A indústria cultural global foi construída sob o olhar e tutela do poder imperialista norte-americano e tornou-se peça principal de seu plano hegemônico. O american way of life não foi disseminado apenas como mito de cultura suprema, mas também como uma plataforma para o lançamento de indústrias vocacionadas para a escala global: moda, cigarros, bebidas, automóveis, armas de fogo, fast food, eletrodomésticos, equipamentos eletrônicos, alimentados por conteúdos que reforçam os mesmos mitos e objetos de consumo que consagram os EUA como símbolo de poder.

Mas já não podemos conceber a indústria cultural contemporânea como um mero instrumento de poder ianque. Seus domínios, hoje, extrapolam o território local, constituindo-se de forma menos homogênea, mas igualmente concentrada, reforçando interesses e visões de mundo do grande capital global. Um modelo de negócios baseado na ocupação dos mercados locais de distribuição, acordos vantajosos com exibidores, que garantem presença maciça de conteúdos em convivência pacífica com os interesses políticos internos.

O crack do sistema financeiro global coincide com a quebra gradativa de uma dinâmica estabelecida entre emissores e receptores de informação e conteúdo cultural. A comunicação de massa já não é o paradigma reinante para uma grande parcela da população mundial. O público acostumado a receber conteúdos mastigados por interlocutores interessados em audiência (e os ganhos dela decorrentes) sai da condição de expectador para o de protagonista. Ele pode escolher mais, participar da construção de conhecimento, convocar e ativar redes em torno de suas preferências estéticas e ideológicas.

Diante dessa realidade abre-se uma brecha que só pode ser conquistada mediante a produção de conteúdos condizentes com as realidades desses novos protagonistas. Autorrepresentação é a palavra-chave para a cultura participativa. Enquanto essa nova realidade não emerge das ruas, laptops, ipads, facebook e twitter, a mídia analógica expande seus domínios. Ela agora assume a forma de mídia participativa e convoca seus asseclas para um videogame realista, em que a (sensação de) participação é balizada e construída em laboratórios cibernéticos. Todos os movimentos são previsíveis e a sensação de protagonismo reina nos novos meios de comunicação digitais.

“Em vez de sonhar em ser Tom Cruise eu posso ser Tom Cruise”, disse Neil Gabler em sua entrevista para o Ctrl-V, referindo-se a essa nova cultura de videogame, muito bem traduzida nos ambientes de rede social – um second life revisitado. Se o Fantástico se apresentava como o show da vida nos tempos da ditadura, transformando tudo e todos em objeto espetacularizado, o Big Brother de hoje é o coliseu hiper-moderno. As câmeras são os leões, comandados por controles remotos e celulares. A participação não está ligada à conquista da subjetividade.

Outro entrevistado, Gilles Lipovetsky fala da mudança do paradigma do mass media para o self media, que pode ser traduzido tanto pela cultura dos videos caseiros do YouTube, quanto pela proliferação de blogs e redes de mensagens instantâneas.

Mas como alterar a lógica de comando imposta pelos meios de comunicação, com sua estética consagrada, sua pasteurização e seu discurso monocromático: compre!? Precisamos construir um novo modelo de relações entre a produção cultural e o consumo. Os Empreendedores Criativos têm papel fundamental nisso.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

7Comentários

  • gil lopes, 19 de julho de 2011 @ 1:07 Reply

    Pode ser, não creio. Acho que a associação pode ser mais vantajosa. A submissão é o que experimentamos, sair dessa ponta para uma outra alternativa aventureira também pode ser anacrônica. É preciso engendrar novas alianças abseadas na nossa compreensão da necessidade de ocupação do espaço cultural, sobretudo no mercado interno. Não há brechas independentes ao novo modelo, nem contra a hegemonia. Uma política pragmática e transformadora ao mesmo tempo, é isso…pode ser.

  • Ernesto Aresta, 19 de julho de 2011 @ 12:44 Reply

    Tudo bem, o blog tem esse enfoque de economista e de industria e comercio. Mas a grande questao hoje é a de qualidade tecnica dos produtores de conteudo versus o dos consumidores de conteudo: se o produtor profere um discurso com conteudo mais limitado ou uma cultura mais rasa que a do consumidor, seu produto torna-se desinteressante. Madonna, Rolling Stones, Caetano, Maria Gadu, Bienal, etc. hoje sao apenas cansativos, tem pouca graca, geram pouco interesse. Quem sao as massas que assistem a estes artistas? Pessoas culturalmente despretenciosas, que engolem gato por lebre e aceitam o que é veiculado em vez de ter o trabalho de buscar conteudo que traga crescimento humano. Pois arte/cultura deve aliar diversao e formacao etica e moral, nao é?

  • Renato Hoch, 19 de julho de 2011 @ 14:04 Reply

    Me desculpe o autor, mas esse discurso cheira a naftalina: ouço isso desde que me conheço por gente – e faz muito tempo – sem que se aponte alguma solução nova. Além disso, parece mais uma forma de falar “filosoficamente” sem saber para onde apontar sua revolta…e sem conclusão além da obviedade rebuscada.
    Abraços,
    Renato Hoch

  • gil lopes, 19 de julho de 2011 @ 16:53 Reply

    É simples, quando alguém diz: fulano proferiu um discurso limitado, de cultura rasa..” é uma crítica referenciada ao que? qual é o limite? e cultura rasa, se refere a o que?
    Um rol de artistas estrangeiros pra começar tem o discurso em outra língua…pretende-se passar assim como se não se estivesse passando que há uma língua básica para qualquer discurso que se proponha discurso, quando na verdade isso não existe. Existem as línguas que expressam culturas, memórias, histórias, comportamentos, compreensão de fenômenos, e há uma variedade delas. Um discurso pode ser em qualquer uma delas para ser um discurso. A limitação de uma língua seria uma característica do que é raso? Pra início de conversa…
    Por outro lado podemos inventar que só existe a massa, essa abstração…nos referimos a isso com uma aproximação que beira a alucinação. De tanto falar em cultura de massa ficamos íntimos do jargão. Um olhar sério impõe outras perspectivas. Van Gogh morreu desconhecido, e daí? Alguém pintou mais que ele? O buraco é mais embaixo. Todo mundo é seu próprio crítico de arte, e daí? Mas a questão é outra, é como habilitar a nossa arte, nossa cultura de se projetar aqui e no mundo, fazendo parte de todos os artefatos de distribuição, vitaminada do melhor da produção, sem medo de ser feliz.

  • Leonardo Brant, 19 de julho de 2011 @ 17:33 Reply

    Reunimos no programa Empreendedores Criativos tudo aquilo que pensamos e conseguimos transformar em ação prática. Vale a pena dar uma olhada: http://www.empreendedorescriativos.com.br.

    Trazemos ali uma série de casos que consideramos inovadores, com possibilidades reais de desenvolver negócios no âmbito das artes, cultura e criatividade.

    Não acredito em um novo socialismo dentro do capitalismo. A opção é por construir um novo capitalismo, com as ferramentas do próprio capitalismo. Não por acreditar no capitalismo. Mas somos obrigados a conviver com ele, então façamos alguma diferença nele.

  • Ernesto Arestas, 19 de julho de 2011 @ 20:27 Reply

    Permitam reformular: arte/cultura servem para o deleite e a educação, desde sempre. Mas a dita cultura de massa deleita pouco e educa ainda menos. Os produtores de conteúdo para pequenos segmentos do mercado sao mais interessantes para o seu publico específico. Então, por que correr atras dessa cultura de massa da qual cada vez menos pessoas gostam? Não seria talvez a contramão da história? Fantástico só para quem não tem nada nada melhor a fazer no domingo aa tarde…

  • gil lopes, 20 de julho de 2011 @ 13:25 Reply

    Parece que os ingleses querem alterar a lógica de comando imposta pelos meios de comunicação e fazer vigorar a democracia…vamos observá-los.

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