A cultura brasileira de beneficiar aleatoriamente grupos empresariais e políticos no setor cultural continua a fazer vitimas. O povo brasileiro é, sem duvida, o mais atingido por esse vício que tem em sua face mais sombria justamente o caldo podre da mistura do público com o privado nesta questão.
Seria diferente se produtores idôneos combatessem os produtores instantâneos que nascem na calada da noite para se beneficiarem de verbas públicas em nome das boas intenções culturais, mas preferem um debate pequeno, medroso, e consequentemente destrutivo. O conjunto de políticas que serve a quem está chegando agora, se fortalece e, ao contrário, quem de fato construiu parcerias responsáveis e produtivas para cultura e o mercado se enfraquece e perde a autonomia, no caso, artistas e produtores.
A Lei Rouanet tem sérios problemas, o que não lhe tira o mérito de instrumento adequado para seus reais fins. Faz-se urgente uma discussão de forma isenta e franca sobre os prós e os contras da Lei, pois não adianta tapar o sol com a peneira. Quanto mais cedo e objetivamente discutirmos os erros, mais produtiva a Lei se tornará. As retóricas do tudo ou nada têm que cessar porque os principais agentes do processo estão a cada dia perdendo fôlego e logo a lei vai caducar.
Quero chamar a atenção para um outro fato, o contraponto do Minc aos erros das práticas da Lei Rouanet e o estimulo ao gatilho de um erro ainda maior nas suas políticas públicas. Tudo isso pela total ausência de um pensamento estratégico e responsável de uma política nacional de cultura.
Os primeiros ecos de programas como “Pontos de cultura”, por exemplo, não são nada animadores e eu me sinto à vontade para falar deles, pois defendi em tese suas intenções aqui mesmo nesta tribuna, mas também não tenho o menor problema de colocar minhas mãos à palmatória e parece que terei mesmo que colocar, pois como já disse, “a emenda está se revelando bem pior do que o soneto!”.
O que me parece é que, com essas políticas, teremos uma proliferação de “ongs” do fim do mundo, ou seja, uma epidemia maior do que a da dengue.
Vamos ao concreto: não é segredo pra ninguém que hoje e sempre os agentes deslocados para as visitações nas cidades brasileiras funcionam com um pensamento pré-colonial, agem como os regentes, tramitam nas pontes institucionais, ou seja, de coração a coração, de gabinete a gabinete, não há contato com o artista.
O Minc foge do corpo a corpo, tem medo de se contagiar e de ter que tomar atitudes concretas em prol do artista e da arte. Tudo é muito discursivo, muito evasivo. No tet-a-tet, os missionários do Minc têm verdadeiro pavor de ficar de frente para o crime, não constroem pontes diretas entre o artista e o Minc, não há uma relação franca, aberta, de cartas postas na mesa. Os nossos regentes fogem do real, tratam da questão do artista na esfera mediúnica, não vão direto ao clamor da arte, da produção da arte, onde as demandas se acumulam de forma pior que antes, porque as expectativas foram estimuladas.
Produzam, debrucem em seus trabalhos, mergulhem em suas paixões e vamos juntos, redescobrir o Brasil!
O Minc blefou, continua a caminhar na trilha do boi e não é bumbá, é o boi da cara preta que pega os artistas que têm medo de careta. Pior, o Minc, com mais recursos, está facilitando a passagem da boiada inteira pelo mesmo caminho, com direito agora, a pit stop, reabastecimento de verbas automáticas e acostamentos eternos, numa grilagem do terreno que, originalmente, era do artista. Novamente, assistiremos a mais um cenário virtual, onde são colocadas as práticas pontuais em destaque na mídia para esconder o grosso, o volume maior que corre pelos rios da ineficácia e da mentira constituída no campo da cultura. Isso está sendo anunciado pelo próprio Minc, ou seja, a multiplicação desses erros por mil. Será um desastre de conseqüências catastróficas para a cultura brasileira, não tenham dúvidas! Ao contrário do que diz o Minc, isso criará uma cisão de cicatrizes profundas na relação de produtores e artistas. Os ecos
ou melhor, os peixes, que não são pequenos, dessas águas já estão saltando aos olhos.
Na necessidade de construir um panfleto político, o Minc anuncia trocentos novos pontos de cultura. Os critérios são desastrosamente, meramente burocráticos.
Um país que tem sua memória cultural rica, verdadeira, dependendo da oralidade e, ainda hoje, com um número expressivo de analfabetos justamente neste meio social tão rico de cultura, exige, além do absurdo do CNPJ, um calhamaço de mais de vinte folhas de um formulário técnico de preenchimento complicadíssimo para a tentativa de ser contemplado como ponto de cultura.
O resultado não pode ser outro senão o famoso ditado, “Quem chega primeiro bebe água mais limpa”. Estamos assistindo, pelo avesso, a multiplicação do pão e do peixe. Antes de chegar às mãos de quem de direito, esses recursos irão passar pela venenosa triagem dos atravessadores, dos milhares de negociadores que ficarão com quase a totalidade desses recursos, pois estão perfeitamente aparelhados para tal função. Tudo foi feito sob medida para caber certinho nos seus bolsos. Um presente que chega do céu e já recebem inclusive a lista de contrapartida como naquelas provas objetivas em que é só marcar um x. Ficamos naquele jogo, o novo produtor que finge que faz, e o novo Minc que finge que viu, ou melhor, finge que não viu O artista é novamente jogado na opinião pública como boi de piranha, pois é a sua imagem que é utilizada para conseguir os recursos. Mário de Andrade tinha razão: o que liga a cultura brasileira são de fato os bois. Mas o que não deixa que eles se fortaleçam, são os outros bois criados na engorda da inércia, alimentados com o melhor do melaço e do sal grosso para se transformarem no grande filé para os que sempre comeram as melhores carnes do baby beef.
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