A propaganda que se apropria da arte e o artista que se apropria da propaganda. Trata-se de uma guerra particular, ou será uma briguinha de casal? O que você pensa sobre a relação entre arte e propaganda?

Matéria publicada recentemente no caderno Ilustrada da Folha de São Paulo, trouxe uma reportagem no mínimo inusitada. Com o título de “Briga de rua”, apresentou algumas iniciativas publicitárias que vêm seguindo o mesmo caminho percorrido pela arte, ou seja, vêm abandonando os espaços e mídias institucionais da categoria, como tv, cinema, impressos e passam a buscar na rua um contato mais próximo com o público – no caso, consumidor.

Mas não se trata de outdoors – assim como a pintura, o outdoor está restrito à moldura. O que algumas agências de propaganda vêm fazendo tem mais a ver com a apropriação da mídia pública, utilizando técnicas e conceitos típicos da expressão de rua, como, graffiti, e happenings – como falsas manifestações de reivindicação pública de um grupo de pessoas que pedem por uma academia de ginástica em seu bairro, que na verdade foram pagas para reivindicar.

É claro que artistas, grafiteiros e pesquisadores em arte não gostaram – algumas opiniões manifestaram claramente o repúdio à chamada mercantilização da arte. Alguns artistas de rua levam a manifestação além, intervindo em cima de outdoors e cartazes comerciais. Entretanto, o fato da propaganda se apropriar da arte, de suas técnicas e conceitos, com intuito de comunicar a venda de produtos não é novidade. Também não é novidade o fato de que muitos artistas se apropriaram das técnicas e conceitos do marketing para fazer circular a “cultura” e dar uma “profissão digna” ao artista.

Nesse sentido, arte e propaganda não vêm promovendo “briga” nenhuma, mas sim, perpetuando um caso de amor que talvez tenha começado lá na pop art – apesar de já existir um namorico não oficial há muito tempo. Nessa aparente guerra, que mais parece briga de casal, quem acaba pagando o pato é o público.

O que você pensa disso? Quais são as implicações para o público? Quais são as implicações para o espaço/mídia público? E o consumidor/cidadão?

* texto publicado na revista ArteCidadania em 10/07/2006, em coautoria com Leonardo Brant.


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Badah é Daniel Hernandes, designer paulista. Toca a manutenção do Cultura e Mercado e também é culpado pelo CeMcast.

6Comentários

  • Luiz Carlos Cardoso, 27 de maio de 2010 @ 11:05 Reply

    Em minha tese de graduação, relacionei o teatro através da linguagem da performance com a publicidade e propaganda através do MKT de guerrilha. Em minhas observações e diálogos de linguagem, concluí o que já está visto no social: nunca arte e propaganda foram tão paralelos, tão próximos e tão únicos como hoje. Ambas anseiam por uma ideia de sociedade menos efêmera e mais intensa, descartando o descartável, resgatando o excluído, atingindo o impensável, desconstruindo o opressor, alcançando o que há de mais intenso no ser humano, questionando-o e investigando-o.

    Bela matéria!

    Abraço,
    Luiz

  • Dani Torres, 27 de maio de 2010 @ 13:59 Reply

    Lembrei-me da propaganda de biscoito Tostines, de uns anos atrás: “vende mais porque está sempre fresquinho ou está sempre fresquinho porque vende mais?”

    Acho que se trata mesmo de um caso de amor antigo, sem briga alguma.

    E acho que uma parcela do público consumidor pode até se beneficiar, pois tem capacidade de fazer uma absorção crítica daquela linguagem artística apropriada pelo marketing. No caso inverso, com raras exceções – como a muito bem citada por vc, a pop art – na maioria das vezes o que acontece é um empobrecimento da criação e do fazer artístico em busca de uma linguagem mercadológica de fácil absorção (e consequentemente vendagem).

    O que estou defendendo é que, embora haja exceções, o mais comum é a arte perder qualidade quando é influenciada pelo marketing, publicidade e, principalmente quando é realizada por finalidades comerciais. No caso inverso, já é mais comum que uma linguagem artística acrescente características estéticas ou mesmo conteúdo, agregando valor à publicidade.

    Concorda?

    É uma tese… Mas não vou me arriscar a dar os exemplos (risos). Pensando um pouquinho, várias imagens vêm fácil à cabeça…

    Bons questionamentos, achei a matéria bem bacana!

    Abs, Dani Torres

  • Badah, 27 de maio de 2010 @ 20:58 Reply

    Pois é pessoal, não sou um especialista, mas lembro de ter me encantado com a idéia de “desinteresse estético” na minha época de pesquisas. E acho que, de certa forma, a não-função da obra de arte é algo tão forte e presente em nosso senso estético que qualquer coisa que assuma uma função pragmática é sumariamente desqualificada.

    Agora, isso não impede que outros campos da atividade humana possam se beneficiar desse privilégio concedido ao fazer artístico para se inspirarem, para se renovarem. Se a arte desempenha algum papel na sociedade, este poderia ser o de imaginar novos mundos. A arte não precisa ser casta, pelo contrário, poderia ser poligâmica, ter o máximo de amantes que pudesse e não apenas a publicidade. Como diria o Leo, que desenterrou este artigo, “democracia se faz com arte”. Oxalá “política se faz com arte”, “jornalismo se faz com arte”, “tv se faz com arte”!

  • Dani Torres, 27 de maio de 2010 @ 22:14 Reply

    Publicidade se faz com arte! :-)
    Adorei a resposta.
    Abs! Dani

  • Cardes, 31 de maio de 2010 @ 8:03 Reply

    A publicidade tem odores nauseabundos e espreita a todos nós cidadãos com o objetivo de nos reduzirem a vorazes consumidores. Tenho pena dos publicitários que se creem artistas. Enquanto são meros serviçais de empresários e comem suas migalhas.

  • Badah, 31 de maio de 2010 @ 23:49 Reply

    Artistas frustrados existem em todas as áreas. Eu mesmo sou um e não trabalho com publicidade. Lembro daquele documentário, “Arquitetura da Destruição” cuja tese é de que Hitler foi um artista frustrado também, ou que ao menos projetava em suas idéias políticas conceitos estéticos alinhados com a noção clássica de beleza, negando inclusive a arte moderna da época.

    Mal-gostos à parte, é interessante notar o impulso natural à estética presente em todos nós. Só acho uma pena que a arte enquanto instituição, sobretudo a contemporânea, recusasse a dialogar com outras áreas da criação e produção humanas. Isola-se no alto da montanha dos privilégios não-pragmáticos, esconde-se embaixo da saia da Academia e nega descaradamente sua condição especulativa e financeira atual.

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