Sigmund Freud afirmou certa vez que a arte oferece satisfações substitutivas compensadoras às renúncias impostas aos indivíduos pela civilização e suas contradições intrínsecas, sejam elas de ordem instintiva mais básicas, sejam as mais sutis e elevadas.  Além disso, elas intensificam os sentimentos de identificação e pertencimento levando à experimentação de sensações coletivas e gregárias, de grande importância na formação de uma sociedade. Se isso for verdade, será que todas as pessoas de uma determinada sociedade têm a possibilidade de obter tal satisfação? Em caso negativo, quais seriam as conseqüências?

Para o mesmo Freud há grupos sociais excluídos desse processo pela própria estrutura do capitalismo, o que causa quase sempre um descontentamento profundo provocando atitudes rebeldes e agressivas contra os valores da civilização. Pois quando uma dada forma de organização social pressupõe a satisfação de poucos tendo como premissa a opressão de uma grande maioria, é perfeitamente compreensível que essa mesma massa oprimida demonstre uma forte hostilidade contra essa sociedade, afinal ela contribui com seu trabalho para a sua existência, mas não goza de suas benesses.

Ao mesmo tempo, Freud enfatiza que a conduta moral não é o único patrimônio espiritual que caracteriza uma sociedade civilizada. É preciso considerar também o seu acervo de ideais e a sua produção artística; são eles as fontes de maior satisfação e não apenas a posse de riquezas materiais. A sensação de pertencimento e de realização pessoal oriunda do compartilhamento de ideais e da criação e fruição estética é o que pode vir a acentuar a coesão e o equilíbrio social e estimular um desenvolvimento humano mais amplo.

Naturalmente há muitos fatores que interferem nesse processo. As desigualdades sociais, no tocante ao acesso aos bens produzidos pela sociedade, aumentaram ainda mais e os meios de comunicação de massa, além de propagarem a informação em todos os cantos do mundo, acabaram se tornando eles próprios também produtores de novas realidades. A partir dessa experiência fragmentária que temos da realidade, fornecida pela mídia por meio de pautas, temas, recortes, ênfases, destaques, elaboramos a nossa maneira de ver o mundo e construímos os nossos ideais. E a arte? Em que medida ela compõe a vida dos indivíduos de modo a vir a provocar a satisfação substitutiva de fundamental importância no processo civilizatório, segundo o criador da psicanálise?

Numa sociedade midiática, que nos impõe a todo momento o culto à beleza a partir de critérios explícitos de consumo e nos seduz com mercadorias, atitudes e comportamentos revestidos de um forte apelo estético, nos defrontamos com novas funções e novas repercussões sociais da criação artística. A vida se tornou um espetáculo e a busca incessante e doentia por ser visto, por se transformar em imagem a ser consumida, tem se tornado um dos fios condutores do comportamento moderno.

Nesse contexto, quais seriam hoje as satisfações profundas que a arte nos ofereceria em nossa sociedade multifacetada, contraditória e desigual?


Gestor Cultural, diretor de teatro, dramaturgo e tradutor. Foi gerente na Secretaria de Políticas Culturais do MinC e é sub-secretário da cultura do Espírito Santo.

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