Em entrevista exclusiva a Cultura e Mercado Lula e Alckmin falam de políticas culturais, seus compromissos com programas e orçamento
1) O que o senhor entende por cultura? E qual a sua idéia central sobre o papel da cultura em seu plano de governo?
ALCKMIN – Cultura é o conjunto dos valores e tradições que se acham em nossa formação como Nação bem como os sonhos e projetos que nossa sociedade construiu e vem construindo sobre seu próprio futuro. Merecem especial atenção do poder público o patrimônio histórico, música, literatura, teatro, cinema, artes plásticas, circo, bem como as diversas formas de expressão da cultura popular, que têm papel central no desenvolvimento cultural do país.
LULA – No nosso governo, o Ministério da Cultura realizou importantes deslocamentos conceituais que deram uma nova dimensão ao trato com a cultura. Entendemos e tratamos a cultura como um direito básico do cidadão, tão importante quanto o direito ao voto, à moradia digna, à saúde e à educação. E mais: cultura não é só arte. Cultura é tudo que tem valor simbólico. Cultura também é uma poderosa economia, capaz de gerar ocupação e renda com a vantagem de não agredir o meio ambiente.
2) Quais ações do atual Ministério da Cultura serão continuadas ou interrompidas?
ALCKMIN – Daremos seguimento a todas as ações que atendem ao interesse do desenvolvimento cultural do país, iniciadas no atual governo ou em governos anteriores. Entre elas, cabe mencionar as ações de apoio à produção audiovisual, bandas de música, bibliotecas públicas, e defesa do patrimônio histórico, em particular o projeto Monumenta. Não está prevista qualquer interrupção de projetos e ações.
LULA – Em um segundo mandato, vamos assegurar a continuidade e a consolidação do processo que o Ministério da Cultura já vem construindo. Temos que aprofundar um programa cultural sintonizado com um programa de desenvolvimento do Brasil, capaz de acelerar o crescimento e de construir um mercado consumidor de massas, que representem, ambos, inclusão, auto-sustentabilidade do país, redução das desigualdades, melhoria das condições de vida, maior soberania, ampliação da democracia e sustentabilidade ambiental. O grande desafio será dar escala a ações que vêm sendo desenvolvidas pelo Ministério da Cultura, levando nossos programas a um contingente cada vez maior de brasileiros e acelerando o processo de consolidação do Sistema Nacional de Cultura.
3) Qual será o orçamento do Ministério da Cultura em seu mandato?
ALCKMIN – O orçamento do Ministério da Cultura, hoje cerca de 0,3% do orçamento federal, deverá alcançar 1% do orçamento federal ao longo dos próximos quatro anos de gestão.
LULA – No nosso governo, o orçamento da Cultura vem crescendo paulatinamente, para se aproximar do percentual defendido pela Organização das Nações Unidas (ONU), que recomenda uma dotação orçamentária mínima de 1% para a Cultura. Entre 2002 e 2006, saímos dos 0,2% para os 0,6%, o que mostra claramente o compromisso do nosso governo de continuar avançando.
4) No seu mandato, o Ministério da Cultura poderá opinar sobre questões relacionadas às políticas de educação e de regulamentação de conteúdos de rádio e televisão? Como?
ALCKMIN – O Ministério da Cultura estimulará a difusão de valores democráticos e nacionais, bem como a difusão das culturas regionais do país. O Ministério adotará medidas de incentivo que atendam a estes objetivos, ao invés de regulamentos ou mecanismos de constrangimento que obriguem a tal. Caberá ao Ministério da Cultura desenvolver projetos e ações em conjunto com o Ministério da Educação, visando estimular a adoção pelo sistema escolar de processos de formação cultural, em especial referentes a musica, teatro, cinema, etc.
LULA – O Ministério da Cultura já vem desempenhando, de maneira crescente, esse papel e, como já dissemos em nosso programa de governo, a articulação maior entre educação e cultura será um objetivo estratégico do próximo governo.
Recentemente, os ministérios da Cultura e da Educação firmaram um acordo de atuação conjunta. Entendemos que a educação formal deve proporcionar o acesso de cada cidadão à diversidade cultural, à cultura universal e aquela que é singular de sua comunidade, de sua região e de seu país. Para que os brasileiros conheçam e se reconheçam em sua cultura local, regional, com acesso ao patrimônio cultural universal, a relação entre Ministério da Cultura e Ministério da Educação foi retomada, tornando possível uma rearticulação entre saberes “fora da escola” e o ensino de modo geral, desde a educação básica até às universidades. Essa rearticulação passa pelo entendimento da universidade e da escola como locais de fruição e também de produção cultural. Nas últimas décadas, a presença da arte, da literatura e da cultura, em geral, sofreram reveses ou desapareceram das salas de aula brasileiras, o que tem empobrecido o ambiente das escolas e das universidades.
Quanto aos conteúdos de rádio e TV, é importante reconhecer que a comunicação tornou-se um tema essencialmente cultural. Políticas para este tema terão que enfrentar sérios problemas, como a baixa presença da diversidade cultural e regional brasileira nos conteúdos veiculados pelos meios de comunicação de massa. Televisão, rádio e novas mídias digitais pelo celular e pela internet são veículos contemporâneos – talvez os mais importantes fatos culturais de nossa época – que permitem a circulação de novelas, filmes, vídeos, textos e muitos conteúdos culturais.
A diversidade cultural brasileira cobra sua maior presença nas telas. O acesso interativo de milhões de brasileiros a conteúdos culturais tem nesses veículos uma mediação indispensável, e neles se materializa o destino, a visibilidade ou a exclusão de milhares de grupos culturais brasileiros.
5) Considerando que o mercado, que dita os vai-e-vens da economia, é por natureza um fenômeno cultural, por que o seu programa de governo é tão centrado em relação à economia e tão pouco expressivo em cultura? Você pretende mudar esse parâmetro em sua gestão?
ALCKMIN – O objetivo de 1% do orçamento para a cultura não é, de modo algum, “pouco expressivo”, bastando mencionar que será o orçamento mais elevado do Ministério da Cultura desde a sua criação em 1985. É importante observar que a cultura é, em sentido global, uma criação livre da sociedade, não uma criação do Estado. Não cabe ao Ministério da Cultura, nem ao governo em geral, nenhum dirigismo cultural sobre as empresas, privadas ou públicas, assim como não lhes cabe nenhum dirigismo sobre as instituições da sociedade civil ou sobre os artistas ou instituições culturais em geral. Cabe ao Estado, através do Ministério da Cultura, estimular a expressão e desenvolvimento da cultura do país. Neste sentido, a ação do Ministério da Cultura incidirá sobre o mercado na medida em que estimulará a criação de condicionamentos culturais sobre as atividades econômicas, assim como as atividades sociais em geral.
LULA – Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. No nosso programa de governo, a educação, a cultura e a comunicação ocupam papel central, e a articulação entre essas áreas assumiu a condição de objetivo estratégico. Como já foi amplamente divulgado, inclusive pelo Cultura e Mercado, no nosso programa a cultura é tratada para além da idéia de mercado – e não contra ela –, identificando claramente o seu vínculo com a ampliação e o exercício de uma cidadania ativa. Para que não paire dúvidas sobre isso, reproduzimos abaixo um pequeno trecho de nosso programa de governo, que demonstra claramente nossa convicção sobre o elo entre educação e cultura e sobre a importância dela para a construção de um Brasil de todos e todas. “A educação de qualidade ao alcance de todos deve ser entendida como instrumento de produção, organização e difusão de conhecimento e cultura. Deve contribuir para a formação de gerações de brasileiros capazes de compreender criticamente e dar significação aos valores culturais construídos ao longo da história, em diálogo permanente e afirmativo com as demais culturas do mundo. O desafio central para universalizar a educação nessas bases será acompanhado por um conjunto de iniciativas que garantam o acesso aos bens culturais e à informação”.
Do ponto de vista da gestão do governo, a expressão dessa certeza se dá pela execução de vários projetos que permitem maior descentralização dos investimentos, ampliação do acesso aos bens culturais, maior integração entre as políticas dos entes federados e alargamento efetivo dos espaços de participação democrática.
Leonardo Brant
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