O cotidiano da política e da economia faz o discurso que se infiltra em todos os espaços, expulsando a cultura para a periferia dos interesses da cidadania.

“Na época atual, a fatalidade de toda e qualquer arte é ser contaminada pela inverdade da totalidade dominadora.” (Adorno)

A arte, como um trabalho intelectual que amplia a experiência que o homem tem do real e do imaginário, opõe-se ao trabalho alienante da sociedade moderna. Por outro lado, no meio de arte, convivem compromissos e interesses alheios à própria arte; suas condições de produção encontram-se dentro de um campo social e político, sujeito a um conjunto de pressões. O Estado, os patrocinadores e o mercado, visando a interesses imediatos, privilegiam, muitas vezes, artistas cujas obras pouco acrescentam ao mundo da inteligência.

No espetáculo montado pela política, tudo se confunde, tudo passa pela ideologia do poder e pela estética do espetáculo, como a educação, a economia, a ecologia e os discursos políticos. Nesse palco, a cultura foi relegada a uma coisa mundana, uma espécie de conhecimento ornamental que serve à mídia e ao jogo social; a arte perdeu sua singularidade e suas qualidades que a colocavam acima das banalidades do cotidiano, deixando de ser o olhar que interroga, que transforma cores, texturas, formas, experiências sensoriais em meio de conhecimento. Nesta relação entre cultura e poder, insere-se a “crise da arte”, na qual o poder tem prevalecido sobre a pesquisa estética.

Enquanto trabalhos com alguma importância pela pesquisa neles investidos passam despercebidos, trabalhos diluidores da informação, reproduções de clichês divulgados pela mídia são celebrados pelos consumidores de decorações e divertimentos culturais. Uma sociedade sem demandas culturais acaba fazendo da arte uma atividade menor. O cotidiano da política e da economia faz o discurso que se infiltra em todos os espaços, expulsando a cultura para a periferia dos interesses da cidadania. Os artistas que, mesmo sem construírem uma obra, têm os seus reconhecimentos garantidos pela indústria da publicidade, sobrepõem-se àqueles que tem uma vida dedicada à pesquisa e ao trabalho de edificar uma linguagem, contribuindo para a demolição da pseudo-ética vigente e do pensamento crítico.

Sem uma consciência crítica e sem uma convicção ética, artistas, críticos, intelectuais, administradores culturais inventados pela mídia e pelo poder político tomam posição e decidem contra a autonomia e a independência do
trabalho de arte. Promovem e divulgam os bens culturais em proveito próprio, para se sustentarem de forma privilegiada numa relação de poder. Nada mais paradoxal, por exemplo, do que essas leis de incentivo à cultura. Por que incentivar a cultura se ela é um componente essencial para o enriquecimento da sociedade? Antes de ser uma questão de lei, a cultura é uma questão de sensibilidade e de cidadania.

Há um desinteresse geral pela cultura que ocupa um lugar cada vez menos importante nos discursos do cotidiano. Para ser artista, antes de tudo, é preciso ter um tráfego de influências pessoais, acesso à mídia e aos patrocinadores, que fazem da arte um produto incapaz de atribuir um sentido à existência da sociedade. E quem realmente patrocina a arte? “Os contribuintes pagam aquilo que as empresas recuperam através de isenções fiscais pelas suas doações, e somos nós que verdadeiramente subvencionamos a propaganda.” (Hans Haacke). Numa sociedade comandada pela economia, tudo se resume à lei da oferta e da procura.

A arte, burocraticamente falando, é mais uma imagem carente de sentido que divulga um certo prestígio social e econômico, e menos um meio de conhecimento indispensável para o homem contemplar o mundo. Se a obra de arte é expressão de uma sociedade, testemunho de um tempo, de um estágio de conhecimento, renunciar à sua inteligibilidade é renunciar à História.

A política, por sua vez, apropriou-se da cultura e fez dela um verniz para animar ou dar um polimento ao discurso político. A arte perdeu sua inocência, ela agora é objeto do mercado, do Estado e de outras instituições que desconhecem seus mecanismos de produção e sua História. Se os partidos políticos que falam de cultura em seus programas de campanha querem fazer alguma coisa pela cultura, não deveriam fazer coisa alguma, mas, sim, devolver aos intelectuais, aos artistas, a quem trabalha diretamente com a cultura, o poder de decisão e o comando do processo cultural. É preciso devolver à arte seu território perdido.

Quem atualmente exerce o poder sobre o destino dos bens culturais, trabalha, direta ou indiretamente para o mercado, ou é burocrata de carreira que pouco entende das linguagens artísticas e suas leituras. Acabam desprezando os seus valores à serviço do senso comum. Muitas instituições que lidam com a arte, sem recursos econômicos e sem um corpo técnico ligado à área, perderam a importância e a autonomia, quando não são agências de eventos irregulares sem um projeto definido. A mídia dominou a cultura e o artista deixou de lado a indagação da linguagem da arte, abandonou a solidão do atelier, para se tornar um personagem público do teatro social. E a proliferação de um produto designado como arte e do discurso estético, sem a arte, pode significar o desaparecimento da própria arte.

Almandrade


contributor

Artista plástico, poeta e arquiteto.

11Comentários

  • Ana Silvia Bloise, 24 de julho de 2007 @ 9:52 Reply

    Importante reflexão.Infelizmente parece que poucos se importam com isto. Instuições culturais sem projeto sem corpo tecnico especializado nunca farão com que a arte e cultura sejam mais do que uma simples máscara, um brinquedo superficial a ser manipulada politicamente .

  • Carlos Henrique Machado, 25 de julho de 2007 @ 15:10 Reply

    Já havia lido este texto de Almandrade na Agência Carta Maior.
    Brilhante! Suas colocações traduzem, de forma fidedigna, este quadro esquizofrênico com sabor de balcão de toda ordem a que a cultura brasileira foi subjugada.
    Tempos atrás, ia emitir a minha opinião sobre a questão desta perigosa junção, cultura e mercado que, tem sido, ao longo dos últimos anos, alvo de um extraordinário assalto de empresas montadas exclusivamente para captar recursos, via lei Rouanet, mantendo a arte e os artistas como reféns das influências dessas corporações.
    Tive oportunidade de assistir a uma palestra em um evento promovido pelo Sesc unidade Barra Mansa, em que, a oradora que tinha no tema “Cultura e Mercado”, gabava-se da sua eficiência na captação de milionários recursos de empresas. De forma, como se nos chamássemos, platéia, de sonhadores propositivos, ela declara “mando todos os anos, para cada uma das empresas, de sete a oito projetos dos mais variados temas e expressões. Consigo aprovação de dois ou três e vou somando os projetos que sobraram a outros novos e vou conseguindo brechas em outros editais. Ela prossegue vaidosa de seus feitos e diz, na minha empresa trabalham dezesseis pessoas, das quais, quatorze são formados em administração de empresas. Pois bem, essa ilustre senhora que não cabe citar o nome aqui, preside uma das mais bem sucedidas empresas brasileiras de captação de recursos, instalada no Rio de Janeiro. Saí deste evento decepcionado e perplexo com tanta frieza diante deste quadro. Eu, cheio de paixão com o meu projeto, tinha a intenção de defendê-lo pessoalmente junto ao patrocinador, o que fiz, e consegui o patrocínio. No entanto, sei de muitos artistas bons, com trabalhos profundos, totalmente à margem deste processo.
    Uma das minhas principais críticas a todas essas questões, é a pouca voz que se dá à realidade de um artista, seu cotidiano, suas privações diárias, pelo seu pecado de cometer no Brasil o crime de produzir arte. Todos os tipos de barreiras, ele enfrentará, a acadêmica ideológica filha dos conceitos de conceitos, a burocrática que vive numa escala dimensionada a partir de uma demanda social que exclui o próprio artista e muitos outros crimes na trajetória de um sobrevivente da arte ao mecenato que ele, também contribuinte, não tem e jamais terá acesso.
    Tenho visto o descalabro de empresas patrocinadoras, em seus próprios editais, exigindo contrapartida em mídia, como se fossem multinacionais no mercado da arte. Querem lucros, dividendos políticos, enfim, querem que a arte se transforme de vez em moeda de troca. A lei Rouanet precisa ser fiscalizada, seus objetivos estão cada vez mais distante do real. Ou caminhamos na direção verdadeira da arte, ou vamos ver mais uma fonte inesgotável de lucros de empresas que, por força da nossa estrutura pouco fiscalizadora destes recursos, vão continuar se locupletando do dinheiro dos impostos pagos por todo o povo brasileiro e que não se vê representado nas manifestações “artísticas” para as quais os patrocínios estão sendo direcionados. Os recursos para a arte no Brasil hoje são a mais clara demonstração de divisão social neste país. É só fazer as contas e ver para onde estão indo estes recursos pagos por toda a população.

    Carlos Hnerique Machado Freitas, pesquisador, compositor e bandolinista, autor do projeto Vale dos Tambores. http://www.carloshenrique.mus.br

  • Carlos Henrique Machado, 28 de julho de 2007 @ 11:43 Reply

    Tem se observado que, nesses últimos anos, há uma insistente visão que chega a quase uma obsessão por essa coisa de cultura associada ao mercado. A arte perde muito com isso, disso, não dúvidas. O mercado cultural paralelo, aos poucos, vai criando calos em torno do processo criativo em função de fórmulas que lhe atendam de imediato, com isso, continuamos à mercê do julgamento dos departamentos empresariais, de marketing privado ou estatal, que avaliam o produto cultural a partir do impacto de imagem que possa dar retorno, em termos de visibilidade social ou política.

    O que temos que entender é que a arte não pode ser subjugada ao gosto do mercado, seja qual for. Formatada a padrões que atendam aos enseios meramente técnicos das escolas publicitárias. A arte não é isso. A arte não é isso, um produto, uma lembrancinha, um mimo, porque, senão, o artista abandona a arte para fazer produto mercadológico, pois sente a sombra do mercado fungando no seu cangote. Cria bloqueios, pois sabe que sua arte será julgada com regras de um mercado cultural paralelo, mas mercado. E, talvez, mais mercado que o outro. Sorrateiro, cínico, adulador, este mercado, muitas vezes, corre pelo campo sócio-político eleitoral. A lei está desfocada, a lei foi feita para dar liberdade ao artista e a arte, pois é o povo quem patrocina esse artista e não uma corporação. A corporação é restituida pelo povo para que, o artista que saiu do seu meio, escreva em sua arte o sentimento do seu povo.

    Tenho visto muita gente jogar sobre os ombros da arte, a responsabilidade de educar criança, reeducar jovens, comprometendo toda a liberdade que a arte exige de um artista, da transgressão, do avanço da expressão humana via arte. Os conceitos pré-estabelecidos de formatação empresarial sufoca a criatividade, limita e produz cobranças, como se cobra uma bem embalada caixa comercial de bombons. São muitos filtros que um artista tem que passar, sob a lógica de conceitos ora acadêmicos, ora comerciais. A arte não vai tirar ninguém da miséria, até porque ela precisa de subsídio do seu povo para fluir e expandir para qualquer lado sem restrições e regras amordaçantes. Tudo isso precisa ser revisto. A grande questão está nos escritórios, na burocracia, na visão técnica que, normalmente, privilegia pequenos grupos que ainda insistem numa arte perigosamente seletiva que sigue estéticas, padrões de um conselho cultural saido dos meios academicistas no Brasil. Ou seja, quanto mais democrática for essa arte, quanto mais cheiro de povo tiver essa arte, mais ela produzirá rebeldia, desordem do projeto catequista, mais essa arte estará fora dos mecenatos via lei Rouanet.

    Queridos amigos, percebam que, quanto mais a arte se aproxima de uma técnica estabelecida por um pequeno grupo de senhores sabedores, ou seja, saidos de cursos e mais cursos, técnicas e mais técnicas, mais próximos estarão do amparo corporativista, estatutário e constitucional, mesmo que tudo isso seja ilegal sob a ótica da real liberdade que a arte exige. Por isso, a nossa fantástica música, construiída desde o assovio nos lábios de um simples camponês, dos cantos de trabalho nas mais diversas profissões braçais até o virtuosístico instrumentista auto-didata, esta arte será marginalizada nas nossas instituições. Todos os grandes compositores brasileiros, seja erudito, seja popular, se é que aqui no Brasil existe essa divisão, dependeram da boa vontade e, muitas vezes, da visão mais libertária de mecenas milionários no passado. As caravanas de Pixinguinha, Villa Lobos, Mário de Andrade nos mostram isso. Saíam país afora para ler o povo e não impor-lhe doutrinas acadêmicas. Será que não vamos aprender isso nunca?

    A lei Rouanet precisa voltar urgentemente ao seu objetivo original, que é o de caminhar ao gosto da arte e não do mercado, mesmo que esse mercado mostre boas intenções sociais, mas artisticamente, será sempre um formatador, inimigo mortal da liberta arte e do liberto homem.

  • Marcel Bittencourt Bastos Cerqueira, 10 de agosto de 2007 @ 10:23 Reply

    Brilhante, mas pena que outras pessoas não compartilhem da idéia de que a cultura realmentese tornou subjugada a influências capitalistas extremas, ou seja, ou vende ou não presta!

  • Marcel Bittencourt Bastos Cerqueira, 10 de agosto de 2007 @ 10:23 Reply

    Brilhante, mas pena que outras pessoas não compartilhem da idéia de que a cultura realmentese tornou subjugada a influências capitalistas extremas, ou seja, ou vende ou não presta!

  • Marcel Bittencourt Bastos Cerqueira, 10 de agosto de 2007 @ 10:23 Reply

    Brilhante, mas pena que outras pessoas não compartilhem da idéia de que a cultura realmentese tornou subjugada a influências capitalistas extremas, ou seja, ou vende ou não presta!

  • Marcel Bittencourt Bastos Cerqueira, 10 de agosto de 2007 @ 10:23 Reply

    Brilhante, mas pena que outras pessoas não compartilhem da idéia de que a cultura realmentese tornou subjugada a influências capitalistas extremas, ou seja, ou vende ou não presta!

  • Marcel Bittencourt Bastos Cerqueira, 10 de agosto de 2007 @ 10:23 Reply

    Brilhante, mas pena que outras pessoas não compartilhem da idéia de que a cultura realmentese tornou subjugada a influências capitalistas extremas, ou seja, ou vende ou não presta!

  • evany fanzeres, 23 de janeiro de 2008 @ 13:56 Reply

    Um texto excelente que descreve a situação do fazer artístico neste país. O descaso foi programado e é consequência de medidas coercitivas na área da educação, sendo uma dessas medidas a reforma do ensino pela Lei de Diretrizes e Bases, principalmente a editada em 1961, e outras subsequentes que pouco-a-pouco retiraram do ensino o caráter universalista e seu instrumental preparatório à absorção de conhecimentos e desenvolvimento do raciocínio. A arte requer uma visão e uma visão reflexiva, ligada à sensibilidade e à alma. A arte solicita ao espectador uma visão não só reflexiva, mas tambem uma ATITUDE. Mas as pessoas não tem posição para uma atitude, faltam-lhes os apetrechos simples, disponíveis até para crianças e animais. Quanto à atitude a ter ao observas a arte, falo do respeito.
    Na década de 70 o meio artístico, ainda sem galerias e mercadologias foi tomada por pessoas estranhas ao meio, sem qualquer feedback, Organizadas, conseguiram, mesmo sem formação, galgar posições como “artistas”e até mesmo participar das Bienais de Veneza, com suas propostas semi-pimitivas, improvisadas, tudo muito apoiado pelos Itamaratys, políticos provincianos de Brasilia, dondocas desocupadas. Os verdadeiros artistas, gente seríssima ficou abaixo do 2º plano, pois não deu para se misturar e ser confundido com “artista”. Essa visão, de que para fazer arte o sujeito ter que ser “artista” generalizou-se. Para completar, um mercador influente passou a defender a criação de uma “nova Arte”, pois o Brasil seria um país alegre, cheio de fruta, um país para uma arte alegre”. Por inflência deste pensamento “otimista” o excelente Instituto de Belas Artes da UFRJ foi fechado. Professores como Leao Veloso, José Guilherme Merchior, Edith Behring
    Flecha Ribeiro, Carlos Cavalcani foram dispensados e o IBA encerrou suas atividades. Para substituir a instituição, o estado co Rio deixa-se influenciar pela ideologia de uma “arte alegre e jovem” com bandas de rock para atrair os jovens, e assim foi criada a Escola do Parque Lage, de Artes Visuais, cujo nível de ensino nada tinha a haver com qualquer proposta mais séria, a não ser uma “arte alegre”. Assim foi criada a geração 80, com vários de seus membros que sequer sabiam desenho. Mesmo assim, mais tarde compareceram com sua “obras “na Bienal de Veneza, com catálogos caríssimos, cujo maio conteúdo era de fotos de Carmem Miranda, de dois artistas norte-americanos e apenas 10% de espaço para o autor da representação da obra (medíocre)representativa do Brasil… A nação brasileira permite esse tipo de situação porque tem o maior descaso com a arte. E este descaso praticamente criado com a ingerência de forças opostas ao país e graças à ignorância e prsunção de maus brasileiros, ou gente sem qualquer representatividade que inverte situações e alcança o poder. Na semana passada avistei a triste paisagem das casas muito feias, das roupas feias, das pessoas feias e gordas, o olhres vazios, e pensei: falta urbanismo, falta arquitetura, falta arte, Então fica tudo feio. É assim que se quer, uma total falta de preocupação estética. A escassês de moeda deixa de ser pretexto, pois a pobreza é OUTRA.
    O político presunçoso, provinciano, corrupto, inculto, machista, feio, ávido, espertalhão, como é geralmente o político de qualquer prtido no Brasil, acha que “cultura” é coisa supérflua, e ARTE, uma expressão ao gosto das elites…e aí cria sua demagogia contra as “elites”, rumo à luta de classes. Então não é àtôa que Tânatos vem ganhando a parada, pois a violência nunca foi tanta neste país, reflexo de uma faceta do poder que se instalou à custa de manobras espertas. A produção artística, que começou a cair na década de 80, graças a todos estes fatores tão bem enumerados por Almandrade, voltou-se a uma marginalidade quase sem retorno. Em consequência, a nação perdeu o contacto com a contemporaneidade, e não tem nenhuma representatividade, o que equivale dizer que não emite selo ou moeda, e muito mais grave do que isso. Nações jovens como o Cazaquistão, Burkina Faso, ou Mexico, Guatemala, Argentina, Uruguay, Portugal etc se fazem representar por suas produções artistica. Mas o Brasil não…O falso otimismo dos políticos macro-econômicos é ridículo, simplesmente porque arte faz parte da economia, embora seja alheia ao monetarismo vigente.
    Outra causa da trágica siuação da arte e dos artistas sérios no Brasil é a tal Lei Rouanet, a qual analiso mais adiante em todo seu conteúdo.

    E. Fanzeres -www.fanzeres.com

  • Tito Oliveira, 27 de junho de 2008 @ 11:57 Reply

    Como se não obstante fosse, para os olhos estrangeiros, o ineditismo experimental das esculturas, instalações, pinturas e performances de Hélio Oiticica que, sobretudo criou o Paragolé – obra denominada como anti arte por excelência pelo próprio autor -, uma espécie de capa (ou bandeira, tenda, estandarte) que só mostra plenamente seus tons, cores, formas, grafismo e os materiais com que é executado a partir dos movimentos de alguém que o vista. Devido a isso, a obra é considerada como uma escultura móvel. Não contente com demasiada façanha, concebe também o penetrável Tropicália, que não apenas inspirou o nome, mas também contribuiu para consolidar a estética do movimento tropicalista na música brasileira, das décadas de 60 e 70. Não deixarei de citar outros expoentes dessa plausível geração, pois províamos também de Ivan Serpa, Lygia Pape, Aluísio Carvão, Dercio Vieira e Ligia Clark. Essa ultima também foi, junto com Amilcar de Castro e o próprio Hélio Oiticica, manifestante do grupo neoconcreto nos anos 50, que surgiu por consequência de uma certa gramínea nociva no Movimento Concreto dos oriundos paulistas. Além disso, Ligia Clark concebeu a série Composições, nas quais investigou o papel da linha e do plano como elementos plásticos. Eliminou a moldura, tornando-a parte da obra, ao pintá-la e desenvolveu também a pintura de extração construtivista, restrita ao uso do preto e branco. Ainda assim denominava-se uma anti artista. Precisarei me conter um pouco para não discorrer, em todo texto, sobre o hilário Nelson Leirner e suas coleções em miniaturas, ou o surrealismo belo e inóspido das pinturas de Siron Franco e tantos outros. Provando ainda mais que o Brasil se estabeleceu como um grande centro de arte contemporânea, desde os bons tempos de subversão.

    Agora, para a nova geração, creio pouco que os que apreciam ou são estimulados, de alguma forma, a acompanhar e conhecer melhor a projeção de suas referências artísticas atuais, não conheçam as fotografias improvisadas e irreverentes de Cao Guimarães, o usufruto de objetos contidianos de Marepe, que para a apreensão dos que escrevem sobre o mesmo, apresenta ao mundo uma arte à margem dos clichês que permeiam a política social e cultural do Brasil. Ou até mesmo o valor incontestável de Vik Muniz, relacionado nesse novo estado da produção de arte brasileira, como um dos fotógrafos vivos atuantes mais importantes do mercado internacional.

    Em verdade, caras testemunhas de uma análise cansada e desenxabida, vivemos, nós, artistas brasileiros, uma ascensão na arte contemporânea nacional. Somos, nativos da boa terra ensolarada, como uns compulsivos em nossas produções visuais, efêmeras ou não. Isso, como o futebol, é digno de orgulho para todos os inseridos ou apenas estimadores do universo extraordinário das artes plásticas. Nos encontramos, para os eternos exploradores e também contempladores da arte barata, naturais do velho mundo, como a menina de ouro fortalecedora de um colossal mercado que se impõe, atualmente, como um dos mais fortes na terra de Pablo Picasso, Juan Miró, Salvador Dali, Gaudi e Goya.

    Dizem por aí, que os artistas brasileiros estão a superar ou, ao menos, tentam alcançar os chineses, que por sua vez reinam ou reinaram por longas datas com seus supostos van-guardismos estéticos e suas instalações gigantescas, para a alegria dos cofres de quem os represetam. A exemplo de Cai Guo-Quiang, Cao Fei e Liu Wei.

    Está bem, vamos então falar da parte que importa: enuncio neste momento que não sou regido apenas por deslumbres diante da atual fase na produção dos trabalhos de artistas brasileiros. Sabemos, sobretudo os estimadores desses artistas e suas ações, sobre o que chamamos de paradoxo nessa ascensão toda. Temos referências das opiniões de Ferreira Gullar, somos capazes de refletir sobre a filosofia de Theodor Adorno e Gaston Bachelard em análise sobre as artes e os artistas, deliberadamente somos cúmplices de jovens artistas, imaturos e descontentes com a expansão e o enaltecimento de novos segmentos como performances, vídeo arte ou arte efêmera qualquer. Mas, o que está explicitamente claro é que ninguém suporta mais arte pobre. E já que como parâmetro ressaltei o futebol, sabemos que neste quesito, sobretudo em um país apaixonado e que transborda talentos com a redondinha nos pés, seus admiradores não ficam satisfeitos quando os jogadores não exibem magia, beleza e qualidade técnica entre as quatro linhas de um quadrado com gramado verde. Esses supostos jogadores talentosos, não precisam ter um alicerce com política ou a realidade social de um povo, devem apenas praticar um bom futebol. Para os artistas o mesmo, como já faz supostamente Marepe e outros. Entretanto, não percebemos que o que imaginamos ser uma falta de grandes artistas é, de fato, a falta de uma observação mais lúcida sobre essa complexidade dissimulada. Que desvia nossas retinas para problemas mais simples, como trabalhos que consideramos ruins ou inexpressivos. O que quero dizer é que, como o futebol, que possui em seu universo uma série de obstáculos para percorrer sua trajectória desprovido de rasuras em sua imagem, as artes plásticas também possuem os seus. É simples assim.

    Os amantes de grandes clubes do Brasil, por mais ingênuos que sejam, percebem claramente os ídolos emergirem com seus nomes e um número qualquer estampados na camisa de um time do coração do povo, mas também percebem, imediatamente, serem negociados para um clube da Europa. Abandonando sua equipe no meio de uma grande competição. Além disso, não veêm lucros para uma nova contratação à altura de seu ex craque – pois os dirigentes dos clubes fazem questão de cuidar disso pessoalmente dividindo o valor da venda de um jogador com a (in)parceria in(e)vestidora -, contribuindo ainda mais com o declínio das competições nacionais.

    Os apreciadores das artes plásticas e artistas, sofrem com isso de duas formas: para o espectador desse universo, fica a sensação, em primeira instância, de um vácuo em seu aprendizado e hedonismo, pois esse sofre com o inescrúpulo do circuito de arte nacional e se ver desprovido de um meio para expor suas opiniões em despeito do que registra, devido a aculturação da nação brasileira. Este ultimo, causado pela falta de planejamento na educação do cidadão comum e, como se não bastasse, também pela falta de responsabilidade e compromisso dos artístas. Dentre a classe artística emergente, embrionária e eremita – para não falar dos injustiçados -, são muitos os talentosos e promissores, que sofrem com mais intensidade por consequencia de suas inércias.

    Um artista emergente que procede de uma instituição acadêmica precisou, antes de tudo, pagar caro para estudar. Logo em seguida precisará se submeter a dois caminhos, coesos ou distintos. Para ser visto, ser representado por uma determinada galeria e, por ultimo, ser projetado no mercado. O primeiro passo consiste em desenvolver uma pesquisa ou dissertação, iminentes à academia e deve ser devidamente acompanhado por uma orientação de renome no meio artístico/acadêmico e conceitual. O segundo é ser nome vínculado, de maneira relevante ou não, com as instituições públicas. Para os artistas emergentes autodidatas, resta o segundo passo designado para os acadêmicos. No entanto, um trajeto consideravelmente mais espinhoso. Para os embrionários, o caminho é romper seus medos para alçar suas certezas, que assumirá seu corpo de trabalho e concepão. Isto feito, se por vez ansiar um reconhecimento crítico e público, deve seguir os dois ou um dos caminhos designados para os perfis dos profissionais já citados. E, por fim, o eremita, esse com papel de maior importância. Pois se trata de um artista seguro, que independente de seu reconhecimento através da crítica, sabe o que é, o que quer e o que propõe. Consciencioso de seu universo, evoca, através de sua noção aguda, a possibilidade de seu arrojo ou rendição nesse mercado. Este é um inspirador ou um perfil de lider para um grupo manifestante. Deverá apenas, não diferente dos aqui já citados, seguir dois caminhos, entretanto, os mais difíceis: romper seu egoismo e vaidade.

    Quantos são os artistas que, enquanto cúmplices desse meu recitar, não se encontraram em um desses perfis aqui expostos? Estou certo de que são muitos. Portanto, possuem motivos suficientes para conceberem manifestos e romperem com a inércia. Os artistas precisam fortalecer sua classe através da união dos mesmos. O artista será eternamente solitário dentro de seu elemento imaginário ou percepção, disso não temos dúvidas. Mas não acredito no pensamento rudimentar de que não possa unir-se à outros e louvar seu univeso. Isso é como uma crença ortodoxa e estúpida. A vaidade do artista deve sucumbir para o enaltecimento da coragem e da força conjunta. A linguagem globalizada interferiu até mesmo em nossas sensações, diante disso, já não somos mais tão sós como costumávamos pensar que éramos. Isso é deveras romântico para o mundo moderno. Um criador do novo mundo, concebe não apenas obras de arte, mas também um produto de mercado. A era industrial já é imperante nas artes plásticas há algum tempo. Isso é evidente. Não temos escolhas. Está na hora de obtermos segurança e proclamarmos para nós mesmos que, se tratando de artes, não é uma questão de ser melhor ou pior, uma perante a outra, e sim de diferença. Os trabalhos que denominam ou denominamos inferiores, não são arte e não são construidos por artistas. É fácil se desprender dessa preocupação, somos capazes de despreza-los, pois temos um problema mais importante para resolvermos: a projeção do bom artista.

    É preciso perceber que, embora saibamos da evolução na produção artística contemporânea brasileira e sua ascensão no mercado internacional, isso precisa trazer benefícios maiores para os artistas e deve ser, também, motivo para fortalecer a cena de arte nacional. O que não acontece. Necessitamos da mesma força que hoje possuem os críticos e curadores, que vendem suas publicações mais do que nossas obras, além de vender apenas os artistas que os favorecem, estabelecendo o segmento da vez a ser explorado. Devemos bagunçar as linhas dos olhares desses que vos falo, nos impondo através de pensamentos representados por nossos trabalhos. Estes não precisam desprovir de seu alicerce com a arte, eliminando seu compromisso com a estética, mas deve vir com mais força e evidência. Precisamos ferver um caldeirão de manifestos. Mais do que nunca, devemos nos mobilizar, romper as barreiras que nos separam, conceber um marco na produção de arte nacional e extinguir os caminhos que projetam o artista, que não sejam através de seus trabalhos.

    Não somos e nunca fomos carentes de boa arte e sim de valentia. A não arte ou não artistas, agora deficientemente denominados, deixarão de existir na medida em que os manifestos ressurgirem com demasiada contundência. Que deverá, por obrigação, expandir a “força” dos circuitos de artes plásticas de São Paulo e Rio de Janeiro, para as demais regiões do país através de uma nova referência.

    O futebol brasilero não se encontra em sua melhor fase, quanto às artes plásticas, não a arte, mas a cena de arte do Brasil também não se encontra em sua melhor fase. Isso já faz muito tempo. Nossos craques precisam vir com um aval de aprovação das competições europeias para defender nossa seleção, grandes artistas brasileiros estão nos representando muito bem na cena internacional, mas não são todos, e muitos são os que estão e não são.

    Vi recetemente uma entrevista com o artista paulistano Nuno Ramos e notei como ele falava da dimensão das obras concebidas pelos artistas de hoje, através do apoio de instituições publicas. Isso já é um grande avanço, podermos contar com essa possibilidade. Precisamos agora que surjam mais centro-avantes oportunistas e nos façam felizes com seus gols, levando nossa seleção mais uma vez ao topo. E para as instituições, precisamos de cabeças não elitistas, não separatistas, não preconceituosas e, sobretudo, não precisamos de cabeças parciais com seus apadrinhamentos. Mas de mentes que saibam organizar, honestamente, a projeção artística e internacional que aqui consiste, através da consciência sobre a importancia dos artistas também se beneficiarem de maneira justa. Uma idéia é que, isso já seria possível se academias de artes e autoridades por trás de grandes instituições, publicas ou particulares, prestassem a devida importância para a construção de laboratórios que possibilitassem aos artistas, o desenvolvimento de seus projetos e pesquisas com a estrutura necessária. A avaliação desses, poderia vir através de editais.

    Pensem bem, todos sairiam ganhando. Teriamos mais estrutura, mais artistas preparados e sem a necessidade de reler Duchamp, logo, teriamos um vanguardismo sem desespero, mais atividades, manifestos de grupos em ambientes não convencionais, intervenções mais sofisticadas e permanentes nas ruas, mais críticos publicando seus textos, mais e boas noticias para os cadernos culturais da midia impressa, mais galerias vendendo trabalhos de artistas, instituições publicas e academias de artes com mais prestigio, e o apreciador, feliz com seu aprendizado e deleite estético.

    Assim sendo, penso que as feiras de artes mais importantes seriam realizadas aqui mesmo, no Brasil. Os Europeus pagariam pelo que somos e fizéssemos, não pelo que eles acham que valemos. E nossa economia ficaria muito feliz por isso.

    Tito Oliveira – Artista Plástico

  • claudio silva-Khuru, 27 de junho de 2009 @ 13:32 Reply

    Belissímo texto, na qual, explicita não somente a estetica da arte como a prórpia barbarie cultural em crise no seu inexpressivel processo de criação que vulgamente se conceitua de contemporâneidade.
    Se fico de semi-luto artístico neste réquiem e/ou em eterno retorno do niilismo conceitual da arte e da não-arte. Quem foi que morreu, foi a Arte ou os Artistas?

    claudio silva-artista visual-presidente da Associação Arte Solidaria Internacional

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *