Foto: João Cortez
Definir relevância cultural é fascismo, já disse isso uma vez e repito. Mas relevância política não. Econômica tampouco. A primeira tem a ver com liberdade de criação, a segunda com definição de rumos de uma nação e a terceira com os resultados econômicos concretos de um programa que continua acéfalo e destituído de sentido político-ideológico. Uma salada-russa esta Lei Rouanet.

Não quero falar muito sobre a orientação política do governo Lula. Sempre votei no Lula e simpatizo com o presidente, como líder e como brasileiro. Aprovo seu governo, ao contrário do que muitos pensam. Não faço oposição sistemática ao MinC, mas sim à proposta de criação do Profic e seus conseqüentes desdobramentos político-econômicos. Aqui mesmo nesta edição, declaro-me a favor do MinC na crise da TV Brasil.

Mas este apoio não significa concordância. Pelo contrário. Não vejo no governo Lula um Projeto-Brasil claro. Continuo afirmando que Lula e FHC continuam efetivando, com estrondosa eficácia, a agenda proposta por Fernando Collor, o pai do neoliberalismo brasileiro. E não temos um plano que contraponha ou substitua o de Collor.

Como podemos aceitar um discurso de contraposição neoliberal se toda a política macroeconômica favorece, como nunca, ao setor financeiro e às bases da estratégia neoliberal? Parace-me, no mínimo, esquizofrênico.
Eu não topo entrar nessa. Como já disse, se vamos combater o neoliberalismo, comecemos pelos bancos. O setor cultural deve vir por último. O tal fortalecimento do papel do Estado perante a cultura é uma piada. Basta dar uma olhada nos números. O que o setor faz pela sociedade brasileira e o que recebe de volta? Um blefe!

Vamos às questões econômicas. Trago propostas concretas!

Para se fazer qualquer intervenção com mínima seriedade e compromisso com o desenvolvimento da atividade cultural, há de se fazer um estudo mais aprofundado sobre as cadeias produtivas, detectando suas potencialidades e também seus nós e fragilidades. Ou então vamos continuar aprisionando artistas e profissionais da cultura em um círculo vicioso que parece ganhar força a cada proposta governamental.

A partir daí, podemos pensar em critérios que valorizem o incentivo onde as cadeias produtivas estão mais fragilizadas, tirando o pé do acelerador dos lugares onde se concentram recursos e atividades.

Em meu livro Mercado Cultura, de 2001, elaborei uma proposta de classificação das ações culturais por fases de desenvolvimento. Da pesquisa à exibição, passando por processo criativo, produção, difusão, as atividades culturais se desenvolvem de maneira complexa, com comportamentos diversos segundo o ramo de atividade.

Pensada na lógica econômica (o que é uma Lei de Incentivo senão um mecanismo econômico?), pode ser mapeada e reconhecida segundo uma visão setorial. Insuficiente para dar conta dos desafios de uma política pública, mas útil para compreender os vácuos a serem preenchidos pela ação direta do Estado. Fora isso é jogar dinheiro pela janela, já nos disse o Sarcovas.

Se o poder público conhece a situação real de cada setor, não terá dificuldade de apoiar ações onde está mais frágil, redirecionando as concentrações e ajudando a massagear os pontos de grande potencial cultural e baixo desenvolvimento econômico (juro que eu pensei que o Do-in Antropológico fosse isso).

Hoje acrescentaria a esta tipologia outras questões, como intencionalidade da ação, por exemplo. Se uma ação cultural desenvolve-se sem finalidade de lucro, seu benefício deve ser analisado por seu impacto sociocultural, mas se é uma atividade da indústria, pode e deve ser acompanhado segundo a sua capacidade de gerar postos de trabalho, ativar cadeias auxiliares e recolher impostos.

Qual a vocação de determinada ação cultural pleiteante ao incentivo ou ao fomento? Quais são suas reais condições de ativar o setor, de atender a população? Qual a pertinência e o impacto dessa ação, dentro de uma visão sistêmcia mais ampla?

Em poucas palavras, o que posso dizer é que a Lei Rouanet sequer necessita de mudanças mais profundas, de texto da lei. O que precisamos é da mudança de atitude do poder público perante o incentivo. De uma cartilha clara, que substitua de maneira definitiva o bordão “Cultura é um bom negócio”,  ainda vigente por falta de atenção e visão estratégica do ministério em relação ao mecanismo. Que é relevante do jeito que está, mas pode tornar-se estratégico.

Em vez de um órgão que aprova, pune e provoca incontáveis dificuldades ao produtor e ao artista, precisamos de um ministério que apóie e produção cultural e ajude-nos no já difícil desafio de constituir um mercado cultural.

Se não atrapalhar, já ajuda!


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

13Comentários

  • Rafael Gonçalves, 31 de julho de 2009 @ 23:09 Reply

    Mas o político tende a criar o mecanismo de tornar-se relevante…
    Adiante disto, que seja boa a vocação e ambições, outrora, nos façamos ouvir mais claramente.
    E é nesta voz ainda dissonante, que o eco a difunde incompreensível.

    Não é tarefa fácil não, contextualizar e posicionar um sentido pra política cultural, tendo vocação de um lado, potencial, alcance e a dimensão comercial que a Cultura atinge sim, integrando-se ao mercado, e fomentando seu próprio nicho, mercado cultural.

    Acho que esta queda de braço ainda rende muitos rounds e, sem que tenhamos um consenso, que ainda acho possível, sobre o que podemos, queremos e devemos (talvez re-instituir); fica muito difícil dialogar com poderes oficiais que te praxe já tem na gaveta e na pasta, todas as manobras possíveis para seguir com seus planos adiante.

    Endosso seu questionamento Leo.
    Avaliar a conjuntura é condição quase que sine qua non para entender o que se passa no cenário de legalização da política e economia Cultural.

    Temos de amadurecer o debate.
    Mas ele parece miúdo, sobre certos aspectos. Não que careça de subsidíos, mas de embate e mobilização. E para mobilizar, é preciso conquistar adesão ao instrumento que é o debate, independente de tom conciliatório ou mesmo partidário de alguma opinião ou encaminhamento.

    O que você compartilha lança luz por esta longa e larga estrada.
    Torço pra que possamos cruzá-la, mas é bem provável que antes, tenhamos que descobrir onde estão e assim retirarmos as pedras do caminho.

    Abraço!

  • Leonardo Brant, 3 de agosto de 2009 @ 10:29 Reply

    Uma inquietação compartilhada por vários colegas e autores deste blog: alguém aí viu o texto da lei do Vale Cultura? Abs, LB

  • Carlos Henrique Machado, 3 de agosto de 2009 @ 18:39 Reply

    Leonardo
    Relevância econômica e política, qualquer setor da economia tem. No entanto, todos eles bancam, por conta e risco, os seus mercados a partir de um fundamento simples de investimento e lucro privado. Portanto, por mais que as políticas de qualquer setor tenham relevância, elas não têm nenhum privilégio como a cultura. Se a cultura não tem relevância como seus aspectos culturais, isso, além de desqualificar todo e qualquer profissional envolvido como este mercado, transforma-se em atividade comum. Se não há relevância em cultura, por que então haer privilégios? Sinceramente, com essa lógica, não consigo ver diferença em quem, por exemplo, compõe uma música e quem planta tomates. Os dois têm relevância política e econômica, ou estou enganado?

  • Leonardo Brant, 5 de agosto de 2009 @ 11:30 Reply

    Carlos, estou falando de política pública. Ao contrário do que vc diz, a cultura é o setor que menos tem incentivo do estado. Apenas 1,46% dos incentivos fiscais federais vem para este setor estratégico, não só por sua função social mas também econômica. Não vejo nenhum motivo para o artista ter privilégio sobre os demais trabalhadores. Apenas considero o setor estratégico e, assim sendo, deve receber uma atenção especial para reforçar sua importância e ativar a capacidade produtiva e econômica dos profissionais da área. Essa capacidade está atrofiada por falta de infra-estrutura e de base programática e institucional consistente e compatível com essa sua característica. O que não podemos é suprir essa deficiência com palavras bonitas, porém vazias de propósitos. Puro ópio! Abs, LB

  • Carlos Henrique Machado, 5 de agosto de 2009 @ 16:13 Reply

    Pois é, Leonardo.

    De fato não há nada de bonito nisso. A poesia, ou mesmo como disse Chico Buarque, a melodia foi jogada às feras.

    A Lei Rouanet, por exemplo, podemos classificar sem susto, pelo conjunto da obra no “ESCÂNDALO CULTO DA MANDIOCA” com sofisticações das trincheiras dos diplomas e cargos políticos por sobrenomes ou pela contribuição presencial na panfletagem, este atacadão “tem de tudo” chamado “Shopping Rouanet” faz um link perfeito com as políticas ´municipais e estaduais de cultura. De fato, por achar que relevância cultural é mera retórica fascista que isso virou um sururu no galinheiro. E que qualquer um pode ocupar qualquer cargo em empresas privadas e administrações públicas, principalmente em prefeituras e estados onde as políticas deveriam ser mais contempladas por estarem mais próximas do cidadão e com possibilidades de redistribuição mais democrática.

    São Paulo, por exemplo, que tem um secretário estadual de cultura que é o panfleto em pessoa, pior, um misto com um matémático de lápis na orelha, o que podemos esperar se não tivermos critérios, mínimos que seja, que valorizem todos os profissionais que mergulham em qualificações?

    Observe bem lá naquele discurso do discurso do Sayad, o último em que ele se contrapõe ao governo federal, Sayad puxa a sardinha para o si quando diz: “mímica sim, por que não?”. Lógico que ele estava se valorizando, porque ele é a própria encarnação do mínimo com sua visão de política pública de cultura.

    Por isso, temos mesmo que seguir o conselho do Seu Pedro que disse: “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

    Grande abraço

  • Divo César, 9 de agosto de 2009 @ 14:46 Reply

    Pois é.
    Costumo dizer que se você se elegeu para dono de açougue, fica complicado vc querer defender a natureza, ser yogue/vega e fazer proselitismo de alimentação e saude ambiental.

    O Lula/lá foi e tem sido algo incomum na condução da vida nesta parte do universo.

    Agora sobre Cultura, deixo aqui uma simples questão: o que é cultura?
    Não seria, o ministério, as secretarias de cultura, o “carro chefe” de uma organização que pretenda conduzir os seres humanos ditos “em sociedade”?????????

    O Taismo – filosofia – os principios fundamentais da milenar medicina tradicional chinesa, bem como a ayurveda, indiana, firmam como papel do homem “ser o elemento de ligação entre céu e terra” e não o destruidor ou o construtor. O universo, a natureza, recicla-se por si!

  • Divo César, 9 de agosto de 2009 @ 14:48 Reply

    Perdoem a falta importantíssima de um “O” no comentário anterior

  • Cacá de Souza, 9 de agosto de 2009 @ 15:07 Reply

    Voce sempre votou no Lula!! Pois é, pois é isso que temos de retorno.
    NADA….a politica cultural do governo(?) Lula..é uma tragédia.
    abs

  • Roberio Pitanga, 10 de agosto de 2009 @ 8:21 Reply

    Quem ou o quê tem o poder de decisão de o que é bom, ou ruim?
    “O povo sabe o que quer e o povo também quer o que não sabe!”
    Como definir o que se deve ter o respaldo governamental e quem deve “pastar” para poder seguir com as suas alucinações, que podem até trazer novidades inimagináveis à cultura?
    É um tema difícil de solucionar!
    A relevância da cultura (e do que é boa manifestação cultural) deveria ser diretamente proporcional a novidade e autenticidade? Ou ao reconhecimento público de uma nação com os “deveres de casa” incompletos? (Creio que a humanidade como um todo está com os deveres incompletos, umas sociedades mais que outras em alguns aspectos e outros menos que outras em outros…)
    Sendo essa manifestação tradicional, aonde a linguagem é a novidade, que peso tem em relação ao novo por si só, sem precedentes?
    Creio que o que falta é mais capacidade de tolerância na sociedade, para respeitar o que existe e dar condições do novo aparecer!
    Uma sociedade que briga para saber quem esta certo e quem está errado sempre cometerá o erro de não saber o que é bom ou ruim, por não haver dado espaço para as “coisas” se manifestarem por si só! E depois de muito exercício democrático sim, poderemos ter um pouco mais noção do que pode ser bom para o nosso crescimento! Será que seremos tão completos para saber o sincronismo da vida e sua lógica?
    A imagem externa do Brasil é que ele saiu do “subdesenvolvimento” e está no bloco dos BRIC, as novas potências. Ou superpotências?
    Isso graças ao neoliberalismo do Collor? Não creio! Sim ao “analfabetismo” do Lula, que sendo um ser de simples composição, ao olhar da sociedade organizada, conseguiu mudar muitos parâmetros no Brasil. Os ladrões sempre estiveram, agora é que estão sendo mais sinalizados, mas eles sempre estiveram ai! O crescimento é múlti-direcional, e não só o mal está crescendo!
    Esse próprio debate é um resultado positivo da história do Brasil e do mundo, que hoje temos esses teclados silenciosos capazes de explodir conceitos milenares!
    “Às vezes numa derrota se encontra a chave para próxima vitória!”
    E o que vale? Ganhar? No caso da Lei Rouanet o debate está longe de se chegar ao final, mas vejo aqui “guerreiros” trilhando o rumo! Acertado ou não, têm que existir a necessária tolerância!
    Os olhos devem estar abertos!
    Agora, falar de relevância cultural, bem penso que se estivéssemos em um ambiente farto, sobrado, não deveria haver relevância! Tudo e todos deveriam ter o direito de exercer o papel de ferramenta materializadora do que vem do além! Mas essa não é a realidade! E para chegar até ela creio ser necessário selecionar! Experimentar sim, sempre, mas dividir os grupos, os que devem ser motivados, os que devem ser experimentados, os que devem ser observados, os que devem ser educados! Educados? Sim, com valores de tolerância! Olha ela ai de novo!

    Enfim, “parabéns” não, que o bem deve seguir caminhando! Felicidades LB & Cia!

    O debate deve seguir!

  • Liene, 11 de agosto de 2009 @ 9:01 Reply

    Leonardo, sobre a ausência do texto da lei do Vale-Cultura, talvez você já tenha entrado em contato com a matéria, mas de qualquer forma a repasso por aqui: sss://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090805/not_imp413780,0.php

    Um abraço.

  • HELENA BEATRIZ R. PEREIRA, 11 de agosto de 2009 @ 10:16 Reply

    Bem, eu já falei tudo a respeito dessa famigerada reforma da Lei Rouanet que não precisa ser reformada, é apenas atentar para alguns fatos como: 1- saber para onde vai o dinheiro da captação que nem sempre é para o captador e sim para intermedi[arios; 2- saber onde estão eles porque só atuam emcausa própria ou por “QIs’; 3-fazer uma grande varredura em todas as empresas e aí irão saber o que é o que ou quem é quem; 4- o governo manda as empresas apoiarem a cultura com migalhas mas o que deveria é ele mesmo manter as condições e pagar mesmo os projetos e não fingir que existe realmente uma comissão condigna para avaliar pois somente assitimos serem agraciados com patrocínios algumas ou mesmo muitas porcarias que estão na mídia. Coisa séria é que não é. Pensem bem no que estão fazendo com a nossa cultura, que já nem existe mais, está sendo totalmente deturpada! Pois bem, a Lei é nossa, mas de quem ? Quem mais apoia é justamente quem já sabe que está com o patrocínio garantido, os outros que se danem !

  • Marcos, 16 de agosto de 2009 @ 21:50 Reply

    1. O debate no país é pobre, demasiado setorizado, com todos achando que têm razão e que falam pelo todo mas quase sempre falando por seu interesse imediato, a despeito do idealismo (idealismo não é necessariamente bom, a utopia pode ser mediocre também). O pensamento é velho, superado.
    2. O governo Lula foi uma enorme decepção na area da Cultura e do Meio Ambiente. Concordo que foi importante em muitos sentidos, para outras areas, para o pais em geral (conjunto da obra), mas lamentável na Cultura e no Meio Ambiente e no avanço institucional político (relação com o congresso, aceitação ou cooptação via corrupção), etc.
    3. Para mim este governo terminou. Estou olhando para o futuro e politicamente nao vejo alternativas (espero que Marina confirme sua candidatura – assim votarei nela e não nulo -, mas sabemos que a pequena, mesmo que forte, entra na cena nua com a mão no bolso).

    Portanto, as alternativas serão nossas, sociedade civil. “Será que nunca faremos senão confirmar a incompetência da América Católica que sempre precisará de ridículos tiranos?”

  • lucila, 21 de setembro de 2009 @ 16:18 Reply

    Leonardo,

    o mercado cultural está atrofiado? Faltaram investimentos em infra-estrutura? Por parte de quem?
    A lei do audiovisual, criada com o intuito de propiciar a criação de uma indústria do cinema, segue mais de década depois dando 100% dos recursos para produções cinematográficas, e as grandes produtoras seguem mamando tudo a cada projeto. Investiram em quê? Nada. Querem as tetas, sempre!
    Quando o governo foi abrir a discussão para rever a lei, tomou pau de todo lado – cineastas, empresas de comunicação/produtoras, distribuidores, tudo.
    A ‘indústria cultural’ no Brasil quer se sustentar na base do 100% de esmola, generosamente gerenciada pela iniciativa privada, nesse filme B em que todos se dão bem no final, bebem champanha e descem o pau no Estado, como se não fosse ele, o Estado, o único investidor.

    Com relação à tal relevância cultural, permita-me supor que vá além do valor de mercado que um projeto cultural tenha. Suponha que se baseie em critérios associados à promoção da diversidade cultural, à democratização do acesso às linhas de investimentos (suponha, aliás, que seja essa a intenção da cartilha sobre o edital da Lei). Suponha que se trate de projetos que contemplem artistas/produtores que não estão no mapa, para que possam também passar a frequentá-lo, esse mapa de poucos.

    Um abraço.

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