Este título é proposital. Quero chamar a atenção para o neologismo de plantão, marca da administração Gil.

Em síntese, digo, em síntese porque trabalhamos com a dualidade de sempre e foi o que Gil representou frente ao Ministério da Culura, a nossa eterna idéia dicotômica de cultura, o bem e o mal.

Gil representou o antídoto, o adversário, a coroa da moeda, o inverso de alguma lógica, de uma dinâmica conceitual que insistimos em manter.

A idéia messiânica que criamos de Gil, foi construída no nosso eterno sentimento de revide, de contrapartida, de contraposição, estimulando ainda mais uma guerra com fronteiras tênues, mas presas a uma idéia tão centralizadora quanto a de domínio.

Contra a mídia, um artista de mídia. Contra o mercado, um artista do mercado e por aí vai. O veneno e o antídoto nos mantêm próximos da matriz e ficamos ali naquela guerra com a nossa ineficiência em construir novos caminhos. Essa bipolaridade que se desenha como um pêndulo, já foi repetido como um metrônomo inúmeras vezes no Brasil. Portanto, Gil não foi diferente, foi um belo representante da nossa ânsia de colorir com cores psicodélicas, fortes e tropicais um conceito pop que não desgruda do conservadorismo conceitual.

Estávamos ali naquele momento tentando trocar de mãos dentro de um mesmo estado. Estávamos ali num ato de protesto, e só. Não queríamos exatamente mudar o modelo, mas os conceitos estéticos sobre tudo.
A sociedade, sem entender o que estava acontecendo, ficou neutra, porque na realidade, as cores que apareciam eram a ilusão de um arco-íris na luta do sol com a chuva. A contemplação deste manifesto não é capaz de trazer qualquer influência sobre as condições de um tempo que pode ou não fertilizar, adubar a seara, a sociedade tem a exata percepção disso, por isso não partilhou dessa guerrinha estética que continua acastelada na eterna dependência messiânica.

No Brasil sempre trabalhamos com papéis invertidos, isso é coisa do nosso Estado, que com isso, consegue ser, cem por cento, ineficiente.

Intervencionista, o Estado investiu pesadamente ao longo de sua história, em técnicas para forjar uma sociedade e neutralizar as suas manifestações espontâneas, oficializando a sua própria determinação, o seu próprio autoritarismo. Construiu a idéia de um pensamento diferenciado, levou este pensamento para as nossas academias, isolando a sociedade para sustentar a disciplina conceitual.

Na outra ponta, o Estado foi nulo, ou melhor, participou ativamente de todo e qualquer ataque do mercado internacional, dando-lhe um terreno previamente sedimentado com estratégias de ocupação das principais formas de difusão, ou seja, o Estado que sempre perseguiu as manifestações do povo, abria a porta dos fundos para a implantação de um monopólio industrial, do entretenimento, da cultura, o nome não importa.
O que importa é pararmos de temer o mercado. O que precisamos é construir um. Precisamos de uma engenharia que obrigatoriamente estabelece regras democráticas para a sua saudável expansão. Não temos hoje no Brasil, um mínimo de estrutura para o desenvolvimento de um mercado auto-sustentável de cultura. As vias de irrigação inexistem. Não podemos sequer dizer que temos gargalos. Trabalhamos com dois globos centralizados nas principais capitais e ficamos circulando dentro deste ovo e não nascemos nunca para ganharmos independência, vida própria no mercado cultural e, consequentemente, ocupar um território de extensão e população continental que poderia ser potencialmente grande consumidora da arte brasileira.
Precisamos inverter os papéis. O Estado precisa investir pesadamente em logística, assim como quem investe em estradas para escoar a produção agrícola, a produção de manufaturados e etc. Discutir cada detalhe necessário para caminharmos em direção a uma bem pensada, bem planejada política de desenvolvimento deste mercado, o da cultura. E podem crer que isso nada tem a ver com arte, com artista, isso tem a ver com planejamento ligado a área do desenvolvimento.

O Estado tem que parar de dar palpites de estéticas, de segmentos, pois isso é papel da sociedade. O que o Estado precisa garantir é a livre expressão do seu povo, é proteger suas escolhas, é solucionar questões técnicas que impedem que uma demanda tão extraordinária continue represada, refém de uma absoluta ausência de estratégia no campo e unicamente no campo do desenvolvimento de um mercado cultural.


Bandolinista, compositor e pesquisador.

2Comentários

  • Maria Inês, 7 de outubro de 2008 @ 12:41 Reply

    Belas falas Carlos Henrique. Estamos todos perdidos, agora que caiu Frateschi, vamos apedrejar nós mesmos? A bruxa da Funarte está a solta. Quem será o próximo a ir para a fogueira? Vamos aguardar os acontecimentos.

  • renato bulcao, 10 de outubro de 2008 @ 7:28 Reply

    Para qualquer um a dicotomia entre o bem e o mal tem sua razão de ser.

    Mas num segundo mandato de um governo de esquerda eleito democraticamente (que apenas a ingenuidade inconformada pela falta de milagre cristão insiste em não reconhecer), ver Gil como adversário e não como modelo, indica a grande quantidade de preconceito que abunda nos candidatos a produtores culturais brasileiros.

    Nosso “eterno sentimento de revide”, termo que poderá ser bem incorporado no vocabulário, aplaude funcionários de carreira guindados a cargos públicos, seja porque eles se preocuparão melhor com o cartão de ponto, seja porque um nome desconhecido faz brilhar as pequenas purpurinas de astros de uma única noite, ou cineastas de poucos espectadores.

    A ineficiência de papéis invertidos de nossos fazedores de cultura, aplaude o funcionário público que fica rico, reza para que o politico seja monge, e deseja a puta como santa. Pensa que a obra de Nelson Rodrigues é elegia, e não observação crítica. Pensa que Brecht é autor de palavras de ordem, mas não consegue citar o contexto que as ditas “ordens” foram pensadas.

    O Estado realmente é intervencionista, herança cultural latina desde a fonte. Não há no Brasil universidade pública que não seja servida por uma favela. Aquilo que se pensa e diz nas salas de aula, vira letra morta nos corredores e áreas de serviço. A regra é faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço. E aqueles que lá estão presente, serviçais tentando entender sua função de servidores públicos, são instados a manter viva a regra de sobrevivência que rege a nação: manda quem pode e obedece quem tem juízo.

    Cultura, em qualquer parte do mundo é um campo para poucos porque árido e pouco gratificante, é o cerne das melhores iniciativas coletivas ou individuais para expressar uma visão de mundo coadunada com aquele pedaço de chão que um povo habita. Não há cultura que não pingue dentro do sistema nacional de ensino, nem que não diferencie o ponto de vista de cada um que entre em contato com ela.

    Porém, há um mercado no Brasil para o entretenimento. Ele vem se desenvolvendo desde os anos 50 e hoje sabemos quantificar quantos leitores de best-seller temos, quantos são os ouvintes de música regional em qualquer região, e quantos espectadores televisivos somos a cada minuto.

    Por outro lado, não há mercado para cultura. Em nenhum lugar do mundo as orquestras sobrevivem em turnês pelo país, os pintores são caçados nas ruas pelos que querem autógrafos, os bailarinos são repetidamente convidados para shows de televisão. Por isso que as orquestras se exibem em países estrangeiros, pintores nascem e somem dentro das mostras internacionais e bailarinos cada vez mais migram de corpo de baile para poderem exercitar sua arte, aliás como contraponto perfeito de jogadores de futebol que hoje fazem a mesma coisa.

    E com os jogadores aprendemos que alguns se eternizam, mas a maioria apenas desfruta o sucesso de um gol, quando faz.

    Mas verificando as estatísticas de países que alcançaram 100% de alfabetização, 100% de atendimento em saúde, 100% de alimentação de seu povo e outras metas que ainda lutamos por realizar no Brasil, a poesia só circula nos estribilhos de músicas populares, o cinema nacional (quando existe) é documento de identidade examinado apenas por poucos curiosos, a música erudita um fardo de tradição no cotidiano que exibida na televisão estimula a troca de canal.

    Concordo com Carlos Henrique que o estado tem de para de dar palpites estéticos. Mas exigir agrado é diversão de governantes. E quanto mais democrático um estado, mais o poder será distribuídos por pequenos tiranos que vão querer ser agradados. Por outro lado, garantir a liberdade de expressão não significa financiar a expressão de quem quer que seja. Não existe demanda represada de algo que não está presente. Não existe demanda represada por circo, por coreto de praça, por biblioteca. Quando há necessidade de banda de música, a coletividade cria a sua própria.

    Portanto, mercado é uma coisa que se organiza quando há necessidade coletiva. Enquanto as necessidades forem individuais, não há densidade no corpo social para um fornecimento constante seja do que for, das vacinas contra epidemias às peças teatrais.

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