“A ideologia fatalista, imobilizante, que anima o discurso neoliberal anda solta no mundo”. Com ares de pósmodernidade, insiste em convencer-nos de que nada podemos contra a realidade social que, de histórica e cultural, passa a ser ou a virar “quase natural”. (Paulo Freire)
A pedagogia da “produção cultural” transformou em “viva certeza” os seus dialetos.
Impossibilitados agora de seguir a jornada “transformadora” sem os aportes públicos, repetem cadenciadamente o “abismo lírico” contra as mudanças da lei de incentivo à cultura com seus fatalismos mecanicamente desafiadores.
Um banho de espuma de conteúdos cheios de galos, impossível de ser questionado, tamanhas as distorções de sua origem conceitual.
O que eles querem? Confiscar as nossas utopias? Jogar-nos num gargalo épico em forma-de-sonata matemática? Colocar o papel do Governo Federal e seu representante o MinC, como um mero coadjuvante para liberar a conduta das políticas indiscriminadas do “bancarismo” tem sido a razão dos contrários às mudanças.
Para isso, o repetido discurso em favor dos grandes grupos empresariais contra a legitimidade do voto se contorce e, lógico, distorce o próprio sentido de democracia.
É perceptível a tentativa de domesticar a cultura brasileira, de transformá-la em algo controlável, o que induz a muitos a um pensamento equivocado.
Qualquer pesquisa sobre a nossa historia, seus ciclos econômicos, políticos e, consequentemente culturais, nos levará, através de um principio indócil, a indiscriminadas receitas “científicas”.
A nossa produção artística sempre foi livre para ter total soberania criativa, mas é bom que não se confunda produção artística com receituário estatutário. A arte brasileira sempre esteve nas ruas, foi criada na vida, mais que isso, sempre enfrentou o desmando burro da tirania social que valoriza fielmente as cópias musculares. O que, além de nos fazer bem mais que independentes em nossas criações, sinaliza que não há a menor disposição do povo brasileiro em aceitar passivamente as amarras institucionais. Nosso histórico é inversamente proporcional à ideologia do poder privado.
“Uma critica permanente aos desvios fáceis como que somos tentados, às vezes ou quase sempre, a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros podem nos colocar. Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe ou pior, fora da ética, entre nós mulheres e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de fundamentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador”. (Paulo Freire)
Destemperar a ética, congelar a história, afunilá-la a uma visão carregada de tendencialismos transnacionais é tudo o que, neste momento, não precisamos. Não há sequer uma torcida para isso, talvez meia-dúzia de gatos pingados, expectadores aflitos à espera de um milagre que não permita que lhes sejam tirados os benefícios que, por serem parte das “Exmas. Famílias”, a Lei Rouanet lhes colocou em seus colos durante dezoito anos.
Lanternar a escuridão da perda de rumo com lamparina alarmista, não trará fatos novos e muito menos a promoção de um novo debate.
A superficialidade operada nas narrativas de revisão das perdas do setor privado tem levado muita gente à escolha da diabolização do povo, do voto e da democracia e divinização dos banqueiros e de todo o setor privado. Plantar o irracionalismo tecnologizado não ajudará em nada a forte democracia cultural do povo brasileiro, construída naturalmente. Substanciar uma interpretação perigosa para a democracia cultural, na tentativa de vender calamidades é um jogo antigo da tradicional oligarquia brasileira.
O aplauso ao puritanismo do setor privado é das coisas mais incoerentes que se pode pensar num momento de mudanças para o setor cultural.
Ter medo de nós mesmos, medo de crer na ética humana, medo de interpretar os fatos de hoje com os olhos de hoje é um vira-mundo psicológico adorado pelos donos do “poder global”.
Esse cacoete ultraconservador inspirado, em grosso modo, na mola mestra do grande mercado multinacional do entretenimento, esbanja no Brasil, uma dependência de aporte público que me causa espanto.
Como os nossos mestres que inventaram a corporatocracia cultural não encontram saída para vender seus peixes a seus sócios os “empresários patrocinadores” se não através de aportes públicos.
Política pública tem que ser voltada ao interesse público, decidido pela sociedade. Seu mecanismo tem que, ao longo do percurso, buscar aperfeiçoamento num fórum permanente entre governo e sociedade.
O nosso vício editorializado caminha sempre para o mar das liberdades do grande capital e a prisão do homem, colocando sempre a idéia de que a forca é a única gravata bonita que cabe no pescoço do povo brasileiro. Não há como mudar isso.
O artista não é um caixa de banco que tem que aceitar as ordens do sistema. O artista trabalha caminhos, maneiras e métodos próprios para trazer reflexões críticas em seu trabalho. Trabalhar com arte exige humanidade, tolerância, e generosidade. A arte não pode ficar encarcerada nessa cadeia para-cultural.
Disponibilizar o veneno da desesperança, reconhecendo somente no outro o “grande capitalista”, a capacidade de produzir pensamentos e elaborar uma agenda democrática, é uma curiosa contradição dentro do ambiente cultural.
Renunciar à responsabilidade ética, madrugar envolvido pelo ceticismo do falso testemunho, purificar a covardia nos ausentando dos grandes desafios democráticos, é interpretar que o sentimento do homem não tem direitos.
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