intimidade entre os seres e respeitadas as singularidades de cada entidade viva, restará ao estado defender sua soberania cultural, não apenas por subsídios, mas, e principalmente, adotando mecanismos que tornem todas as formas folclóricas parte da identidade maior da nação. A exportação da cultura é conseqüência natural de sua qualidade e coerência em relação às suas raízes.

Penso, logo existo. Mas se apenas pensar não alcançarei a imensidão do mar. Há de se mergulhar. Assim a cultura de um povo há de ser também uma imersão profunda
no vasto oceano da subjetividade.

Marcos André Carvalho Lins


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Marcos André Carvalho Lins é bacharel em Direito formado na Universidade Federal de Pernambuco e ocupa o cargo de Técnico Judiciário Federal no TRT -6a Região (Pernambuco), sendo também escritor diletante.

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