Breno Barreto, um dos fundadores da plataforma de financiamento coletivo de livros Bookstorming, acredita que a queda da indústria fonográfica foi um movimento bem mais avassalador que aquele pelo qual passa o mercado de livros. “O que os profissionais da música enfrentaram foi a volatilização abrupta do conceito de direito autoral, uma vez que a música se tornou imediatamente acessível a qualquer um com acesso a internet. Com os livros é diferente.”

A queda é menos evidente, diz Barreto, justamente porque está ligada a questões mais antigas e talvez mais complexas – que passam em grande parte pela educação e aspectos culturais do país. “Olhando somente para os baixos números de venda atuais, fica difícil identificar sua origem, uma vez que ela não responde diretamente a uma mudança essencial no suporte material do livro. Os e-books, embora estejam em franca ascensão, não podem ser apontados como responsáveis por um ou outro movimento de queda na compra de livros – muito pelo contrário”, defende.

Ainda que sejam movimentos diferentes, escritores – assim como fizeram os músicos – estão tendo que buscar alternativas para chegar ao público. “O Brasil tem centenas de editoras, que brigam diariamente por um espaço nas livrarias, e ainda assim há uma crise na relação fundamental entre autor e leitor. Temos muita gente escrevendo e muitas editoras publicando, inclusive sob demanda, mas o que chega ao leitor quase sempre vem de maneira fria e desinteressante”, diz Barreto.

A culpa, afirma ele, não é dos autores, mas sim de um mercado engessado e pouco criativo. “Por um lado, temos o processo tradicional de produção, que afasta o autor do leitor; por outro, temos a autopublicação e a internet, nas quais a falta de filtros coloca o leitor diante de um cenário confuso, onde abundam as saídas fáceis e onde é impossível navegar sem se perder.”

O que o mercado está percebendo, acredita Barreto, é que a alternativa ideal está no caminho do meio: o leitor precisa do filtro (ou seja, de alguém capaz de indicar a ele livros ou ideias de livros interessantes), mas ao mesmo tempo quer os benefícios de difusão e proximidade da internet – quer ter o poder de dar vida aos livros que lhe interessam, ter contato com o autor e colocar um pouco de si na criação do livro.

Filtro – Pensando nesse filtro, acaba de ser criado em Porto Alegre (RS) o clube de experiências literárias TAG. A proposta é incentivar a leitura no Brasil, oferecendo uma experiência diferente da compra de uma obra literária em uma livraria. Para isso, os associados recebem todos os meses em casa um livro indicado por um intelectual, brasileiro ou estrangeiro, acompanhado de uma revista com informações sobre a obra, o autor e seu universo.

“Ao longo do tempo, adquirimos o hábito de conversar com pessoas que admirávamos e pedir indicações de livros. Percebemos que muitos amigos estavam se interessando pelas indicações e pelos motivos que os indicantes tinham dado para embasar as indicações. Assim, consideramos que seria interessante criar uma empresa que enviasse livros indicados por grandes referências”, conta Gustavo Lambert, um dos idealizadores do clube.

Já participam do projeto nomes como Patch Adams, Mario Sergio Cortella, Frei Betto e Marcelo Gleiser. Eles não são remunerados pelo trabalho. Segundo Lambert, decidiram contribuir para a TAG apenas por abraçar a causa e para auxiliar um projeto voltado para o incentivo à leitura. “Como compramos uma boa quantidade do livro para enviar aos associados, esperamos que o autor esteja sendo remunerado por isso. Além disso, há autores que são citados e recomendados na revista. Esses não são remunerados diretamente, mas esperamos que os associados comprem livros a partir da leitura da revista.”

Existem muitas sugestões de livros pela internet, mas a TAG aposta no interesse do público em receber uma indicação de alguém de renome. Além disso, a equipe busca garantir que os livros sejam do interesse de qualquer leitor. “Acreditamos que o sistema de assinatura auxilia na manutenção do hábito de leitura. Ao receber um livro todos os meses (ou uma vez a cada três meses, dependendo do plano que o associado escolher), o associado estará sendo naturalmente incentivado a ler mais e se envolver mais com cada obra”, diz Lambert.

Ele acredita que só a inovação vai salvar as novas iniciativas de serem engolidas pelas grandes redes de vendas de livros. Mas para Rachel Gontijo, d’A Bolha Editora, pelo menos no mercado dos impressos, o que hoje se chama de inovação sempre existiu. “A diferença é que estas movimentações independentes estão se tornando cada vez mais visíveis dentro do país”, diz.

Rachel é uma das organizadoras da feira de editoras independentes Pãodeforma, que acontece no Rio de Janeiro (RJ). Ela defende que é importante ter consciência de que as movimentações atuais na arte impressa não são movimentações para que editoras, coletivos, escritores/artistas se mantenham no mercado como ele existe hoje. “Muito pelo contrário, são tentativas de desconstruir essa visão caduca de mercado, com foco no lucro e não no conteúdo, que há muito tempo (tempo demais) tem sido dominante no Brasil.”

Para ela, o papel do escritor é não ter medo da própria carne. E do editor, abrir espaços para que linguagens de risco se tornem cada vez mais visíveis. “Eu acho muito legal essa crescente independência, autonomia, do escritor em relação a editora/editor. Isso acaba forçando as editoras a reavaliarem sua relação com conteúdo e, mais importante ainda, repensarem as relações escritor/artista-editor. Essas quebras nas estruturas de poder são extremamente necessárias”, afirma.

Em busca da inovação – Júlio Silveiro, da Imã Editorial, afirma que o mercado está estruturado em mecanismos e regras criadas nas revoluções Francesa e Industrial, entre elas o copyright (de 1886), e se agarra a esse “status”. Mas o digital veio com potencial de romper todas as regras. “A atitude do mercado estabelecido, é claro, é manter tudo como está e, no máximo, adaptar para o digital as características do livro impresso (incluindo as limitações) e o mesmo arranjo econômico, como se o livro ainda fosse intrinsecamente uma mercadoria, um bloco de madeira mais sofisticado.”

O que a Amazon faz, por exemplo, é partir do zero, reinventar o mercado editorial, com as ferramentas que estão aí. “Então a Amazon é o caos criativo, uma ruptura que pode fazer avançar a situação dos leitores e autores, e até das editoras  – mas não das que insistirem em viver no século 20”, alerta. Ele acredita que os autores estabelecidos vão lutar pela perpetuação das condições atuais, na perspectiva de que não se mexe no que está funcionando. Porém os autores novos encaram o digital como uma brecha, por onde eles podem entrar. “O futuro para os autores, e para o livro, vai nascer desse confronto.”

Entre o físico e o digital, no Brasil há empresas do setor editorial buscando a inovação com apoio do Programa BNDES para o Desenvolvimento da Economia da Cultura – BNDES Procult. Desde 2009, quando esse setor passou a ser apoiado pelo programa, foram aprovados R$ 1,041 bilhão em investimentos. “Considerando as operações indiretas (BNDES Automático, Cartão BNDES etc) temos mais R$ 246 milhões em milhares de pequenas operações”, conta a chefe do Departamento de Economia da Cultura do banco, Luciane Gorgulho, destacando que o cartão BNDES pode ser usado para a compra de papel e serviços gráficos.

Implantação, modernização e expansão de editoras e livrarias e produção de planos editoriais, inclusive a adaptação de obras para comercialização em novos formatos estão entre os projetos que podem ser apoiados e, segundo Luciane, são os que mais solicitam suporte. Além disso, podem ser financiadas ações de distribuição, divulgação e comercialização de obras editoriais brasileiras no país e no exterior, e de obras estrangeiras no país; ou aquisição de direitos relacionados a conteúdo brasileiro.

As livrarias Saraiva e Cultura, por exemplo, já tiveram apoio para novas lojas físicas e para o desenvolvimento de ferramentas de e-commerce em portais virtuais, incluindo e-publishing, sistemas para melhoria de gestão, logística e centros de distribuição.

Luciane explica que o que o BNDES considera inovador no mercado editorial hoje é o desenvolvimento de novas plataformas para conteúdo digital, de conteúdo editorial digital e de conteúdos editoriais multi-plataforma e transmídia. Além disso, novos modelos de comercialização de conteúdo editorial e implantação de plataformas para fornecimento de serviços a partir do conteúdo editorial.

E o que falta para avançarmos? “Falta maior integração entre as editoras e os desenvolvedores de tecnologia, maior amadurecimento sobre a trajetória tecnológica dominante e maior uso do poder de compra governamental, por exemplo, por meio do PNLD. Faltam recursos de fomento para o desenvolvimento de pilotos, projetos inovadores e maior clareza sobre o modelo de geração de receitas no mundo digital.”

*Breno Barreto participa, no dia 29 de novembro, da Jornada Inovação no Mercado de Livros, apresentada por Cultura e Mercado no Cemec. Clique aqui e saiba mais.

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Jornalista, foi diretora de conteúdo e editora do Cultura e Mercado de 2011 a 2016.

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