“Sobre este pano de fundo, a adaptação ao modelo capitalista internacional tornou-se mais requintada, a perspectiva ideológica de racionalidade e modernização a qualquer preço. Ultrapassa o domínio industrial, impõe-se ao setor público e invade áreas até então não tocadas ou alcançadas, só indiretamente, como por exemplo, a manipulação da mídia a organização e o conteúdo de ensino em todos os seus graus, a vida religiosa, a profissionalização, as relações de trabalho e etc.” (Milton Santos)
A construção desse modelo teve início logo após a segunda guerra e passou por várias fases até chegar ao Brasil na era da Vossa Alteza, FHC, o “Barão de Cotegipe” da nova carta neoconservadora. Um visionário do império capitalista que, deslumbrado, recebeu o papel messiânico que lhe fora reservado no resgate a todos os cativos, empresários, até então, sem a total liberdade para avançar sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores.
As forças conservadoras trabalharam detalhadamente a engenharia da ampliação de espaços no mundo com duas principais vertentes, desenvolvimento e força militar, porém, a cultura é também uma das suas silenciosas metas de estratégia de domínio, dos fraques aos abadás.
No inicio da segunda metade do século XX, esse modelo caminhou no sentido do capitalismo financista e tratou de tentar acabar ou isolar as matrizes culturais da vida brasileira, com o inicio do entupimento das artérias de difusão, principalmente de rádios, TVs e de grandes jornais e revistas, tratando de uma nova ordem mundial que atendesse aos interesses de grandes grupos internacionais.
Quando o Presidente Lula assumiu o comando do país, encontrou um ambiente hostil a qualquer mudança que pudesse significar a quebra da hierarquia social, e as políticas públicas de cultura são o principal alvo dos ataques dos neoconservadores, seja pelos mosteiros dos monges sicilianos e suas tetas de ouro, seja agora, pela intermediação fisiológica das filiais da FEBRABAN e da FIESP que recebem a ordem do mérito, a “Rosa de Ouro” das mãos do Papa Leão XIII, FHC, as Fundações Culturais.
Quando Lula chegou ao governo, as “Fundações Culturais”, já haviam se consolidado como “suporte institucional” da nova imagem de modernidade que, entre outras coisas, atendia ao discurso prometido de choque de gestão e a cultura aparece como um produto novo de Marketing institucional para contrapor ao ambiente de oposição aos submundos das privatizações Fernandistas, desta feita, apresentando-se como madrinhas, padroeiras das letras e mecenas da renascença.
O símbolo de prosperidade das fundações tem como álibi a propaganda e a centralização no investimento em visibilidade, na forma e no conteúdo de suas ações, o que fez das fundações, num primeiro momento, um exemplo induzido, fabricado, de gestão público privada de cultura a ser seguido.
Por medo da imprensa e absoluta ignorância, o legislador brasileiro, fugiu dessa peleja, principalmente, pela falta de propósito claro dos representantes culturais, e também para evitar atritos com o tenebroso meio acadêmico/erudito, que há muito deixou de pensar para se jogar nos braços do mercado de teses. O resultado é que estamos todos até hoje num bonde velho e desgovernado, abarrotado, sem ficha e completamente fora dos trilhos do itinerário que deveria contemplar a sociedade como um todo.
Esse mecenas é a papa que age nas fundações que, na realidade atende a classe média que sentiu os efeitos das mudanças no formato da difusão com a chegada das novas tecnologias que, sem o investimento em publicidade e pela falta de retorno, essa sociedade média burguesa sente-se órfã de ídolos e, consequentemente de norte, agarrando-se assim ao “ambiente de estilo” proposto pelas fundações culturais,
Não precisamos recorrer a números, para nos certificarmos do engodo, da falácia que é a proposta vinda do distribuidor de “glórias universais”, do retoque na maquiagem das oligarquias financeiras que se gaba de ser o “Oráculo da Verdade” que já encontra a natural “zombeteira sociedade”, para fugir do assédio tirano e da carta do requinte cínico, este Action Française a brasileira.
Mas, infelizmente, nosso pensamento ministerial contemporâneo, ainda num diálogo de surdos, aceita a proposta desse viés, da cavalgada da direita, numa prática de favores imediatos, em honrarias seletivas, invertendo o caráter ético do ambiente artístico, jogando-nos ao sabor da carne individual, numa intimidade reluzente, bufa e de heroísmo publicado.
Seria tarefa da nova ordem ministerial o corte do cordão umbilical com o pensamento de casta intelectual proposto pela contrapartida monárquica vinda do principado FHC, então por que não o fez? Porque o nosso ministro perdido anda esbaforido numa luta sem fim com a planilha do IBGE embaixo do braço a confirmar sua crença de que a origem dos fracassados projetos oriundos de fundações culturais estão fundamentados na proposta sugerida pelo monsenhor dos conselhos curadores, FHC, justo ele que nos impingiu a marca “Caipira” para justificar sua corte de rapapés de botas estrangeiras.
Então o que fazer se a roda viva é reinventada por quem deveria estabelecer outra leitura? Se o ministro da cultura é o mestre-sala das bandeiras e estandartes, sob a mesma desconfiança, com o povo, vigiando com as suas armaduras burocráticas a cultura da sociedade de tradição oral, com lógicas alheias a este universo, quer ele que essa liberdade vigiada lhe garanta serventia política, mantendo o contraponto com a visão fernandista como num jogo de ping-pong “classista x caneteiro”.
Mas o que fica mais evidente na sua semelhança com esse universo plumitivo de Zé do Pato FHC, é a não percepção da legião de artistas regulares que atravessaram algumas décadas de chumbo de todas as formas para proteger um mínimo de espaço para a arte ligada às matrizes brasileiras.
Gente que se sacrificou em múltiplas tarefas, buscando solução para uma sobrevivência coerente com sua proposta artística, fundando selos, gravadoras, estúdios, editoras, enfrentando todas as adversidades de um Davi contra vários Golias e ainda encontram a mais cruel carga tributária em seus lombos esturricados de carregar peso que não lhes caberia como produtores e artistas.
Seria mais lógico e producente se o nosso Ministro buscasse um sentido de pacto federativo dentro da própria casa indo pessoalmente a grandes estatais e convocando para um plano de país e não essa imitação barata de gestão empresarial vinda dos departamentos de marketing das empresas, pois diferente disso assistiremos a cultura servindo de aparelhamento do setor privado e de todas as esferas do poder executivo e nos depararemos com constantes cenas de constrangimentos artísticos em prol da imagem de alguns políticos, como foi o caso da demissão do maestro da OSESP em conseqüência da crítica que fez ao governador de São Paulo, José Serra. Uma demissão feita absurdamente por email e com sentido de retaliação, pelo presidente do conselho que é do partido do Governador Jose Serra o ex- presidente, Fernando Henrique Cardoso, o vitalício conselheiro da irmandade de Nossa senhora do Bom Conselho dos Montes (Campos do Jordão) e suas lendas, boatos, sustos e golpes.
Essa sociedade protetora das artes, das letras, dos desígnios normativos de uma grande nação, com nome de “Fundação Cultural”, é a marca da contradição monárquica que cotiza agora o país, um abraço de afogado do mercado financeiro em cólera e que ainda quer manter o controle nos grandes centros.
“Como já vimos, o comando técnico das operações produtivas pode ser relativamente disperso, relacionado de forma direta com a atividade que deve ser regulada. Mas o comando propriamente político, que inclui a regulação normativa, financeira, informacional, tende a se concentrar em um número menor de lugares, sendo que no Brasil esse papel é realizado, sobretudo por São Paulo.
Brasília pode criar as grandes normas impulsionadoras ou limitadoras da ação, mas o uso dessas normas está subordinado ao interesse dos agentes mais poderosos. Em outras palavras, sendo o papel ativo da regulação ligado, como é, à ação, confere ao lugar que decide dos investimentos e de sua modulação a capacidade de promover uma história de concentração e de dispersão.
Nas condições do mundo atual, o papel das finanças internacionais, decididas como estão a submeter as moedas nacionais, também representa um papel central, no jogo acima mencionado.
O comportamento do sistema financeiro acaba por ter influência decisiva sobre a dinâmica da economia na medida em que alguns “dinheiros” são privilegiados, enquanto outros são negligenciados, arrastando uns e outros às atividades correspondentes e os lugares onde se situam.”
(Milton Santos).