Henry Burnett faz uma intinerância por sua memória afetiva para decapar o terreno de aparente novidade que envolve o tecnobrega paraense.
Nesse momento, para quase todos os brasileiros, a Banda Calypso é sinônimo de música paraense. A explicação é simples, mas não desimportante: o consumidor lembra sempre daquilo que está cronologicamente mais perto na sua memória.
Portanto, essa lembrança imediata da banda paraense não é definida apenas por uma questão de gosto, mas como resultado da audição comercial simplória a que fomos submetidos nas últimas décadas. Não faz sentido para os ouvintes médios atuais guardar nada na memória. Daí a quase certeza de que, em breve, a banda nortista seja relembrada como um momento do passado, como o grupo É o tchan.
É uma constatação triste e que nada tem a ver com o valor da banda Paraense. A tristeza está ligada não com o que se ouve exaustivamente até cansar, mas com o que se deixa de ouvir num país como o nosso, com tudo que fazemos em matéria de música.
O lado bom é que muitas pessoas agora podem saber com um pouco mais de certeza onde fica Belém e que lá existe uma outra graça, distante e peculiar; tudo isso graças ao empenho da dupla Joelma e Chimbinha. Isso não é pouco num país que não se reconhece dentro do conceito de nação.
Passei toda minha vida ouvindo brega paraense – que, é preciso dizer, não é um adjetivo, mas um estilo musical com características próprias, cuja história e várias sonoridades podem ser exploradas aqui (recomendo vivamente o link flash brega). Posso dizer sem nenhuma maldade que a Banda Calypso é um arremedo do que guardo em minha memória auditiva.
Quando vejo a euforia com que as pessoas se referem à música paraense, não posso deixar de sentir um orgulho terral de quem saiu de Belém, pela primeira vez, somente aos 27 anos; um enraizamento sem cura. Mas também sinto certo ciúme, como se essa descoberta fizesse parte de algo parecido com as diversas tentativas de “salvar a Amazônia” que ouvimos todos os dias; e nas quais não podemos acreditar muito. Vai ver é desconfiança de índio.
A reboque do calypso, outros sons paraenses chegaram aos ouvidos sudestes. Podemos ouvir ecos de música paraense tradicional em compositores renovadores, como é o caso do Kassin e seu recente e excelente Futurismo (Ping Pong 2007); em uma das faixas, “Água”, a referência aos Mestres da guitarrada é escancarada, e linda; sem falar do trecho incidental citando “a máquina do som” – adjetivação de uma das inúmeras aparelhagens que tocam nas festas em Belém e no interior. Indescritíveis fora do “habitat”.
Muito tempo atrás, o mesmo Kassin me disse de viva voz que o tecnobrega era um som que ele adorava. Na hora estranhei, mas hoje entendo perfeitamente que se tratava de uma sonoridade absolutamente nova, daí o interesse de um músico sensível como ele.
O tecnobrega faz parte da modernização tecnológica, digamos assim, daquele brega que eu ouvia na infância e adolescência. Todos os anos, quanto volto a Belém, sempre me deparo com uma nova safra de músicas criadas a partir de sons digitalizados e processados em computador. Velocidade, muita velocidade ganhou os versos debochados e românticos a que eu estava acostumado tempos atrás.
Não cabe avaliar se essas mudanças são positivas ou negativas; elas simplesmente fazem parte de um movimento natural. A empatia entre artistas e público em Belém segue intacta. Para quem preferir o lento e melódico brega, das antigas, basta conferir o famoso Brasilândia: o calhambeque da saudade, aparelhagem responsável pela preservação da memória do brega clássico.
O que sempre me agradou no estilo foi a auto-ironia. Quando isso passa a instrumentalizar um discurso oficial, uma teoria de modernização da música brasileira então parece que os estilos desaparecem, que precisamos de uma ruptura entre o novo e o velho, e aí implodimos as diferenças, o que é péssimo.
Não faz nenhum sentido opor essa produção, chamada estranhamente de “periférica” (onde é o centro, Goiás?), aos compositores-cantores que se consagraram no estilo da canção popular. Pensar que o lirismo cancional não tem mais nenhum elo de ligação com o ouvinte é acreditar que não existe mais humanidade. As canções diluídas da memória do povo, e que teimam em permanecer, comprovam o erro desse argumento.
Seria muito bom poder aproveitar a euforia em torno do calypso e continuar a descobrir a música paraense, seus compositores, a deslumbrante cena roqueira, sua literatura, seus cheiros e encantarias; garanto que a viagem não seria perdida.
Nosso mal é sempre o maniqueísmo, opor tudo e todos: ou fazer do brega um estilo menor ou então pensar nele como a nova música do Brasil. Se superássemos isso, não seria preciso teorizar, simplesmente pegaríamos um avião para Belém e viveríamos a intensidade de uma distinta natureza.
Henry Burnett
5Comentários