Imagem: Just Luh
Tempos efervescentes estes em que a mídia, assim como toda a indústria cultural dominante, se vê pateticamente fragilizada diante do poder caótico e incontrolável das novas possibilidades de comunicação da cultura digital. Mas a grande mídia está longe de perder sua pompa e poder. Ela ainda resiste e tenta dialogar com processos mais amplos e participativos. Há muito mais entre a guerra entre Globo e Record, a sucessão presidencial e cultura digital, do que pode imaginar a nossa vã filosofia!

Da pífia sabatina do ministro da Cultura na Folha à guerra declarada entre Globo e Record, não nos resta espaço para discutir, de maneira abrangente, contemporânea, desdeologizada ou descontaminada de interesses financeiros, a crise da mídia cultural no Brasil. Este tema é fundamental para os gestores de cultura, pois toca diretamente na constituição do nosso imaginário público e a nossa noção de Estado, nação, povo e país.

O desprestígio e a falta de assunto dos cadernos de cultura é tão grande, que as capas tem sido, sistematicamente, ocupadas por anúncios gigantes da indústria da moda. Os conteúdos não diferem muito disso. Muitas vezes o assunto mais relevante do caderno restringe-se às tirinhas do Calvin ou o horóscopo.

Falta uma compreensão do funcionamento dos mecanismos de financiamento e da lógica da cultura em sua função pública, tanto pela dimensão econômica quanto pela sociocultural. Alguns veículos tentam, feito cegos em tiroteiro, compreender e cobrir essa complexidade, mas não há tempo nem espaço suficiente. Um debate mais profundo faz-se necessário.

Não há como negar o quanto o ministro Juca Ferreira é astuto nesse sentido. Provocou uma discussão rasteira, por saber que a mídia jamais seria capaz de alcançar a sua sutileza e seus desdobramentos conceituais, filosóficos e econômicos. De quebra projetou-se de maneira ímpar na grande mídia, superando até mesmo o seu antecessor, que já era um popstar.

Nos mesmos cadernos vejo com grande insistência o acompanhamento do Ibope e a comparação pelo troféu da mediocriadade entre A Fazenda e o BBB. Até o nosso festival de Gramado foi palco de badalação e disputa entre “astros” da Record e da Globo. O pano de fundo dessa disputa por nosso imaginário é composto por igrejas (sim, ninguém fala da relação entre católicos e Globo), poderes instituídos (executivo, congresso, judiciário, ministério público) e uma vindoura disputa presidencial, capaz de mexer profundamente com todas as peças desse tabuleiro.

Vale observar de perto o tipo de cobertura que a pré-candidata Marina Silva terá. A própria fala do ministro já serviu de ataque à candidatura da ministra, tamanha ameaça ela prenuncia neste cenário de miséria cultural. Isso já demonstra o grande potencial mitológico da ex-ministra, papel amplamente ocupado pelo atual presidente, por sua biografia até então única no cenário político nacional.

Marina foi a única ministra de Lula que implementou políticas coerentes com o seu passado e o com momento peculiar e favorável que o Brasil vive hoje. A única que saiu bem, depois de dialogar ao máximo com todas as instâncias de poder. Note, no entanto, que a repercussão internacional da saída de Marina do governo, e agora do PT, foi mais importante que a cobertura interna.

Semana passada estive em Nova Iorque, gravando entrevistas para um webdocumentário sobre a indústria cinematográfica. Além de ouvir e debater com estudiosos no assunto, usei meu tempo livre para acompanhar a mídia norte-americana, dos jornalões aos notíciários locais.

Percebi de perto o quanto a Era da Cultura Digital, que elegeu o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, influencia cada vez as discussões públicas naquele país. Talvez seja um prenúncio de como esses novas possibilidades podem se expandir e se consolidar aqui nas Terra Papagallis.

Às novas possibilidades de participação política, o nosso apoio!


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

12Comentários

  • Paulo Morais, 22 de agosto de 2009 @ 2:12 Reply

    Olá,

    Confesso que tenho um pouco de preguiça de ler esse blog, mas faço porque é importante ler alguma opinião contrária à minha para perceber para onde vai o debate. Este site esperneia contra a reforma da lei rouanet que nem uma criança que tem o doce roubado. Não é à toa, ignorar os argumentos a favor da mudança e manter a postura reacionária é interessante para quem deita e rola com a lei do jeito como está. Este site reclama da estatização, mas abusa da lei Rouanet, até para a própria manutenção.

    Um abraço.

  • Leonardo Brant, 22 de agosto de 2009 @ 11:15 Reply

    Apenas uma informação: Cultura e Mercado não se utiliza de verbas públicas, tampouco de leis de incentivo. Já recebemos, em 2001 ou 2002, o valor R$ 40 mil via Lei Rouanet. Os dados são públicos, faça uma busca.

  • Guilherme Korte, 23 de agosto de 2009 @ 14:59 Reply

    Cultura é a vanguarda da política

    A Senadora Marina Silva veio das entranhas da Amazônia. Sua prespicácia, sua leitura do mundo, seu arquivo pessoal de cultura popular é gigante comparado a muitos por ai. Entende o que fala. Quando o Ministro Juca propôe e com razão, as alterações na Lei de Incentivo de Cultura, é porque percebeu um amadurecimento e um balançar da estrutura, tanto das grandes redes midiáticas quanto dos veículos novos, queimando como “fogo de munturo”, vindo por baixo e arrebatando a audiência dos tradicionais veículos de informação, como jornal impresso e televisão, com alteração também de consumidores, de forma e principalmente de conteúdo. O Brasil tem esta capacidade de transformação, estarrecendo os mais tradicionais estudiosos e supostos entendidos no assunto. Todos os dias o Sol nasce e por isso muitaso folhas caem para outras nascerem. Vamos em frente, Sr. Juca, o Brasil merece.

  • Alexandre Reis, 24 de agosto de 2009 @ 7:20 Reply

    Olá,

    Eu não acho que o fato de utilizar ou não os recursos da lei Rouanet significará ter o não ter uma visão reacionária, vanguardista ou perfeitamente acomodada do fazer cultural. Eu acho que este critério de avaliação do Blog Cultura e Mercado não justifica a sua manutenção, aqui estamos todos trabalhando e não importa de onde venham estes recursos para a manutenção do Blog. Se algo é bom de fato, se algo permanece neste tempo-espaço, ele se sustentará até o final de sua pulsão e intenção. O que importa de fato é participar de uma mudança anunciada e que não decola desde 2007 para Paulo Morais, para Leonardo Brant e nem para mim, Alexandre Reis. Estamos todos esperando por essa transformação.

    Abraços.

  • Marcos, 24 de agosto de 2009 @ 11:33 Reply

    Antes de comentar o tema, um parentesis: Em dois comentários postados, duas opiniões defendendo o ministro e sua política cultural. A velhinha de Taubaté não está sozinha!!! Fecha parentesis.
    Antigamente quem falava de Reforma Agrária no país ou tinha sua carreira política destruída ou tomava mesmo um balaço no meio dos cornos. Era a questão básica da dominação oligárquica, sempre ancorada na falta de oferta de educação para a população. Hoje(já faz algum tempo)esse latifúndio se deslocou para o controle midiático, com o monopólio da Globo (consolidado durante a ditadura) ditando as leis e os costumes – um organismo mais poderoso que a Igreja na Idade Média. Se a internet permite uma sacudida nessa estrutura, é ainda algo muito tênue e que não alterou até aqui as estruturas de poder a ela associadas. Os interesses reais e concretos no Brasil permanecem intocados, nem mesmo ameaçados, nem uma raspada em seu verniz. Nossa cultura institucionalizada apenas reflete isso. Se o Ministro precisa acreditar que está fazendo uma grande transformação revolucionária para que seu ego fique lustroso, são outros quinhentos. Tristes trópicos…

  • Monica, 24 de agosto de 2009 @ 11:36 Reply

    Olá Leonardo e demais leitores,

    percebi que o debate esquenta quando o assunto é a Lei Rouanet… e é salutar que assim seja, pois é do debate que emergem novas idéias e soluções…

    Mas me parece que o ataque ao artigo acima publicado foi absolutamente desnecessário, uma vez que o tema não é a lei Rouanet, mas sim sobre a maneira como COMUNICAÇÃO e PODER se articulam e andam de mãos dadas a despeito dos anseios da sociedade…

    A capacidade de discussão é subjulgada pelo constante lançamento de produtos de entretenimento vazios e fúteis…

    Lamentavelmente, poucas vezes se tem a oportunidade de ler um artigo tão verdadeiro e “na lata” sobre essa questão. Aliás, algo que só a internet é capaz de proporcionar, e que por isso mesmo causa certo estremecimento nas mídias tradicionais. Ou seja, um espaço sem editor, sem dono de emissora e portanto sem o perverso casamento entre a comunicação e o poder…

    Parabéns!!!

    Monica.

  • Cabot, 24 de agosto de 2009 @ 14:24 Reply

    Acho importante levantar essa questão, ela é atual e decisiva. O debate tem que se expandir e aprofundar, essas questões determinam que tipo de sociedade queremos. Está havendo crescimento da indústria cultural, o poder entendeu a importância do fator cultural e tenta cada vez mais controlar seus processos.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 24 de agosto de 2009 @ 14:49 Reply

    É Leonardo, é essa a nossa grande mídia que é obrigada a engolir que Obama e Mano Brown acham o Lula “O CARA”. Obama que, por causa da reforma na saúde, anda ferindo o setor privado e está enfrentando a pressão dos neocons americanos, democratas ou republicanos, não importa, aquele pessoal que está ali fungando no cangote do Obama é o que há de mais fundamentalista no universo da direita mundial. Vamos ver no que vai dar. Mano Brown que na penúltima “Virada Cultural” sentiu bem de perto como funciona a polícia de Serra, essa que se orgulha de ser a que mais prende na América Latina, como se isso fosse um grande feito do governo tucano.

    A cúpula do andar de cima fica enciumada, pois eles são a cara da revista “Caras” e suas universais contradições importadas. E aí, ficam com cara de bunda quando têm que engolir a Ministra Marina desmentindo a manchete do Globo.

    Essa nova safra dos soldados “sem cabeça” empenhada em devolver o poder para a classe dominante, via pavão de bico colorido, está detonando reputações como a de um Hélio Gáspari, por exemplo, que anda a escrever uma bobagem atrás da outra. Burros, não entendem que estão jogando a Dilma nos braços do povo. O assunto vai para a televisão com uma conversa enviesada e com uma técnica de difícil compreensão, pois 80% da população brasileira vive uma outra realidade. Suprimida por uma estrutura de dominação dos espaços institucionais, consequentemente só ouvem o nome Dilma, e lógico, isso só vai dando popularidade a ela.

    A guerra do Guerra, do Demóstenes, do Gabeira, Gereissati e etc., é uma guerra fictícia diante de real democracia. Ficam fazendo estripulias para agradar aos fanáticos antilulistas e antipetistas. O mais engraçado disso é quem banca essa insana estratégia. A direita nunca se apresentou de forma tão burra, ainda mais em tempos de internet, onde em um segundo todos ficam sabendo que a tal Lina Vieira é uma tremenda armação da cúpula da oposição. Fazer o quê? Os caras querem dar cabeçada em poste.

  • Paulo Fernandes, 25 de agosto de 2009 @ 15:29 Reply

    Gosto de ler vez ou outra os artigos bem intencionados e bem colocados de Leonardo Brant.
    Entretanto, muitas vezes acontece que não consigo encontrar um sentido. As frases são soltas, sem ligação de uma idéia com outra. A gente pensa que está ficando burro mas ao ler novamente percebe que realmente o começo da história não tem nada a ver com o final.
    Como no artigo de hoje, por exemplo.

  • Leonardo Brant, 26 de agosto de 2009 @ 0:50 Reply

    Olá Paulo, você tem razão. São muitos assuntos amontoados num único artigo. A guerra entre Glogo e Record, suas relações de poder, valem destaque. A questão das chamadas mídias sociais outro. A relação dessas duas coisas com a eleição que se aproxima, mais um. E as novas possibilidades de participação com a entrada da Marina Silva no cenário eleitoral ainda outro. Do jeito que está fica tudo confuso, mas as coisas se relacionam entre si. Obrigado pelo carinho e sinceridade. Abs, LB

  • Silvana Córdova, 26 de agosto de 2009 @ 11:59 Reply

    A Pergunta que não quer calar: É a realidade que move a mídia, ou a mídia move a realidade?

    As teorias da comunicação são certeiras as mídias exercem uma certa influencia nas massas. Essa guerra entre REcord e Globo é mais uma dentre as milhares que acontecem mundo afora, sendo sempre seu objetivo principal único: A busca do aumento do IBOPE.

    Gostaria de parabenizar pelo artigo. Que nos remete a reflexão do contéudo que nos é ofertado diariamente. É certo que a mídia não pode influenciar nos nossos pensamentos, contudo ela pode nos pautar no que devemos pensar. Basta sairmos as ruas e verificarmos os assuntos em alta seja o cirurgião estrupador, ou a lipo do ronaldo, enfim…
    Sempre ha interesses, não existe ser humano imparcial.

    Acontece no guetos das cidades muitas ações culturais que não são divulgadas nas grandes mídias e que não contam com lei de incentivo alguma e sim com o incentivo dos individuos idealizadores.

    Mais uma vez parabéns pelo artigo, afinal somos chamados para a reflexão falta muito isso… E viva a internet, onde as opiniões se encontram…

  • Roberto Antunes Fleck, 26 de agosto de 2009 @ 18:04 Reply

    Parabéns por este artigo. Nem sempre, ou raramente, consegue-se ler um comentário que brilhantemente vai a fundo numa questão básica de nossa cultura: a pobreza de nosso (suposto) Jornalismo Cultural. Aqui em Porto Alegre, presenciamos a derrocada de uma comunicação cultural vigorosa e útil, voltada para prestigiar, valorizar e defender a cultura. Assistimos a um festival de futilidades impregnadas em nossas mídias tradicionais. Há jornalistas claramente definidos como arautos da futilidade. Fazem comentários no rádio, têm programas na TV e/ou escrevem em jornais, ao que parece, com um único propósito: incensar a futilidade, no que ela tem de mais depravado, em conteúdo, no sentido de igualar o público à indigência cultural. É como se fôssemos todos néscios, imbecis, infantis ao extremo, para receber uma carga de informações inúteis e estéreis. Não se valorizam mais os artistas gaúchos que são centenas, e muito bons. Aplaude-se e apóia-se o que há de pior no momento atual: a FUTILIDADE, filhota muito dileta da ditadura do monopólio da informação e do desejo de alienar as pessoas e negar-lhes o direito de pensar e agir coletivamente para buscar o bem-estar e a defesa da dignidade de todos. Não é por acaso que esse monopólio desestimula em seus espaços, todos, e múltiplos, as lutas dos movimentos sociais. São eles o contraponto dessa inércia e da reação àquilo de pior que as mídias oficiais nos transmitem. Lamentável o Jornalismo Cultural em Porto Alegre.

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