Definir relevância cultural é fascismo, já disse isso uma vez e repito. Mas relevância política não. Econômica tampouco. A primeira tem a ver com liberdade de criação, a segunda com definição de rumos de uma nação e a terceira com os resultados econômicos concretos de um programa que continua acéfalo e destituído de sentido político-ideológico. Uma salada-russa esta Lei Rouanet.
Não quero falar muito sobre a orientação política do governo Lula. Sempre votei no Lula e simpatizo com o presidente, como líder e como brasileiro. Aprovo seu governo, ao contrário do que muitos pensam. Não faço oposição sistemática ao MinC, mas sim à proposta de criação do Profic e seus conseqüentes desdobramentos político-econômicos. Aqui mesmo nesta edição, declaro-me a favor do MinC na crise da TV Brasil.
Mas este apoio não significa concordância. Pelo contrário. Não vejo no governo Lula um Projeto-Brasil claro. Continuo afirmando que Lula e FHC continuam efetivando, com estrondosa eficácia, a agenda proposta por Fernando Collor, o pai do neoliberalismo brasileiro. E não temos um plano que contraponha ou substitua o de Collor.
Como podemos aceitar um discurso de contraposição neoliberal se toda a política macroeconômica favorece, como nunca, ao setor financeiro e às bases da estratégia neoliberal? Parace-me, no mínimo, esquizofrênico.
Eu não topo entrar nessa. Como já disse, se vamos combater o neoliberalismo, comecemos pelos bancos. O setor cultural deve vir por último. O tal fortalecimento do papel do Estado perante a cultura é uma piada. Basta dar uma olhada nos números. O que o setor faz pela sociedade brasileira e o que recebe de volta? Um blefe!
Vamos às questões econômicas. Trago propostas concretas!
Para se fazer qualquer intervenção com mínima seriedade e compromisso com o desenvolvimento da atividade cultural, há de se fazer um estudo mais aprofundado sobre as cadeias produtivas, detectando suas potencialidades e também seus nós e fragilidades. Ou então vamos continuar aprisionando artistas e profissionais da cultura em um círculo vicioso que parece ganhar força a cada proposta governamental.
A partir daí, podemos pensar em critérios que valorizem o incentivo onde as cadeias produtivas estão mais fragilizadas, tirando o pé do acelerador dos lugares onde se concentram recursos e atividades.
Em meu livro Mercado Cultura, de 2001, elaborei uma proposta de classificação das ações culturais por fases de desenvolvimento. Da pesquisa à exibição, passando por processo criativo, produção, difusão, as atividades culturais se desenvolvem de maneira complexa, com comportamentos diversos segundo o ramo de atividade.
Pensada na lógica econômica (o que é uma Lei de Incentivo senão um mecanismo econômico?), pode ser mapeada e reconhecida segundo uma visão setorial. Insuficiente para dar conta dos desafios de uma política pública, mas útil para compreender os vácuos a serem preenchidos pela ação direta do Estado. Fora isso é jogar dinheiro pela janela, já nos disse o Sarcovas.
Se o poder público conhece a situação real de cada setor, não terá dificuldade de apoiar ações onde está mais frágil, redirecionando as concentrações e ajudando a massagear os pontos de grande potencial cultural e baixo desenvolvimento econômico (juro que eu pensei que o Do-in Antropológico fosse isso).
Hoje acrescentaria a esta tipologia outras questões, como intencionalidade da ação, por exemplo. Se uma ação cultural desenvolve-se sem finalidade de lucro, seu benefício deve ser analisado por seu impacto sociocultural, mas se é uma atividade da indústria, pode e deve ser acompanhado segundo a sua capacidade de gerar postos de trabalho, ativar cadeias auxiliares e recolher impostos.
Qual a vocação de determinada ação cultural pleiteante ao incentivo ou ao fomento? Quais são suas reais condições de ativar o setor, de atender a população? Qual a pertinência e o impacto dessa ação, dentro de uma visão sistêmcia mais ampla?
Em poucas palavras, o que posso dizer é que a Lei Rouanet sequer necessita de mudanças mais profundas, de texto da lei. O que precisamos é da mudança de atitude do poder público perante o incentivo. De uma cartilha clara, que substitua de maneira definitiva o bordão “Cultura é um bom negócio”, ainda vigente por falta de atenção e visão estratégica do ministério em relação ao mecanismo. Que é relevante do jeito que está, mas pode tornar-se estratégico.
Em vez de um órgão que aprova, pune e provoca incontáveis dificuldades ao produtor e ao artista, precisamos de um ministério que apóie e produção cultural e ajude-nos no já difícil desafio de constituir um mercado cultural.
Se não atrapalhar, já ajuda!
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