Dizer que a concentração dos recursos da Lei Rouanet está no eixo Rio/São Paulo é uma injustiça, mais injusto seria afirmarmos que está nas duas capitais. Os recursos destinados à cultura via Lei Rouanet se restringem a uma parcela mínima da sociedade, ou seja, à geografia social e/ou territorial, logicamente nos metros quadrados mais caros do país e sempre nessas duas capitais. A periferia, os suburbios e as favelas, quando muito, se beneficiam de forma pontual, mas a integração da arte não, quando ela chega a essas regiões, seu foco deixa de ser artístico e passa a ser “social”.
No encontro “Diálogo Cultural” com o Ministro Juca Ferreira no Capanema, Rio de Janeiro, alguém do auditório reclamou que, no caso do Rio, os recursos da Lei estão nas mãos de apenas quatro produtoras.
Na verdade, o que temos é o domínio, como disse Machado de Assis, “o burlesco e caricato sobre o real e o criativo”. Podemos avançar em alguns pontos nas questões técnicas, mas não passará de algo tímido diante da nossa realidade que é a valorização da cultura através da técnica do aprendizado formal em detrimento ao que costumam classificar como empirismo primitivo.
Poderíamos cobrar os desdobramentos dessas duas visões, mas de quem – se as cúpulas oficiais da cultura brasileira sempre caminharam sob a cultura formatada, idealizada no sentido de estender a imposição de matrizes européias no Brasil? Como cobrar dessa cúpula um sentido amplo da cultura brasileira se, na maioria dos casos, ela sequer sabe de si? É um quadro desalentador, como pude comprovar no “Diálogo Cultural”, onde, num coro uníssono, parte da platéia gritava pela manutenção dos seculares privilégios. Estavam lá, na quase totalidade, representantes dessa minúscula e privilegiada sociedade exigindo os mesmos privilégios da nobreza artística que julgam ter, os mesmos representantes de um pensamento pequeno que, durante os seis anos do governo Lula, se uniram à grande mídia e à grandes corporações em motins visando benefícios próprios em nome da cultura nacional. Os resultados estão aí pra quem quiser ver. O conceito sob o nome que está hoje em moda no Brasil, “diversidade cultural”, trouxe a quem sempre teve a poderosa máquina do mercado e sua extensa exposição, benefícios de um Estado paternalista a serviço das classes dominantes que, fortalecidas pela idéia de superioridade sócio/cultural proveniente das academias oficiais, amplia ainda mais as tensões sociais de uma sociedade que transborda conflitos, fruto de anos e anos de concentração de renda. É uma questão complexa. As cúpulas sequer têm independência, seus conceitos obedecem cegamente a uma cartilha de formas e costumes importados, um ideário branco que ganhou tônus nesses últimos anos.
O que vemos é muita gente se fartando do dinheiro público e com o mesmo discurso dos oráculos dos imantados de sempre na busca pela salvação dos homens de “menos cultura”. Até quando vai durar no Brasil essa idéia dos auto-proclamados deuses da cultura?