A UFES acaba de lançar, por meio do programa de pós-graduação em Letras, a revista “Contexto” n. 16. Nela tive o prazer de publicar o texto “Uma recriação fiel: diálogos entre o autor e o seu tradutor”, resultado de uma palestra ministrada ao lado do amigo Wilbert Salgueiro e mediada por Jô Drumond. A platéia repleta no IC-4 tornou o momento mais agradável e prazeroso, além de rico em perguntas e manifestações.

Entre 1963 e 1967, Guimarães Rosa e Curt Meyer Clason, dois grandes conhecedores de vários idiomas, trocaram perto de 60 cartas, registrando discussões linguísticas profundas sobre as traduções da obra do escritor mineiro para a língua  alemã.

Quase 40 anos depois, a Editora Nova Fronteira junto com a Academia Brasileira de Letras e a UFMG, lançaram em todo o Brasil o livro João Guimarães Rosa  – Correspondência com  seu tradutor alemão Curt Meyer Clason, com edição, organização e notas de Maria Apparecida F.M. Bussolotti, cujas cartas tive a honra de traduzir.

Ao ler então a minha tradução para o português de suas cartas enviadas a Guimarães Rosa, assim me escreveu Curt Meyer Clason: “Li com atenção e curiosidade a tradução de minhas cartas dirigidas a João Guimarães Rosa…:magnífica!” Além de uma ponta de orgulho, tive a real sensação de um dever cumprido, pois esta  avaliação, feita por um dos maiores tradutores do mundo ocidental, foi também motivo de alegria e certeza de que consegui transmitir as sutilezas discutidas por dois grandes intelectuais do mundo ocidental.

Além da consulta constante aos livros de Guimarães Rosa citados ao longo das cartas e a pesquisa do significado das raízes de determinadas palavras alemãs utilizadas por Clason, em sua busca de uma correspondência perfeita com as criações rosianas, procurei dar o tom de coloquialidade de uma conversa entre dois grandes amigos e colaboradores. Mas sem perder de vista de que se tratava de questões complexas e extremamente importantes para a transposição de uma obra tão brasileira e, ao mesmo tempo, tão universal, para um contexto tão distante e diverso como o alemão.

Ao final, ficou a sensação de ter sido bem sucedido.

Tradutor de Drummond, Mário de Andrade, João Cabral e Ferreira Gullar, entre outros, C.M. Clason assumiu o grande desafio em sua vida de traduzir para o alemão quase toda a obra de Guimarães Rosa. Em discurso na Academia Brasileira de Letras em 1965, ao receber a medalha Machado de Assis por suas traduções, afirmou: “Para Guimarães Rosa, escrever era inspiração, impulso, delírio e, ao mesmo tempo, trabalho de laboratório, montar, rejeitar e procurar novamente”. Escrever era a prova incessante de sua vida.

Guimarães Rosa assim definiu o trabalho de C.M. Clason : “É o melhor de todos os meus tradutores, provavelmente um dos melhores que há no mundo.”

O livro é de fundamental importância a todos que se interessam por literatura, interculturalidade e, sobretudo, pelo fenômeno da tradução. Ou nas palavras de Guimarães Rosa: “A gente morre é para provar que viveu”. Parabéns aos organizadores da revista.


Gestor Cultural, diretor de teatro, dramaturgo e tradutor. Foi gerente na Secretaria de Políticas Culturais do MinC e é sub-secretário da cultura do Espírito Santo.

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