“Através de jogos de azar, lava-se dinheiro. Através da cultura, muitas vezes procura-se lavar consciências”
Paira uma questão no ar: marketing cultural é ou não uma participação efetiva e importante no cenário cultural de um país? A resposta demanda outra pergunta: até que ponto uma nação carece de “injeções” esporádicas, aleatórias e desarticuladas de eventos culturais para ter sua “cota” de reconhecimento atendida para o setor? E ainda: será que a cultura proveniente de uma idéia de venda de imagem em primeiro plano pode ser assim entendida, como cultura ou simplesmente como marketing?
O marketing cultural, sem dúvida alguma, possui seus méritos. Não. Cultura não tem que necessariamente ser algo perene e que dê frutos a curto, médio e longo prazos.
A população quer pão, e o marketing cultural oferece postos de trabalho diretos e indiretos durante toda a sua sobrevida. Além disso, coitados de nós se não fossem os arrojados empresários capitalistas e suas tendas de cultura ambulantes. Um dia aqui outro dia acolá, mas sempre provendo as necessidades mais prementes dos populares, sempre agitando o nosso portfólio de acontecimentos culturais, a nossa pauta de cada dia de manchetes jornalísticas nos cadernos de cultura.
O pensamento de muitos segue por aí. Aquilo que proporciona pão e circo, isto é, aquilo que produz trabalho e espetáculos memoráveis, isso seria cultura no melhor sentido da palavra. Aquilo que tem apenas alcance regional, não ganha a cobertura dos grandes conglomerados de mídia, não chega a ser cultura mas apenas um ”folclorizinho” um pouco bem ajambrado, mas sem muita perspectiva enquanto cultura.
Há, ao que nos parece, uma inversão: os fenômenos de mídia pontuais e efêmeros se impõem à cultura de raiz e a fazem coisa à toa, quando esta é (ou deveria ser) a verdadeira razão de ser de um povo.
Pasmem. Mas é justamente um embate dessa natureza que se delineia a partir daqueles que defendem o marketing cultural como ferramenta primeva e auto-suficiente de gerir a máquina cultural de um país. O capitalismo apôs sobre todas as coisas um preço, um valor monetário, mas está esquecendo aos poucos os significados!!
Aqueles que estão em posição de apoiar a cultura, preferem corroborar o que já está posto. É mais fácil concordar e baixar a cabeça, e no caso da cultura, abrir o tapete vermelho para as grandes celebridades, os mega-eventos e os enormes circos de ilusões. Além disso, dá mais ibope pautar a cultura a partir daquilo que já está estabelecido via show-business (que por sua vez se consolida a partir de incentivos dessa natureza).
E a experimentação, os novos talentos, as novas maneiras de ver e comungar o mundo??
A veia experimental da cultura atual não diz respeito a um culto à transgressão e à polêmica tão-somente. Ela traduz a própria necessidade que essa cultura tem de rever seus conceitos, se reciclar, de se re-estruturar.
Estamos tratando, então, de uma significativa prerrogativa cultural, sem a qual cultura alguma faz sentido, a Educação. Um significado muitas vezes, e não raro, esquecido no fundo das gavetas dos nossos empresários.
Ofertar cultura para uma população carente sem o necessário viés educacional, sem lhe dar a chance de se defender, pois tudo é muito rápido e o apelo sensorial imediato é mais premente e fácil de se satisfazer, sem lhe dar sequer o direito de escolha, pois o bolso indica sempre para uma direção pré-estabelecida. Isso seria distribuir cultura? Seria essa a função do marketing cultural??
Pensamos que não. Se queremos mais segurança, mais mesas fartas, mais seres saciados não só organicamente mas, e principalmente, na alma, não podemos abrir mão da tendência natural de toda formulação cultural: produzir reflexão e conteúdo de qualidade. Entendemos como qualidade aquilo que permeia o tecido social e distribui não só sorrisos mas principalmente distribui transformação. O ponto de mutação de uma sociedade está nas mãos de poucos e esses poucos têm muito a prestar contas perante a nação.
Não estamos pedindo cultura gratuita , nem mendigando uma entrada grátis ou um camarote vip, estamos exigindo o mínimo de responsabilidade social, um pouco de respeito aos significados “marginais” implícitos no modo de perceber e sentir o mundo pelos mais necessitados e pelos artistas. Estamos, como um país, exigindo a soberania cultural, exigindo uma cidadania há muito roubada.
Através de jogos de azar, lava-se dinheiro. Através da cultura, muitas vezes procura-se lavar consciências.
Marcos André Carvalho Lins