Imagem: Marfsworks
Primeiramente gostaria de deixar bem claro que acredito que a Lei Rouanet precisa de mudanças sim, que não sou contra a gestão atual do Ministério da Cultura, muito menos contra a pessoa do Sr. Ministro Juca Ferreira. No entanto, há de se ponderar que a forma como as mudanças da lei vem sendo propostas são um pouco antiquadas.

Na noite de ontem, o Ministério da Cultura reuniu algumas pessoas que julgou importante (pesquisadores e/ou possuidores de poderes formais), em um debate sobre a nova Lei Rouanet. Durante cerca de duas horas e meia, foram apresentados belos discursos, bastante coerentes, calcados em números e reflexões sobre o porquê mudar a Lei Rouanet. Gostaria de salientar a ação, bastante natural, dos membros da mesa em direcionarem seus discursos na proteção de suas respectivas áreas do conhecimento, sejam elas educacionais ou jurídicas. Ao público presente, cerca de quatrocentas pessoas, às quais caberiam os questionamentos, foram delegados menos de um quinto do tempo. E ai se instaurou uma grande confusão.

O Sr. Ministro parece se orgulhar de utilizar essa ferramenta tão democrática, que é o debate, tendo realizado mais de quinze debates em várias capitais do país, reunindo um público avantajado. Parece se orgulhar de ter realizado uma grande consulta pública, através da qual recebeu mais de duas mil propostas em apenas quarenta e cinco dias. Resta saber se estas propostas estão sendo de fato ouvidas e assimiladas, ou se o Ministro permanece atento aos discursos apenas se preparando para o contra ataque, no qual costuma triunfar, pois possui um excepcional talento com as palavras.

Parece que ele se propõe um desafio, convencer o público de sua posição, a qualquer custo, e para isso esta disposto a se utilizar dos trinta e oito estratagemas de Artur Schoppenhauer.

Os discursos da mesa de ontem foram louváveis, no entanto tardios. Ao invés de apresentarem as propostas de mudança na lei, apresentaram o porque mudar a lei. Talvez, debates como esse devessem ter acontecido, com essa finalidade, anteriormente as propostas de mudança. Observo cada vez mais um amadurecimento, por parte do Ministério, na argumentação do porque mudar a lei, no entanto, ainda não pude perceber essas reflexões absorvidas em um novo texto de lei. E é nessa hora que preciso concordar com o advogado e professor Maurício Fittipaldi no questionamento feito após o debate, sobre se as falas estão concretizadas no texto da nova lei.

Ao que me parece, o que debate da noite de ontem, nada mais foi que um ensaio para as discussões das mudanças da Lei Rouanet no Congresso Nacional.

Um espaço no qual o Ministro deverá encontrar menos questionamentos e mais apoio para realizar as suas propostas.


contributor

Rafael Munduruca, jornalista e produtor cultural, atualmente pos-graduando em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos pelo Centro de Estudos Latino-Americanos de Comunicação e Cultura da Universidade de São Paulo.

7Comentários

  • Naila Broisler, 9 de junho de 2009 @ 17:12 Reply

    Rafael e a todos que estão lendo,

    Como bem sabe, também estava no “debate” e fiquei muito infeliz com tudo que vi. Primeiro, a composição da mesa, não tirando o mérito de nenhum individualmente, mas que no todo, parecia um bando de pessoas intelectualizadas, com um discurso lindo, realmente de aplaudir, mas que no fundo, não passaram de puxa-sacos. Sinceramente, pareciam querer uma manipulação de massas, ainda tentando convencer de uma ideia que todos já sabem; afinal já existiram mais de 15 debates sobre isso. O Ministro, que se diz extremamente democrático, ainda insiste no mesmo discursinho e como já pontuou, abre tão pouco tempo para o público. Isso é um debate? Que perda de tempo é essa ainda fazer dessa forma? Acredito eu que nem ele está convencido. E o mais ridículo, que me deu muita raiva, quando começou a falar sobre o medo. Fiquei com vontade de colocar um “bigodinho” nele à la Hitler.

    Ele não entendeu que, ao meu ver, a maioria de gestores, produtores, artistas e afins, não estão com medo de mudanças, mas sim por quem estão sendo feitas e também a forma como estão sendo colocadas, ou melhor, não colocadas! Um discurso muito mais subjetivo do que objetivo. Discurso por discurso muitos podem fazer e bem! Mas e os dados? Quem são essas pessoas, esses pareceristas? Eles entendem de cultura? Sabem sobre arte, políticas públicas de fato? Gostaria de ver seus currículos. Lutar pelo não dirigismo dos projetos começa em não ter dirigismo de pessoas lá dentro do Minc.

    Eu me senti extremamente burra ontem, pois disseram coisas que todos já sabem em uma apresentação de power point, parecendo mais um primeiro dia de aula de cursinho, onde todos estão fazendo o repeteco.

    Se a Lei Rouanet não existisse, não seria a favor de sua criação agora, pois acho que deveriam existir sim programas diretamente vindos do Estado para o incentivo à cultura, disponibilizados 2% para o Plano Nacional de Cultura. E as empresas privadas que patrocinassem quem quisessem, sem essa dependência do Minc. Mas isso é meu pensamento utópico!
    A realidade, como todos bem sabem, é que ela existe e funciona de certa forma. Empresas pensam em dinheiro, lucro e imagem. E assim vai ser. Está inerente a elas quererem ganhar a sua parte do bolo. Você quer, eu quero, todos querem! E mudar isso, acho um pouco impossível, pois entra uma mudança profunda de valores, que foge bemmmmm do sistema capitalista.

    Como se adequar então?
    Poderia haver uma luta maior pelo Minc em tentar conseguir esses 2% de verba para servir ao Plano, promovendo cultura vinda direta do Estado, aliada à promoção, dirigista ou não, vinda das empresas privadas; ampliando a Cultura, tanto como pré-requisito básico para formação de uma sociedade, como a Educação, Saúde, mas também, como uma possibilidade de um maior desenvolvimento de Economia Criativa.
    Para viver de Arte e Cultura, é preciso dinheiro. Para ter dinheiro, é preciso trabalho e para trabalhar, é preciso condições intelectuais e finaceiras também para se desenvolver. E isso é dado pela educação cultural. Cultura é sim a Base, mas também é Economia. Não dá para separar no sistema em que vivemos!
    Chega dessa perda de tempo em promover debates que não são debates, mas sim aulas emburrecidas, demagogas para cabeças, entituladas sutilmente por eles, não-pensantes.
    Que tal, Minc, colocar a mão na massa?

    Abraços,
    Naila Broisler.

  • Humberto Negreiros, 9 de junho de 2009 @ 23:01 Reply

    Interessante o posicionamento de Rafael Munduruca, principalmente no que diz respeito a uma certa postura do Sr. Ministro. Ouvir outras vozes em um ouvido e deixar elas saírem do outro lado não adianta. O texto de lei também precisa ouvir essas outras vozes. Precisa, mais que isso, incorporar outras opiniões na medida do possível. Se não for assim, não há debate, há rebate.

    Curioso também é notar a presença do Sr. Ministro da Educação, Fernando Haddad, ontem naquilo que deveria ser um debate. Não teria acontecido, no que se refere ao Reuni, a mesma postura de negação de outras propostas??

    De qualquer forma, o Reuni possui vários pontos positivos. Da mesma maneira, a Nova Lei Rouanet. Entretanto, ambas propostas ainda podem melhorar. E começar ouvindo pode ser uma boa postura.

  • Guilherme Varella, 12 de junho de 2009 @ 13:35 Reply

    Rafael, Naila e demais,

    colegas de envolvimento nessa importante discussão da reforma da Lei Rouanet, permitam-me discordar um pouco de vocês.

    Como vocês, estive no debate da última segunda-feira. Com certeza, estivemos todos em vários dos debates que vem sendo realizados sobre a reforma da Lei Rouanet. E desses todos, um dos mais qualificados que presenciei desde o início dessa discussão foi esse da AASP. Inclusive postei umas reflexões a respeito lá no meu blog (www.guilhermevarella.blogspot.com), mas quero dialogar com vocês por aqui, em linhas gerais, e explicar porque acredito que ele contribuiu.

    Mais que os números expostos – campo em que há uma briga das instituições privadas contestando números oficiais do MinC e do TCU, o que ficou claro no próprio debate -, acredito que o mais importante na discussão foi a explicação muito séria e profunda sobre o impacto social do projeto de reforma, das bases conceituais em que se deitou e da conjuntura atual da cultura, a partir da qual foi pensado, e que em muito difere daquela em foi criada a atual Lei Roaunet.

    Mais que isso ainda. O debate chamou a atenção, sendo realizado na Associação dos Advogados de São Paulo, para quão importante é a ação jurídica responsável com uma política cultural realmente popular e democratizante. Uma atuação dos advogados e legisladores – nessa fase de consolidação da reforma – que colabore com o projeto, de maneira a contribuir positivamente, propor efetivamente melhorias e corrigir eventuais vícios. Enfim, usar a técnica não para manter os privilégios que já existem – dos quais usufruem os que tem acesso à lei e à verba -, mas para ampliá-la e criar mecanismos que realmente visem o sentido público da cultura.

    Sentido público que, participando atentamente do debate percebeu-se, foi o que mais se debateu. E dizer que isso não é importante nesse momento, acho verdadeiramente descabido.

    Mesmo que se queira ignorar as falas dos ministros presentes. Juca Ferreira, Ubiratan Aguiar, do TCU, e Fernando Haddad, da Educação (que, aliás, trouxe um bom exemplo da “Lei Rouanet da Educação”, como mecanismo de incentivo e parceria público-privada bem-sucedido). Mesmo que se considere apenas as falas dos professores presentes, Renato Ortiz, da Unicamp, e Maria Victoria Benvides, da USP. O saldo do debate continua sendo positivo.

    Primeiramente, é inegável a importância que ambos os professores tem para a construção das bases teóricas das políticas culturais e educacionais no Brasil. Segundo, suas contribuições trouxeram um sentido social e prático imprescindível para o entendimento da importância da reforma da Lei Rouanet. Achar que isso é simplesmente “puxassacar” o projeto do governo é, no mínimo, menosprezar tanto o alcance dessa mudança legal, quanto a própria importância desses professores nessa área.

    Falaram da diferença entre direito e privilégio no campo da cultura, de direito à expressão como liberdade ativa, do conceito de cidadania cultural para além do discurso vazio, mas com um embasamento ímpar. Explicaram os temas que demandam a nova conjuntura mundial da cultura, e que a reforma abarca. Elucidaram fenômenos e conceitos importantes para o entendimento da mudança, como a diversidade como ressiginificação das diferenças, a mundialização da cultura e a conseqüente problemática da identidade. Enfim, trouxeram bases sólidas e, como teoria e práxis são indissociáveis, bases de pragmatismo essencial.

    A despeito da intervenção do representante da ONG Transparência Brasil, que disse ser essencial transplantar para os projetos culturais os mesmos indicadores que as empresas exigem das ONG´s quando nelas injetam dinheiro. Intervenção sumariamente desconsiderada pelos presentes. A despeito disso, não há como negar a importância prática e a qualidade do debate.

    Sobre as colaborações da platéia, algumas deixaram claro o que tentei explicar acima. A diferença de defender direitos e defender privilégios. Umas chamavam a atenção para o caráter público da reforma. Outras, defendiam a importância dos bancos para a democratização cultural do país. Umas exigiam o aumento de verba direta pro MinC e pra cultura. Outras, atentavam para os “fatais” e “incorrigíveis” erros jurídicos do projeto.

    Enfim, colaborações muito válidas. E, diga-se de passagem, numerosas: saí de lá uma hora e meia depois da primeira fala do público, e ainda havia inscritos.

    Por fim, o que me chamou muito a atenção foi a cobertura da imprensa, que acompanhou todo o debate. Ao final de tudo, saindo da AASP, vi dois escolhidos para postarem-se ao microfone de uma grande emissora de televisão carioca, que patrocina filmes e peças de seus atores, via Lei Roaunet. Dentre tantos artistas, advogados, produtores, professores e ministros presentes, dois atores dessa emissora foram pinçados para dar sua opinião sobre o debate. Assisti ao vídeo na internet depois. Afirmavam, veementes, que foi um absurdo.

    Bom, em se tratando de direito, privilégio, sentido público e desenvolvimento social do povo pela cultura. Em se tratando de tudo que se falou no debate. Se essa visão “noticiada”, talvez por demais técnica, talvez privilegiada, entendeu que o debate foi um absurdo, minha convicção sai fortalecida sobre o contrário. O debate, público, da última segunda-feira, foi realmente muito qualificado.

    Abraços abertos ao diálogo.

    Guilherme Varella

  • Guilherme Varella, 12 de junho de 2009 @ 14:27 Reply

    Apenas uma errata. Escrevi 09 de junho para uma segunda-feira que foi 08. Desculpem a confusão. Abs. Guilherme.

  • Leonardo Brant, 14 de junho de 2009 @ 3:35 Reply

    Guilherme, o discurso do ministro é demodé. Está com pelo menos uma década de atraso. Sem falsa modéstia (até porque ele reflete o senso de uma época e não somente meu ponto de vista), meu livro Mercado Cultural, publicado em 2001, trazia um diagnóstico mais complexo e preciso que o do MinC, repleto de manipulação e de achismos baratos. E já apontava soluções mais concretas que o Profic para os efeitos nocivos da Lei Rouanet, que estamos todos carecas de saber. O que não sabemos é o que ele pretende fazer na prática, já que o projeto de lei apresentado é tão frágil quanto a sua gestão frente ao MinC. Abs, LB

  • Guilherme Varella, 15 de junho de 2009 @ 13:31 Reply

    Léo, note que não falei do discurso do ministro. Inclusive ressaltei que o debate que presenciamos foi bom afora ele, até por trazer várias considerações que coadunam bastante com o pensamento complexo acerca da Lei – como você expõe no seu livro, que já li e inclusive já discutimos.

    Contudo, acho que esse recurso retórico do “discurso do ministro” tem se transformado muitas vezes em “boi de piranha”, pra boiada (pouca) passar com seu entendimento sobre a manutenção do atual modelo.

    De fato, existe um lapso de 10 anos (mais, até). Mas não creio que esse lapso é de discurso, pois as discrepâncias da Lei Roaunet tem os mesmos fundamentos, aperfeiçoada apenas a indumentária profissional que a estrutura. Acho que o lapso é de ação política, que agora se dá, na tentativa de alterar o atual modelo. E que agora, portanto, recebe resistência de quem depende de sua conservação.

    E volto à utilização do “boi de piranha”, pois a ação política efetiva para o projeto é recente, mas o discurso da mudança não é do atual Ministro e nem é de agora. O próprio ex-ministro Gil, logo que assumiu o Ministério, dava sinais concretos de era preciso transformar o sistema de renúncia fiscal.

    Ocorre que, saído Gilberto Gil, em quem seria bem mais difícil bater com o “discurso do ministro”, tenta-se criar um bode expiatório de nome Juca Ferreira. Personaliza-se a crítica e facilita-se a defesa do atual modelo.

    E sobre a questão do famigerado discurso ser demodé, em se considerando o significado de “moda” como determinado comportamento que uma parcela da população impõe às outras, por um período de tempo, e se utlizando de meios que só essa parcela domina. Se é isso é o que siginifica moda, sou mais pela diversidade. Mais pela diferença. E fico com o que está fora dela.

    Abraços,

    Guilherme

  • Leonardo Brant, 15 de junho de 2009 @ 23:59 Reply

    Boa Guilherme,

    Tenho três comentários a fazer. Por serem muito longos e muito complexos, vou dividi-lo em artigos, a serem publicados nos próximos dias.

    O primeiro é a legitimidade do dito “mercado cultural”, que por obra e acaso de Fernando Collor (ou até mesmo Sarney) sobrevive da Lei Rouanet. Um mercado que se constituiu, se desenvolveu e se qualificou diante dessa dura e difícil realidade, por pura falta de opção. E porque a Lei é um direito para este mercado.

    O segundo é em relação ao discurso. O que ele representa numa política cultural. Acho que vale analisá-lo diante de outros elementos da política (sustentabilidade, articulação, estrutura, orçamento), diante de sua intencionalidade e sobretudo diante de sua aplicabilidade. Enfim, a diferença entre a fala e a proposta é o que mais me perturba.

    O terceiro parece mais bobo, mas é um contraponto necessário a essa coisa nazista de dividir o mundo em mercado e diversidade. Vale fazer um retrospecto para os leitores sobre a questão histórica da diversidade. De onde surgiu e pra onde caminha. Tem muita apropriação indébita nisso e não é só dos Estados Unidos, que comandam o grupo dos “amigos da diversidade” na Organização Mundial do Comércio.

    Enfim, continuamos em seguida. Abs, LB

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