Mais uma vez os Seminários Internacionais do Museu Vale conseguem mobilizar a cidade e a mídia nacional instigando os participantes a refletirem sobre temas contemporâneos e de fundamental importância para criadores e estudiosos da arte.

O tema deste ano foi “Criação e Crítica”, nada mais pertinente nesse nosso mundo globalizado, no qual as informações circulam com muita rapidez e são de acesso fácil, e cujos meios de comunicação de massa almejam uma sociedade homogênea e uniforme apta a consumir os mesmos produtos, as mesmas atitudes e os mesmos valores.

O exercício do pensamento crítico, portanto, sobretudo frente à obra de arte, adquire um significado especial, uma vez que quase todas as mercadorias – reais ou virtuais – aparecem revestidas de um invólucro “artístico”, seja um objeto qualquer de consumo cotidiano, ou o objeto artístico propriamente dito. Nesse aspecto, a reflexão crítica será sempre antagônica a uma sociedade que se pretende nivelada pelo raciocínio do cidadão “médio”.

Ao longo da história, a crítica criou seus próprios cânones que passaram a retroalimentá-la servindo-lhe de referência para a análise das obras que iam e vão surgindo ao longo do tempo. Para muitos, o crítico profissional que age como um juiz determinando o que é ou não é arte, o que deve ou não deve ser consumido, é uma espécie em extinção, do mesmo modo que os cânones experimentam um processo de dissolução e de esfacelamento em nosso mundo pós-moderno, no qual as fronteiras entre as artes e entre as diversas áreas do conhecimento se diluem, se confundem e se mesclam continuamente.

Em nossos dias, o discurso crítico criativo tem se transformado muitas vezes em obra de arte, do mesmo modo que a obra de arte assimila em sua própria feitura a postura crítica diante de si mesma e de sua forma de recepção. De Jorge Luiz Borges a Umberto Eco, de Roland Barthes a João Cabral de Melo Neto, de Otávio Paz a Hans Magnus Enzensberger, há inúmeros exemplos dessa combinação enriquecedora que cria o discurso crítico artístico ou artístico crítico, e abre novos horizontes tanto para a arte, quanto para a crítica.

Por outro lado, se de fato os cânones tendem a deixar de ser referência para a análise crítica da obra de arte, o que ocuparia o seu lugar? A crítica hoje seria então um exercício de pensamento e de argumentação construído a partir das experiências pessoais? Seria resultado de um olhar individualizado e criativo na formulação de um discurso referencial, um dentre muitos na pluralidade de visões e de perspectivas que caracteriza a sociedade atual?

Quem sabe, tal como a crítica tem na arte a sua razão de existência, a arte hoje precisasse introjetar cada vez mais a crítica no seu processo de criação a fim de se reformular e se constituir num parâmetro imprescindível para as novas relações entre perspectiva crítica e transformações sociais para então “forjar uma verdadeira potência crítica da cultura”, como afirmou Tania Rivera em sua intervenção.

Parabéns aos organizadores e aos participantes desse importante evento em sua quarta edição.


Gestor Cultural, diretor de teatro, dramaturgo e tradutor. Foi gerente na Secretaria de Políticas Culturais do MinC e é sub-secretário da cultura do Espírito Santo.

1Comentário

  • Alexandre Reis, 5 de abril de 2009 @ 15:13 Reply

    Caro Erlon, é bem verdade que “a reflexão crítica será sempre antagônica a uma sociedade que se pretende nivelada pelo raciocínio do cidadão “médio”. Mas, em outras sociedades e em outros momentos foram eles que determinaram o percurso cultural e religioso de sua realidade corriqueira, por assim dizer. Nas sociedades druídas e bretãs pagãs, por exemplo, foi com este tipo de raciocínio que eles edificaram as suas doutrinas e os seus costumes, quem sabe mais democraticamente do que muitas outras mais contemporâneas. Muitos de nós vivemos ainda perto daqueles tempos remotos de mais de cinco mil anos atrás, pois ainda não somos completamente capazes de interpretar as nossas próprias experiências pessoais e delas construirmos uma crítica em prol de uma estética auto-gestionável. Não devemos nos esquecer meu caro Erlon, que somos seres culturais posteriores à reprodutibilidade técnica anunciada por Walter Benjamin e que, hoje, a cópia de tudo domina a vontade criativa. Sim, neste contexto é muito difícil que a crítica possa ser genuína e original. E o que eu percebo é que operacionalizou-se demais as palavras, enquanto as ações perderam a potência crítica diante de uma cultura que derrapa entre o fazer e o argumentar infinitos.

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