Prezada Ministra,
Nos últimos anos assisti a infindáveis discussões sobre as mudanças na Lei Rouanet. Confesso que não tenho uma idéia precisa dos resultados que estas discussões produziram. Mas gostaria de deixar aqui uma sugestão para a sua gestão à frente do Ministério da Cultura. Salvo engano, penso que seja algo que, feitos os devidos ajustes, possa ser implementado com alguma rapidez, trazendo benefícios importantes para a cultura brasileira no longo prazo.
A sugestão é a seguinte: terminar com a bifurcação da Lei Rouanet entre os artigos 18º e 26º. Sendo mais específico: suprimir da Lei o artigo 18º e reformar o artigo 26º. A reforma que recomendo é simplesmente alterar a redação do inciso II do artigo 26º, extinguindo (para pessoas jurídicas) a distinção entre “doação” e “patrocínio” e ampliando para 50% (ou um número próximo) do valor efetivamente contribuído para o projeto cultural que a empresa pode deduzir de seu Imposto de Renda devido. Feitas as contas, e mantida a dedutibilidade integral do valor aportado no projeto como despesa operacional, o abatimento efetivo que a empresa obteria ficaria em torno de 85% do valor real aportado no projeto cultural.
Há muitas razões que levam a esta proposta. O artigo 18º foi criado em uma tarde quente de Brasília, pela equipe do então Ministro Weffort, sem nenhuma justificativa plausível. As intenções de Weffort eram as melhores. Queria fazer crescer o mercado de patrocínios. O resultado, porém, foi outro. O que ocorreu, de fato, ao longo dos anos, foi uma migração artificial do mercado cultural para processos de “enquadramento forçado” de projetos nas áreas culturais autorizadas no artigo 18º. As empresas (não todas, obviamente), interessadas “naquele incentivo de 100%”, passaram a condicionar apoios a projetos se e somente se o produtor cultural encontra-se um enquadramento de seu projeto nos termos daquelas áreas. Produtores culturais são criativos, aprendem rápido, ao longo do tempo de fato fizeram bem o seu trabalho. Ajustaram, enquadraram, adaptaram, fizeram tudo o que era necessário para atender às empresas e usar o artigo 18º. A pergunta é: pra que mesmo tudo isto?
Indo um pouco adiante na argumentação: há algum fundamento lógico para distinguir as áreas que “merecem” 100% de abatimento daquelas que merecem 64%? Isto sempre me pareceu um mistério. Se o produtor cultural decide fazer um colóquio sobre poesia brasileira, o funcionário do Minc é obrigado a enquadrá-lo no artigo 26º e ele leva 64% de abatimento (feitas as contas). Se ele decide mudar um pouco e fazer um vídeo (ou um livro) sobre poesia brasileira (com os mesmos professores e poetas, imaginemos), o mesmo funcionário enquadra seu projeto no artigo 18º e ele a empresa apoiadora leva 100%. Se o sujeito propõe um show de viola caipira, leva 100%; se os violeiros deitarem a cantar, durante o show, o abatimento passa para 64% (haja fiscalização..).
O argumento de que algumas áreas da cultura merecem ou requerem índices maiores de abatimento, para serem viabilizadas, simplesmente não faz sentido. Um projeto de patrimônio histórico pode ser tão chamativo, em termos de marketing cultural, quanto um projeto de ópera ou música popular. Tudo depende da qualidade da produção, do cuidado com a comunicação, com inúmeras variáveis que não vem ao caso neste brevíssimo artigo.
A introdução artigo 18º criou, além da enorme confusão burocrática e artificialidade dos enquadramentos forçados e da indução do mercado, um problema mais sério: o fato de que as empresas passaram a compreender o apoio a projetos culturais simplesmente como uma troca de imposto por patrocínio. Quantas vezes ouvi uma frase no fundo humilhante para quem leva a cultura a sério, por parte de executivos de empresas: se é para dar para o governo, melhor dar pra algum projeto cultural. Sempre considerei positivo, para o mercado cultural, no longo prazo, que o sistema de financiamento de projetos atendesse a uma lógica “público-privada”. O Governo oferecendo o incentivo, mas a empresa aportando a sua parte. Isto não apenas faz aumentar o “bolo” final aportado em projetos, como faz crescer a responsabilidade das empresas em decidir sobre a realização de patrocínios, e faz também aumentar a exigência de competência dos produtores culturais em apresentar bons projetos, com valor real de mercado, que justifiquem o aporte das empresas para além do mero argumento fiscal do “dinheiro que não vale nada mesmo”.
Por fim, há um argumento bastante mais objetivo do que todos os listados acima. Sendo de apenas 4% do IR devido o limite do abatimento fiscal permitido às empresas, é só fazer uma regrinha de três para descobrir que se a empresa abate 50% (e deduz o valor apoiado como despesa), ela vai utilizar o equivalente a 8% do seu IR para patrocinar projetos culturais. Se ela for induzida a abater (sem a dedução como despesa) os 100% direto do IR devido, dentro do limite de 4%, o valor final que vai para projetos culturais é apenas este. Isto é, a metade da alternativa anterior. Na prática, a adoção da lógica combinada (abatimento e dedução) do artigo 26º simplesmente dobra o valor real que as empresas aportam em projetos culturais. Sempre me pareceu que à época em que o Ministério da Cultura criou o artigo 18º, esta conta bastante simples não foi feita. Nem depois, imagino.
De modo que sugiro realmente que isto possa ser mudado. Haveria ainda um ganho final, em geral não muito considerado quando se produzem políticas públicas e legislações no Brasil: a simplicidade. Por que ter dois enquadramentos (sem uma boa justificativa) do que apenas um? Por que manter esta enorme zona de incerteza, potencial desinformação e ajustes artificiais no enquadramento de projetos e no uso dos benefícios fiscais? Parece pior para o trabalho dos funcionários do Ministério, para os produtores e empresas. Fica a sugestão, com o desejo de um profícuo trabalho à frente do Ministério da Cultura,
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