Foto: Carf
A nova receita do MinC para equilibrar a concentração dos recursos na região sul e sudeste talvez esteja sendo deflagrada no âmbito da CNIC. O Ministro vem se posicionando de forma contrária a toda e qualquer utilização da cultura brasileira pela indústria e pelo mercado. Mas, como ele não é Madre Tereza (ele próprio diz), costuma agir de forma diferenciada quando essas manifestações vem do seu reduto eleitoreiro. Foi isso que ele demonstrou após aprovação do projeto de Lei Rouanet da turnê do músico Caetano Veloso.

Depois de causar polêmica com o pífio Profic, defendendo algo que todos que entendem do funcionamento do mecanismo sabemos ser possível controlar e aprimorar apenas com uma boa gestão, o MinC arregaça a manga e resolve praticar suas incoerências e concentrações de poder numa clara demonstração de clientelismo e favorecimento anti-democrático de seu conterrâneo. Como já havia feito, aliás, com a irmã de Caetano, Maria Betânia.

Quero deixar claro que não vejo nada demais na aprovação do projeto de Caetano, como declarei, aliás, no especial da TV Cultura sobre a Lei Rouanet. O que salta à vista é a incoerência do ministro e seu jeito getulista de governar: “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.

A matéria publicada hoje por Marcio Aith, na Folha de S.Paulo, esclarece essa prática:

“O Ministério da Cultura voltou atrás e autorizou os produtores do músico baiano Caetano Veloso a usar os benefícios fiscais da Lei Rouanet para bancar os shows de divulgação de seu último CD, o ‘Zii e Zie’.

A decisão foi publicada no ‘Diário Oficial da União’ de ontem, assinada pelo secretário-executivo adjunto do ministério, Gustavo Carneiro Vidigal Cavalcanti.

A decisão encerra, a favor dos produtores de Caetano, uma polêmica que já dura um mês. No dia 21 de maio passado, a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que analisa os projetos aspirantes ao benefício da Lei Rouanet, decidiu que o ‘Tour Caetano Veloso’, no valor de R$ 2 milhões, não precisava de incentivo por ser comercialmente viável.

A decisão da CNIC foi revelada pela Folha, assim como a pressão da ex-mulher e empresária de Caetano, Paula Lavigne, para que o ministro da Cultura, Juca Ferreira, revisse a decisão e autorizasse o uso de dinheiro público, via renúncia fiscal das empresas patrocinadoras, para divulgar o show.

Em entrevista à Folha no último dia 12, Ferreira sinalizou que a decisão seria reformada, mas negou que Paula Lavigne o tivesse pressionado. ‘Ela não fez nenhum sauê, apenas ligou para mim e perguntou qual critério tinha sido utilizado para Caetano, que ela não percebia que tinha sido usado para outras pessoas.’

Na ocasião, Juca disse à Folha que a Lei Rouanet não tem nenhum critério estabelecendo que os artistas bem-sucedidos não podem ter seus projetos aprovados. ‘No ano passado, quando eu intervim para aprovar o show da Maria Bethânia [a CNIC também tinha negado acesso da cantora à Rouanet], já tínhamos aprovado projetos da Ivete Sangalo, artista mais bem-sucedida comercialmente em todos os tempos. Não podemos sair discricionariamente decidindo, sem critérios.’

A CNIC é um órgão colegiado que pertence ao Ministério da Cultura. O ministro pode, a seu critério, rever as decisões da comissão. O ministério informou, no entanto, que a decisão publicada ontem no ‘Diário Oficial’ não foi do ministro, mas uma revisão da própria CNIC, à luz do compromisso dos produtores de Caetano de baratear os ingressos.

Barato

Com a decisão publicada ontem, os produtores de Caetano foram autorizados a captar R$ 1,7 milhão. O valor representa R$ 300 mil a menos do que os R$ 2 milhões solicitados originalmente. Como condição, o ministério exigiu a redução dos ingressos, para R$ 40 e R$ 20 (inteiro e meia entrada). Sem o benefício da lei Rouanet, o tour de Caetano cobra entradas de até R$ 200 reais.

A Lei Rouanet prevê incentivos fiscais para que empresas e pessoas financiem projetos culturais aprovados pelo MinC. Ela foi aprovada em 23 de dezembro de 1991.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

14Comentários

  • Mônica Drummond, 24 de junho de 2009 @ 12:40 Reply

    Fico extremamente feliz ao saber que a Paula Lavigne telefonou para o ministro e resolveu seu problema! Em menos de trinta dias ela apresentou o projeto, ele foi negado, ela ligou para o número direto do ministro (nem incomodou, coitadinha… apenas ligou e perguntou sobre os critérios que foram utilizados em seu projeto!) e seu projeto foi aprovado. Que delícia!

    Eu apresentei três projetos no ano passado, dois foram aprovados em fevereiro e o terceiro em abril, recheado de cortes – em itens que não foram cortados nos projetos anteriores, como “Correios”, “Passagens Aéreas”, “Coordenação Geral” e “INSS”. Entrei com recurso e os itens foram novamente indeferidos, sem explicação, sem embasamento algum.

    Nos últimos 10 dias tento em vão ligar para o ministério, mas os telefones estão permanentemente ocupados. Quando alguém atende, desliga imediatamente. Gostaria de saber que mudança de critérios houve nos dois meses que separaram a aprovação dos meus projetos e em qual o instrumento legal estão registradas estas mudanças.

    Está realmente interessante esta nova era de transparência do ministério! Com o ministro afirmando que o ministério não é somente para os “malsucedidos”, e que assim como Bethânia e Ivete Sangalo, Caetano também pode se beneficiar da Lei Rouanet, também pode ter a interferência do ministro através de um simples telefonema da produtora, reformulando conceitos (obscuros, lógico, mas são conceitos…) da CNIC.

    A nós, produtores que simplesmente usamos a dignidade para trabalhar e que não temos o cartão pessoal e os números diretos do senhor ministro, cabe, realmente, esperar que Madre Teresa ou Irmã Dulce enviem mensagens meigas, etéreas e floridas para a CNIC.

  • Marco, 25 de junho de 2009 @ 16:28 Reply

    Não entendi Leonardo, você diz que o Profic só funcionará caso haja uma boa gestão?
    Bom, como eu escrevi em comentário que não sei pq não foi aprovado, Juca disse que a CNIC foi contra a lei barrando Caetano, dentro da configuração ATUAL da lei. Com a mudança proposta por ele na lei, casos como esse seriam barrados pela lei. Para os amigos e os não amigos, A LEI, pois. Não distorça a realidade, por favor!

  • Leonardo Brant, 25 de junho de 2009 @ 16:45 Reply

    Marco, o Profic não existe. É coisa da imaginação de políticos inescrupulosos e oportunistas. Estou falando da Lei Rouanet mesmo. Todos sabemos que o ministro põe a mão na lei, ultrapassa a sua competência, afronta a democracia. E agora quer dar uma de defensor dos oprimidos e caçador de marajás. O buraco é mais embaixo.

    Outra coisa: aprovamos todos os comentários. Gostamos sobretudo daqueles que discordam da nossa opinião. Deve ter ocorrido alguma falha técnica. Se puder, poste novamente. Será um prazer debater contigo.

    Abs, LB

  • Malu, 26 de junho de 2009 @ 0:25 Reply

    Pensando filosoficamente, na teoria do Ministro todos os artistas famosos não precisam de dinheiro da Lei Rouanet para produzir seus espetáculos. Caetano Veloso é um artista famoso. Logo, Caetano Veloso não precisa de dinheiro da Lei Rouanet. Acho que o Ministro desta vez escorregou na filosofia e, ainda diz que foi o projeto foi revisto pela CNIC, quando todos sabem que a aprovação foi ad referendum. Perguntem à CNIC qual foi o Conselheiro que assinou a aprovação?
    Abraços Leo e parabéns pelo incansável trabalho na defesa do que é justo.

  • Alexandre Reis, 26 de junho de 2009 @ 3:54 Reply

    Eu não posso entender o comportamento do Ministério da Cultura, o rigor na aprovação de cada rubrica nos projetos é sempre facilitado para uns e prejudicado para outros, meu projeto está aprovado desde 27 de setembro de 2007 e não posso mudar uma rubrica sequer. Desejo modificar uma rubrica ao entender que duas ou três pessoas físicas convidadas não representarão mais o tipo de profissional que procuro ou que não encontraria mais essa pessoa depois de tantos anos passados desde a elaboração sistemática do mesmo, e sabem o que eles respondem? O mesmo que responderam para Mônica Drummond aqui. Entretanto, como já sabemos, para determinados artistas brasileiros a coisa flui que é uma ma-ra-vi-lha, neste país tem gente que mete a mão no dinheiro público sem se preocupar com o tempo de amadurecimento de suas propostas ou com a possibilidade de receber um não de seu mecenas querido de tantos anos na fita! Eu estou nessa deste de setembro daquele ano e até hoje aqui nada mudou… sem lei ou com lei Rouanet isso é como o PAC, falou-se tanto dele… mas a velocidade das obras não acompanharam a propaganda enganosa de sua realização para uns e outros, enfim nada de concreto. Aqui anda mais rapidão para quem tem nome nesse mercado sujo e corrupto mantido por gente que insiste em manter tudo como está, tudo assim feito bem devagar para o povo, e veloz para… quem? Vai ludibriando o povo com os mesmos caretas de sempre. Vai enrolando… bem devagar…

  • Aninha Franco, 27 de junho de 2009 @ 17:21 Reply

    Os artistas baianos que moram na Bahia estão na pior, Leo. Em total e absoluto contracenso, a Petrobras retirou o patrocínio da Jornada de Cinema de Guido Araújo, a segunda mais antiga do país, por razões pra lá de mal explicadas por um assessor de imprensa local no espaço da opinião do leitor do jornal A Tarde. O teatro baiano que cresceu e floresceu durante os anos 90 do século passado, e que produzia mais de 100 estréias anuais, estreou um ou dois espetáculos em 2009, um deles didático. Fala-se em UTI da Cultura na Bahia. Portanto…

  • Lamarca, Monte Aprazível, SP, Brazil, 28 de junho de 2009 @ 13:49 Reply

    O Juca é super-simpático.
    A única coisa que está faltando no MINC é um Garrincha, de saudosa memória.
    Por que?
    Porque em toda essa lambança faltou combinar com os Russos, digo, com as empresas.
    Com quase 10 anos de experiência na captação de patrocínios posso afirmar com segurança que as empresas não engolirão a prosopopéia do Juca.
    Duvido que um grande banco ou uma grande empresa com marcas valiosas no mercado irão patrocinar algum projeto que possa maculá-las.
    Preferirão recolher o imposto. Nenhum diretor de marketing irá colocar seu cargo em risco, patrocinando as costureiras do Cabrobó, só para engrandecer a Cultura.
    Ô idiota!!!! O negócio é Marketing.
    Quanto ao telefonema da Sra. Paula Lavigne para quebrar o galho do seu maridinho, é revoltante!!!
    Já passei mais de uma semana tentando falar com alguém no Minc sem conseguir.
    Duvidam??!!
    Tentem ligar para (61) 3316-2000 e peçam para falar com o Depto. de Apoio a Projetos.

    PS1 – Sou testemunha de seletos escritórios de advocacia em Brasília aprovam projetos culturais em menos de 30 dias.

    PS2 – A história do Garrincha é a seguinte:
    — Na copa de 58 o Vicente Feola, técnico da seleção canarinho, chegou para o Garrincha e passou as instruções para o jogo contra os russos:

    — “Garrincha, você pega a bola cai pela esquerda, dribla o zagueiro russo, vai até a linha de fundo e cruza a bola para o centro da área.”
    E o Garrincha, na sua santa ingenuidade:
    — “Professor, o senhor já combinou com os Russos?”

  • Ray Rolim, 28 de junho de 2009 @ 14:59 Reply

    Tudo a favor de Caetano … absolutamente tudo. Amo Caetano ou melhor, amo muitas de suas composições. Algumas ou muitas verdadeiras obras de arte. Abomino, no entanto os políticos e esses ministérios …no caso o da cultura. Como pode Caetano precisar de lei de incentivo??? Incentivar o quê??? Caetano não precisa disso. Ele é maior do que isso. A sua música, o seu trabalho bem muito maior que essa #@$##@@@####. Há um tempo, entrei mcom projeto muito, mas muito mais modesto … que iria beneficiar todo o Estado do Paraná, ou seja, todos os compositores, àqueles que não tem esperança a não ser ver suas gavetas cheias de trabalho e não há o que fazer com aquilo, sem chances, principalmente no Paraná (um desconhecido em termos musicais). O projeto era pra coloca na internet em mp3 uma música de cada compositor bem como a letra e um breve release. Pronto, tenham certeza que o Paraná, além dos grãos que produz para esse Brasil maravilhoso, iria mostrar toda a safra de bons compositores, maravilhosos músicos e letristas. Lutamos bravamente durante dois anos para tentar captar. Foi frustrante. Nada conseguimos por não termos nome de ponta, e por isso não se interessam. Fica o meu lamento por Caetano Veloso ter de usar esse expediente, quando muita gente boa que certamente contribuiría com ma cultura brasileira, um Estado inteiro … e ficamos assim, continuamos assim. Ninguém saberá nada dos compositores do meu Paraná.
    Eles que me perdoem por eu ter tentado, por ter lutado com uma lei de incentivo à cultura, pra que tivessem uma chance ou uma esperança.
    Como presidente da Associação dos Compositores do Estado do Paraná, fica assim, este triste lamento pela força de desigualdade com que temos de lidar.
    Raymundo Rolim

  • Marcos Moraes, 28 de junho de 2009 @ 21:36 Reply

    Bem, as coisas são assim, gente: ficou absolutamente desmoralizado todo o discurso do Ministro, assim como ninguém tem dúvida de que é que está acontecendo no Congresso Nacional com José Sarney e a gangue do Senado. Ninguém pode criticar muito por que TODOS têm o rabo preso… está claro?

    Acabou-se o personagem loquaz e bem articulado que faz discursos empolgantes mas não entrega sua obrigação como funcionário público. O Ministro ficou nú. E eu, sou neguinha?

  • sumário santana, 29 de junho de 2009 @ 11:00 Reply

    República dos baianos nada. A máfia do dendê, localizada em salvador, com conexão no rio e em brasília, isso sim.
    Nós artistas baianos, sobretudo do interior e longe do axe-turismo estamos longe disso!
    Em relação ao caso, foi pressão da mulher do rapaz-cantor foi.

  • Candida Botelho, 29 de junho de 2009 @ 12:46 Reply

    Ontem, em precioso debate com Willian Waak, jornalista da Globo, ficou claro entre os debatedores do mais alto jaez, que as figuras maiores de nosso governo perderam o pé. Todas sem exceção e fica para o brasileiro apenas assitir às mazelas e fingir que não vê,pois se ver ficará noi minimo com úlcera,pois nada pode fazer. Aliás desde a entrada do Ministro Gil que bem se beneficiou dela, ficamos discutindo a pretexto de se criar uma polica pública ,ou de combater a corrupção das empresas nesse setor.Mas não foi ele mesmo que aprovou o patrocinio milhonário do Bradesco,o maior Banco brasileiro, para trazer o Cirque de Soleil, com verba pública para não oferecer ao minimo um espetáculo gratuito à população? Seguimos debatendo e alei perdeu sua eficiencia, e swua energia…Ainda bem que continuamos fazendo arte a depeito desse governo que ai està.

  • Leonardo Brant, 30 de junho de 2009 @ 19:25 Reply

    Apenas uma anotação. Não quis atacar quem produz cultura na Bahia. Muito pelo contrário. A ideia do relato é mostrar a disparidade incrível entre o que o ministro fala para a plateia e o que faz na alcova. Sabemos do seu interesse eleitoreiro na Bahia, por isso utilizamos o título. Abs, LB

  • Antonio Marcos Passos, 2 de julho de 2009 @ 16:35 Reply

    Acredito que Caetano deveria propor projeto para as crianças, jovens e adultos pobres de Santo Amaro, sua cidade natal, pois assim seria legitimo um patrocinio pela Lei de Incentivo. Santo Amaro continua um abandono só!

  • Maria Tereza Penna, 8 de julho de 2009 @ 9:02 Reply

    Não acredito….!!!!!!!
    Não pode ser…!!!!
    Não só as Empresas deveriam ter Responsabilidade Social…
    O Caetano é um Artista consagrado…O que faz dele uma Empresa….e com fins lucrativos…
    Demagogos….
    Quem te viu quem te vê…
    Saudade do Caetano dos Festivais de 60 e 70….

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