O Decreto 7647/2011, de 22 de dezembro de 2011, também chamado de Nova Cota da Tela, é um instrumento regulatório orientado pela ANCINE para promover o aumento da competitividade e a sustentabilidade da indústria cinematográfica nacional. A cota da tela já foi usada por vários países com esse intuito e no Brasil, a “reserva de dias”, como é entendida pelos profissionais do mercado cinematográfico, foi estabelecida pela primeira vez na década de 1930.

Foto: Kio Stark Da época de Vargas até o governo de Dilma Rousseff, muitas coisas continuam. A primeira é que a cota da tela continua sendo um instrumento comum entre os governos que se preocupam com o mercado nacional da indústria do cinema brasileiro. Ou seja, se no passado foi o decreto lei do então presidente Getúlio Vargas que determinou esta decisão e não o Congresso Nacional, que deveria legislar sobre o tema, hoje é o artifício da medida provisória encontrado no art. 84, inciso IV, da nossa Constituição que dá força para que a atual presidente Dilma Rousseff determine uma política econômica para o setor de exibição de filmes no território brasileiro.

Depois de 80 anos, temos um poder legislativo que ainda não se importa pelo produto cinematográfico brasileiro. O que também não mudou foi a situação do nosso cinema com relação à indústria cinematográfica estrangeira, principalmente a norte-americana, que domina em bem mais de 4/5 das nossas salas de exibição. Chegando ao ponto de nos dias atuais, termos quase 50% das salas de cinema no Brasil, aproximadamente 1.100 salas, exibindo um único filme estrangeiro/hollywoodiano. Veja os casos nos dois últimos anos, com “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte 2” (Harry Potter and The Deathly Halows – Part 2, David Yates, 2011), “Rio” (Carlos Saldanha, 2011) e recentemente com o filme da “Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 1” (The Twilight Saga: Breaking Dawn – Part 1, Bill Condon, 2011).

Essa mazela se tornou intimamente crônica na nossa economia da cultura do cinema brasileiro, como um “mal necessário” para os nossos exibidores, que não conseguem ter um superavit nas suas receitas caso não mantenha uma “preferência” pelos filmes estrangeiros, especialmente os hollywoodianos, mesmo que sejam de péssima contribuição para a cultura nacional. Haja vista que nossos exibidores precisam passar um conjunto de filmes da mesma produtora para exibir o grande blockbuster tão esperado pelos cinéfilos consumidores.

Nos dias atuais, o decreto 7647/2011 é muito simples, possuindo quatro artigos e um anexo. O Art. 1o trata que as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatários de salas ou complexos de exibição pública comercial estão obrigadas a exibir, no ano de 2012, obras cinematográficas brasileiras de longa metragem, no âmbito de sua programação, observado o número mínimo de dias e a diversidade de títulos fixados no Anexo a este Decreto.

Há um parágrafo único neste artigo que aborda sobre a obrigatoriedade de que trata a lei abrangendo salas, geminadas ou não, pertencentes à mesma empresa exibidora e que integrem espaços ou locais de exibição pública e comercial localizados em um mesmo complexo, conforme definido por instrução normativa expedida pela Agência Nacional do Cinema – ANCINE.  O Art. 2o fala dos requisitos e condições de validade para o cumprimento da obrigatoriedade de que trata esta Decreto, e sua forma de comprovação, serão disciplinados em instrução normativa expedida pela ANCINE.

O art. 3o determina que a ANCINE, visando a promover a autossustentabilidade da indústria cinematográfica nacional, o aumento da produção, da distribuição e da exibição das obras cinematográficas brasileiras, regulará as atividades de fomento e proteção à indústria cinematográfica nacional, podendo dispor sobre o período de permanência dos títulos brasileiros em exibição em cada complexo em função dos resultados obtidos. E o Art. 4o esclarece que o Decreto entra em vigor na data de sua publicação, que foi no dia 22 de dezembro, uma quinta-feira, as vésperas de fim de semana de natal, no qual muitas famílias correm para os shoppings centers, local onde se concentra a maior parte das salas de exibição no Brasil.

O anexo é o instrumento mais esclarecedor, por definir a quantidade de dias e de títulos que devem ser exibidos pelo número de salas de cinema. No caso básico, o exemplo de um estabelecimento que possua uma única sala de exibição deverá exibir pelo menos 3 títulos diferentes da produção cinematográfica nacional, em 28 dias. A questão é que os 3 filmes nacionais deverão ocupar somente os 28 dias do ano naquela sala de exibição, criando uma média de 9 dias para cada filme. Na outra extremidade do anexo, temos o caso de um estabelecimento que possua 20 salas de exibição, deverá exibir 14 títulos filmes nacionais, em 644 dias.

Ou seja, em média cada filme deve ficar 46 dias em cartaz numa sala de exibição, mesmo que haja sobreposição de dias, isto é, numa sexta-feira temos 4 filmes brasileiros, isto contará no cálculo da empresa para cumprir a cota da tela do cinema nacional a quantidade de 4 dias. É aí que se mostra a fraqueza do decreto quanto à valorização do filme brasileiro, pois não cria condições de manter uma programação anual de filmes nacional de maneira regulatória, por acreditar que as produtoras irão lançar seus filmes de maneira equitativa em todos os meses do ano.

Sabemos que nas estratégias de mercado do filme nacional se aproveita os períodos de férias em janeiro e julho para lançar os filmes, criando alguns verdadeiros vácuos da exibição de algum filme nacional, no qual numa sala de exibição no Brasil, poderá demorar cerca de 270 dias/9 meses para ser exibido outro filme nacional. Daí muitos exibidores planejarem em aproveitar a decisão dos produtores em lançar seus respectivos filmes para cumprirem sua cota e se livrar da fiscalização, mas pouco se importam, até provem anualmente, pela sequência anual dos filmes nacionais.

O caso do filme “O Palhaço” (Selton Mello, 2011), indicação do governo brasileiro para Oscar 2013, que se tornou bastante típico para as produtoras independentes no Brasil, pois abriu a estratégia de lançar cerca de 250 cópias nas salas de cinema no Brasil. Por criar uma campanha dessa magnitude, chamou a atenção do público atraindo pela quantidade de salas assim como pela qualidade do filme (elenco, enredo, equipe). Dessa forma, o filme foi ocupando seu espaço e diminuindo o espaço dos próximos filmes que seriam lançados em 2011.

O desejo dos exibidores de cumprir a cota da tela nacional foi saciado com um filme que rendeu a maior bilheteria de filme nacional no ano. O mesmo caso aconteceu com o filme “Tropa de Elite 2” (José Padilha, 2010). Nestes dois casos, a solução encontrada pelas produtoras foi adiar o lançamento de seus filmes para o ano seguinte, pois poderiam perder algumas semanas ou dias preciosos para arrecadação da sua bilheteria.

Outra desconsideração do decreto está em não determinar a quantidade de sessões/horas para exibição do filme nacional. Pois, como é sabido pelos profissionais brasileiros, o cinema nacional é pouco prestigiado pelos exibidores mais ambiciosos. Por uma simples razão de não dar o retorno esperado para seus negócios e, assim, preferindo qualquer filme estrangeiro que tenha um bom trailer de ação, terror ou comédia para capitalizar seus empreendimentos.

Os exibidores, para resolverem seu problema de preencherem a cota de tela, tomam, então, a decisão de colocar uma única sessão por dia, num horário de pouco destaque, como na primeira sessão da tarde ou na última sessão da noite, durante a semana ou somente nos dias mais fracos de bilheteria, para que sobre os melhores dias e as melhores sessões para os filmes que acreditam que trarão êxito, ou seja, mais lucro.

*Continua na próxima semana (clique aqui para ler a primeira parte e aqui para ler a segunda parte)
**Publicado originalmente no blog da revista Quem Viver Verá


author

Distribuidor, realizador, professor e crítico de cinema. Criador da Revista Quem Viver Verá!, presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo - Seção do Distrito Federal da ABD Nacional e Secretário-Geral do Congresso Brasileiro de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *