Cultura Viva é o mais interessante, provocativo e instigante programa de governo que já tivemos na área cultural nos últimos tempos. Sobretudo por trazer consigo todas as contradições do nosso tempo. E, infelizmente, por amargar todas as fragilidades do Poder Público e de sua relação com as outras esferas da sociedade.

A entrevista realizada com Célio Turino por Carlos Minuano para Cultura e Mercado expõe bem essa realidade. Seu discurso, sensato e realista, talvez soe dissonante diante das propostas mirabolantes do Ministério da Cultura, sobretudo das recentes declarações do novo ministro, Juca Ferreira, que toma posse na próxima quinta-feira, na sede do MinC, prometendo realizar oito anos em dois.

Difícil a tarefa de encontrar coerência no discurso do novo ministro, que em vez de assumir as próprias fragilidades diante da Lei, ataca empresas e artistas pelo seu uso inadequado. Mas, por outro lado, atua de braços dados com ela para executar suas ações governamentais.

Em recente apresentação realizada pelo secretário Roberto Nascimento ao Conselho Nacional de Políticas Culturais, as mudanças da Lei trazem o já marcante  ímpeto governamental de chamar para si o poder de decidir onde e como devem ser investidos os parcos recursos da nossa cultura.

O fato em si preocupa, mas justifica-se levando em conta algumas (não todas) atitudes do mercado, a começar pela própria Petrobras, que age em seus contratos com produtores e artistas de forma abusiva, obrigando-os a sobrepor as demandas empresariais sobre os empreendimentos e projetos socioculturais, tirando-lhes a autonomia em nome de uma lógica de mercado própria, sequer praticada pela grande maioria das empresas privadas.

Mas a situação se alarma quando o assunto é o programa Cultura Viva. Devemos discutir cada vez mais a relação do Estado com esse programa e lutar para que os Pontos de Cultura consigam efetivar a tão alardeada autonomia em relação ao próprio programa.

A TEIA é o lugar e o espaço adequado para trazer essa discussão à sociedade. De fazer os 200 mil pontos de cultura, mencionados por Chico Simões nessa importante entrevista concedida a Cultura e Mercado,  apropriarem-se de vez deste programa que não é do governo, mas de todos nós: críticos, artistas, produtores, ativistas, governistas, direitistas, esquerdistas, cidadãos…

E o momento de propor ao Fórum Nacional dos Pontos de Cultura um espaço para discutir e empreender um programa não para os beneficiários deste programa, mas sim para toda a população brasileira. Pois a responsabilidade de decidir e dirigir o foco do programa para um grupo de privilegiados que apóia as ações deste governo, ou para um universo mais amplo, está nas mãos deste Fórum.

Nesse sentido, a proposta de discussão trazida pelo Laboratório de Políticas Culturais é rica. Badah exercita uma interessante parábola, trazendo a discussão para a diversidade cultural e aplicabilidade das políticas internacionais para a cultura.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

1Comentário

  • Wilson Merlo Pósnik, 26 de agosto de 2008 @ 11:49 Reply

    Caro Leonardo:
    Você toca num ponto interessante: os Pontos e a contribuição ‘dissonante’ do Célio Turino. Tive oportunidade de conversar com ele, algumas vezes, quando fazia parte da Secretaria do Paraná. Achei dos únicos lúcidos da equipe. Mas, ‘corria por fora’. Tinha pouco a ver com o centralismo do Juca Ferreira, que já era notório, desde o começo da 1o. período de Gestão Lula-Gil. Esse e outros programas, devem ter a tônica da transparência democrática, da participação crescente e decisiva da sociedade – até a sua assimilação completa por esta. Infelizmente, não é a ‘visão de mundo’, dessa espécie de ‘comissário do povo’ (sob o aspecto puramente burocrárico-autoritário). Seria um programa com práticas emancipadoras, por parte dos agentes sociais envolvidos, que pode estar definhando, a caminho do próprio fim.

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