O mercado cultural é um dos raros ambientes onde não se aplica o princípio da concorrência. Aqui é o império da cooperação, dos processos colaborativos e da cultura de rede, constituindo um jeito próprio de pensar e fazer a sustentabilidade, a circulação e as trocas.

Fala-se muito em economia solidária, criativa, em moedas alternativas e até em um novo sociocapitalismo, baseado em formas de colaboração que extrapolam a lógica da mais valia, da corrupção e da exploração dos indivíduos em nome do poder econômico das corporações ou do ideologismo estatal.

O agente cultural é um empreendendedor, por vocação ou obrigação. Os esforços concentrados no desafio de erguer um projeto, uma ideia ou um negócio são sobre-humanos. E daí vem o desgaste natural e o desânimo de quem procura se manter, contra o mercado e muitas vezes contra o próprio Estado, que deveria estimular e facilitar esse processo, em nome de um maior fluxo das atividades culturais.

Não é por acaso que a grande maioria dos agentes culturais funciona à margem do sistema econômico formal, o que dificulta tanto a inserção no mercado quanto a relação com o poder público.

Sempre que eu viajava para fazer uma palestra sobre mercado cultural (e já visitei 24 estados brasileiros nessa função) fazia uma pergunta simples: quem aqui é empresário, com empresa aberta, CNPJ? Ou ainda: quem aqui tem carteira assinada, tem PIS/PASEP, FGTS? Invariavelmente percebia um ou, no máximo, dois braços levantados, sempre um funcionário do Estado, da prefeitura ou do SESC.

A solução mais comum para essas resistências é o compartilhamento de experiências, conteúdos, além das trocas de serviços e habilidades, que se constituem em força sinérgica motriz, que avança em forma de espiral por um número cada vez maior de agentes. Rapidamente o concorrente torna-se parceiro.

Existem inúmeras experiências bem-sucedidas, encorajadas pela cultura de rede, como por exemplo o Circuito Fora do Eixo, Eletrocooperativa, Feira Preta, só para citar três modelos distintos entre si. Novos mercados e modos de fazer são constituídos a partir dessa lógica, da não-violência, não-competição e diversidade.

Com as tecnologias de informacão e comunicação essa cultura ganha cada mais força, a ponto de contaminar positivamente inúmeras corporações tradicionais, que se utilizam cada vez mais de sistemas colaborativos, open source e redes sociais para dialogar de maneira mais aberta e ativa com seus consumidores e com toda a sociedade.

O antigo networking funde-se, em prática e significado, com a cultura de rede. Um bom exemplo disso é a Rede de Repensadores, que acabo de integrar, a convite da Repense Comunicação. Um modelo que explora a criatividade de parceiros para estimular negócios e, ao mesmo tempo, favore o fluxo de ideias inovadoras entre os próprios membros da rede.

Quando essa lógica é traduzida para as políticas públicas o efeito é igualmente estrondoso. Vide o fenômeno Cultura Viva, que cresceu e se consolidou a partir da visão de Gilberto Gil e o poder empreendedor de Celio Turino, baseando-se no potencial das redes para estimular as culturas locais.

Ou seja: vivemos o tempo das redes culturais. Colabore!


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

9Comentários

  • @yaisasantos, 30 de julho de 2010 @ 20:54 Reply

    Acredito que esta é a fonte da sobrevivencia, acesso e continuidade das culturas locais. Através das trocas de experiencia, pode tonar um produtor local, um profissional com olhar global sobre sua comunidade, transitando entre ações que contemplam seu país. O papel do produtor cultural vem mais uma vez enfatizar sua importancia diante desta cena, onde sua persistencia e conhecimento junto com colaboradores e parceiros, façam estes projetos tomarem vida.

    Yaisa Santos
    Produtora Cultural.

  • Leonardo R. Palma, 31 de julho de 2010 @ 19:01 Reply

    Boa a precisão no uso da expressão "compartilhamento de experiências"! Parabéns! Sem isso, a noção abusivamente recorrente de “troca de experiência(s)” nos encaminha para dois universos problemáticos relevantes: o caráter singular e intransitivo da experiência, por um lado, e a intradutibilidade entre “práticas de compartilhamento” e “práticas de troca” (ou “troca” simplesmente). Podemos co-produzir experiências ou compartilhá-las, nunca trocar. Podemos trocar objetos, prestações (serviços) e bens extrínsecos (“exterioridades estrangeiras”), mas não experiências, vivências. O ponto fulcral aqui está no fato de que troca implica transferência com subtração daquilo que se transfere, ou seja, pôr ou dar algo no lugar de outro lago, outra coisa, substituir. A consequência prática de confundir tudo aqui, é a incapacidade de se pensar o porquê de as práticas contemporâneas de compartilhamento e usos comuns estarem no bojo das transformações econômicas em curso, irredutíveis à noção de troca. São essas práticas que estão desarmando as relações de poder que sustentaram as economias da escassez e da raridade e abrindo passo para as economias das externalidades positivas e da exuberância. O crescimento tendencial da economia da cultura fica inapreensível quando pensado em termos neo-industriais (daí a insuficiência e imprecisão das abordagens em termos de estoque, como na figura do "conhecimento tácito" da teoria do "capital social", por exemplo). Outro problema que a falta dessa precisão pode acarretar é a noção de "ocupação" dos espaços, em vez de se pensar e compreender que produzimos espaços (públicos, por exemplo!), territórios, etc. Resquícios indesejáveis, quando fazem essas confusões, de visões estáticas de mundo… Novamente, parabéns! O texto tem a sutileza da precisão desejável! Não é um detalhe, nem de longe. Adelante…

  • Leonardo R. Palma, 1 de agosto de 2010 @ 18:24 Reply

    Uma observação: somente os serviços que derivam em algum produto separável é que podem ser trocados … Para não deixar dúvidas …

  • Manno di Sousa, 2 de agosto de 2010 @ 10:38 Reply

    “Existem inúmeras experiências bem-sucedidas, encorajadas pela cultura Novos mercados e modos de fazer são constituídos a partir dessa lógica, da não-violência, não-competição e diversidade”.

    Leonardo Brandt

    Leonardo, concordo com quase tudo no seu texto, seu pensamento está bacana mesmo. Contudo, nestes “novos mercados” há sim competitividade, tanto que para você participar nele precisa cria um perfil (é assim na conexãovivo) e ser aprovado por uma comissão ou um pessoa que escolherá esse ou aquela banda ou artista. O Fora do Eixo trabalha, quase ou especificamente, com banda de rock, por aí a palavras “diversidade” fica meio sem sentido. E deve se ficar atento para não caírmos na competitividade mercantil e mercenária, por enquanto, a competição passa por um crivo quase que suave, pois, mesmo assim, abre espaço para muitos artistas que estavam no anonimato ou no imbo, isso valoriza todo processo, mas não elimina a competitividade

  • luciano, 2 de agosto de 2010 @ 18:37 Reply

    na teoria acho muito lindo. mas na real é quem vc conhece. panelas. amiguinhos. muito social e pouca cultura.

  • marcos, 2 de agosto de 2010 @ 17:39 Reply

    acredito que seja um misto das duas formas: a 'de mercado' e a de 'rede'; ou seja, nem tudo é colaboracão e socialização de saberes, há isto mas há também competição – basta ver as discussões em torno aos editais públicos. Outra reflexão que me vem é até que ponto estes âmbitos da cultura que estão funcionando colaborativamente terão força para transformar os âmbitos onde impera a competição e o 'mercado'…

    • Ernani, 5 de agosto de 2010 @ 9:45 Reply

      Tendo a discordar de pensamentos dicotomicos, do tipo: ou é mercado, ou é rede… assim como resisto á ideia de que os âmbitos colaborativos irão transformar ou devam transformar os âmbitos onde "impera" a competição e o mercado. Os conceitos de cultura e de instituição são extremamente próximos e, creio, devemos ter ambos em mente, quando pensamos em como lidar com aparatos institucionalizados, ou aculturados..,.

  • Luciano, 5 de agosto de 2010 @ 22:44 Reply

    Eua, California, Los Angeles, Venice beach. Divulgando a musica brasileira (?). A musica e

    inha e sou brasileiro. Sozinho. Nao tem embaixada, consulado, ministro, secretaria da cultura nem fundacao cultural, nem Lei nem patrocinio. Tem banheiro p limpar, pizza p entregar e Prato p lavar. Isso e real. Nao tenho amigos q aprovem meus projetos. Qtas pecas e filmed e discos foram feitos (mal) feitos c o suado dinjeiro do poco brasileiro? Q sta aki comigo porque ai nao da? E tudo grande negocio. Ja falava cazuza . Boa sorte pro artists d berdad

  • Abraão Antunes, 15 de agosto de 2010 @ 18:55 Reply

    Belo post, Brant. Creio que uma das possibilidades da Rede é a articulação entre membros diversos envolvidos na questão do melhor acesso cultural no país, antes destituídos de um instrumento / políticas com essa finalidade; nesse sentido, indico que conheçam a RBBC – Rede Brasil de Bibliotecas Comunitárias, em: sss://rbbconexoes.ning.com

    Estamos ainda em nosso começo, tentando verificar que tipos de ações são desenvolvidas nesses espaços, criando tópicos de apoio técnico para os responsáveis por tais Bibliotecas, e fortalecendo a atuação universitária no apoio a tais iniciativas (há dois projetos de bolsas recé-aprovados nesse projeto advindos da USP e da UNIRIO).

    Nesse caso, o que começou como uma simples Rede Social (usando a plataforma Ning) tem como meta transformar-se num instrumento efetivo de aperfeiçoamento de políticas públicas para leitura. Indo além da Rede na Internet, tendo reuniões presenciais com atores da sociedade civil e do Estado atuantes na área de Bibliotecas, fortalecemos cada vez mais nossa capacidade de atuação.

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