“Nessa méritocracia teríamos planos de longo prazo, que seriam projetos de Estado (e não de governo = o time, digo, o partido que está dono do poder no momento.) Quem merece, fica por mais tempo. Quem é ruim sai depois do período de experiência, logo após o primeiro ano”

No artigo passado falamos sobre a questão do Museu da Casa Brasileira, onde deformações do nosso modelo de gestão pública e da mídia fazem com que uma gestão que deveria estar sendo premiada esteja ao invés disso passando por momentos difíceis.

Agora, soube de um outro fato que mostra outros problemas de nossa gestão pública. Explico: fui dar uma palestra numa interessante cidadezinha do Espírito Santo, Mantenópolis, pioneira ao planejar desenvolvimento através da Economia Criativa. Tudo conseqüência do trabalho excelente que Neuza Mendes realizou à frente da Secretaria da Cultura deste estado. Acompanho seu trabalho desde 2005, quando participei do Fórum Internacional de Cooperação Cultural que realizaram. É incrível ver o que ela fez, colocando o Espírito Santo no mapa da Cultura, desenvolvendo projetos extremamente originais e bem embasados, indo de fato aos municípios para empoderá-los e formular propostas de fato endógenas.

Soube então da decisão de substituir a secretária Neuza. Eis uma decisão que parece (e infelizmente isso é uma tradição brasileira) ditada pela necessidade de barganha política e não pela competência e boa governança.

Os próximos quatro anos seriam para consolidar de fato o que foi realizado e, ao invés disso, há o risco de se cair de novo no eterno buraco da política brasileira: desperdiçar tudo o que foi feito, em nome do compromisso com aliados (que leva a distribuir cargos para quem apóia o partido). Como isso ainda não foi feito, confiamos que o governador continue sendo tão sensato e competente como sempre foi e não desperdice o trabalho de qualidade desses últimos anos.

Mas, cito esse caso, pois ele nos leva a insistir numa questão que já levantamos: a necessidade de rever os modelos de gestão pública, de governo. Fica cada vez mais claro que, assim como passamos de monarquia para república, agora é o momento de passar para outro modelo.

Impossível planejar e construir sustentabilidade quando se tem projetos que acontecem – e desaparecem – de quatro em quatro anos.

Impossível ter qualidade quando os cargos de gestores não dependem do mérito, de competência, mas sim de moeda política.

Impossível um processo de moralização e luta contra a corrupção, quando ela é permitida porque alimenta o caixa dos partidos.

Impossível ações efetivas, especialmente de desenvolvimento, sem ação integrada e coordenada entre setores e diferentes pastas dentro do governo.

Por isso tudo, reforço a proposta de que comecemos a desenhar um novo modelo de gestão: uma “méritocracia “, onde a escolha se dá por competência. Nessa méritocracia se escolhem pessoas (porque são elas que fazem a diferença) e os partidos podem deixar de existir (sem que a gente caia numa ditadura). Esta parece uma proposta descabida, mas é interessante pensar como seria um futuro sem partidos. Quanta baixaria e desperdícios seriam evitados! Os bons programas e projetos teriam vida maior do que quatro anos, tempo insuficiente, aliás, até para colher frutos daqueles que nascem em árvores, que dirá daqueles que nascem de articulação e processos.

Nessa méritocracia teríamos planos de longo prazo, que seriam projetos de Estado (e não de governo = o time, digo, o partido que está dono do poder no momento.) Quem merece, fica por mais tempo. Quem é ruim sai depois do período de experiência, logo após o primeiro ano.

Pena que ainda não vivemos isso. E assistimos a um enorme desperdício de talento, mobilização, dinheiro e tempo investidos. Desperdício que acontece, por exemplo, a cada vez que uma Neuza Mendes (e são muitos os casos como o dela) é substituída (apesar de toda a movimentação do setor cultural e da sociedade em seu favor).

Enfim, continuamos na esperança que na gestão pública, e nas demais esferas de liderança da sociedade, a qualidade ganhe cada vez mais da barganha. E que nos dediquemos a desenhar e discutir um novo modelo de gestão pública.

Lala Deheinzelin


Diretora-presidente da Enthusiasmo Cultural, coordenadora do Global Committee on Creative Economy e diretora de cooperação internacional do Instituto Pensarte.

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