Done: Joana Joana
Senhor Presidente: No mês em que se comemora, dia 22, mais um “Dia do Músico”, acuso o recebimento do habitual boleto bancário, que me envia V. Sa. sem falta desde 1985,  quando recebi com orgulho minha carteira de músico, emitida no exato dia em que completei a maioridade. Acompanha o boleto a habitual missiva, a me lembrar que “a Ordem é dos Músicos”; e o adesivo com a frase “Músico, valor em si”. Uma vez mais, pergunto-me que valor seria este que só o músico tem “em si”. E constato que todo o conteúdo deste envelope me causa a mais profunda frustração.

Sinto pois a necessidade de confessar-lhe, Sr. Presidente, que este ano gostaria de receber outra coisa. Algo surpreendente, como notícias do processo eleitoral. Melhor ainda, a notícia de que o famigerado Código Eleitoral foi alterado, estendendo o voto a todos os músicos, já que há mais de 20 anos só votam os que lêem música, ainda que tal discriminação não tenha amparo legal e, é claro, todos recebam o boleto idêntico.

Mande-nos notícias também sobre os esforços que a OMB, autarquia federal integrada ao Poder Executivo, tem feito em nosso benefício, promovendo o debate e o encaminhamento de questões sérias como a informalidade, a pirataria ou a educação musical (matéria de lei federal recentemente aprovada); entre outras. Quisera conhecer as propostas, elaboradas por V. Sa. e seus pares, mui dignos membros dos nossos Conselhos Federal e Estaduais, para a urgente atualização da Lei 3.857/60, que no ano que vem completará 50 anos sem uma única alteração! Quisera mesmo saber quantos músicos lograram se aposentar no Brasil como músicos, neste período. E quem sabe ainda, que luxo, receber de V. Sa. uma prestação de contas sobre os valores arrecadados neste meio século, especialmente através do célebre Artigo 53 da mesma lei, aquele que destina à OMB 10% do valor do cachê dos músicos estrangeiros, assunto que a imprensa já abordou, apontando o subfaturamento do contrato dos Rolling Stones. Ou ainda, saber de V. Sa. que medidas foram tomadas para que o caso, amplamente noticiado, do jornalista de Carta Capital que recebeu a carteira da OMB sem saber tocar, não se repita. Ou quem sabe, Sr. Presidente, conhecer da argumentação que o insigne departamento jurídico da OMB terá preparado a fim de combater a tese, que nos tribunais vai ganhando força, da “ausência de risco para a sociedade” no exercício da profissão de músico. Tese esta usada, ao abrigo da garantia constitucional da liberdade de expressão artística, com o intuito de desobrigar os músicos de seleção, registro ou pagamento de anuidade à OMB.

Ficaríamos felizes em saber, Sr. presidente, eu e outros que discordam ou têm restrições a essa tese, que a OMB vem recorrendo das sentenças. Argumentando, por exemplo, que quando um jovem toca por diversão em um bar, existe o risco, ou mesmo a certeza, de que mais um artista que há muitos anos escolheu viver da música profissionalmente, terá de encontrar outro meio de sustentar sua família. Como V. Sa. já deve ter percebido, sou um otimista incorrigível e seguirei aguardando essas boas novas. Se não no dia do músico, quem sabe no Natal. Nem precisa enviar pelo correio: ponha tudo no site. Mas se for para me enviar de novo essa tralha, Sr. Presidente, por favor, não gaste mais selo comigo. Economize, que é tempo de crise.

Cordiais saudações.

Álvaro Santi
Titular do Conselho Nacional de Política Cultural
OMB/RS 21.782


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Poeta e músico, coordena o Observatório da Cultura da Prefeitura de Porto Alegre (RS)

24Comentários

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 18 de novembro de 2009 @ 13:01 Reply

    Álvaro Santi, guerreiro dos bons! Sua carta é um primor. A Ordem dos Músicos do Brasil é uma coisa vergonhosa, da desordem institucional da música e do músico brasileiro, é um merdelê construido com a pior matéria-prima que uma facção mafiosa pode constituir, é pior do que os áureos tempos do campeonato carioca comandado por Eurico Miranda e Caixa D’água. Bom mesmo é, quando você estiver absolutamente atoa, fazer aquela perguntinha simples para o delegado de plantão: pra que serve a bosta dessa carteira? E ele, sem o menor constrangimento, é pra que ninguém tome o seu lugar e ainda consegue explicar, “se você souber que alguém está tocando sem carteira, é só me ligar que eu venho, bato, prendo e arrebento”. Ou seja, além da gente carregar aquela carteirinha muquirana que de nada serve, a gente ainda se transforma em X-9, dedoduro, alcagoete e ganso, telefonando para a máfia da OMB pra que ela vá lá acabar com a mixariazinha que o nosso colega está tentando levar pra casa.

    A OMB não é só vergonhosa, ela é desonrosa. Dá um mal-estar quando a gente diz que é músico e lembra que esses piratas/corsários, que são a cara da impunidade que a música brasileira, pela marginalização que o Estado lhe impõe, e é bom que lembremos disso, nutrem esse estado de coisa. A OMB é uma milícia, não é um órgão oficial. Esse justiçamento que vende carteirinha como quem vende gatonet nas favelas, mostra quanto custa para o músico brasileiro, o Estado continuar negando um assento oficial institucional para a música do Brasil. A OMB é bicho que dá em terreno sujo, baldio e abandonado. A OMB não é causa, é consequência. É uma coisa que envergonha o conceito institucional brasileiro. É o descaso do descaso com a música e músico brasileiros.

    Por isso meu caro Santi, vou imprimir essa sua maravilhsa carta e ler no meu próximo show e distribuí-la para muitos amigos. Parabéns!

  • Humberto Barbosa, 18 de novembro de 2009 @ 23:01 Reply

    Valeu pela coragem.

    Muito boa oportunidade de se falar sobre esta questão durante as reuniões do FNM.

    Avante!!!!!

  • ivan ferraro, 18 de novembro de 2009 @ 23:45 Reply

    Grande Alvaro,
    é um bom começo quando nós músicos deixamos de financiar esse des-respeito ao músico Brasileiro.

  • Luciano Campbell, 19 de novembro de 2009 @ 8:50 Reply

    INICIATIVA!! que cada um de nós músicos façamos uma carta, um manifesto (assinado), uma campanha, uma paralização… necessitamos de iniciativas coletivas (todos).

    Vemos que muitos fazem sua parte!
    Parabéns caro Álvaro… comungo com suas palavras!
    Abraço
    LUCIANO

  • Renio Quintas, 19 de novembro de 2009 @ 10:34 Reply

    Grande guerreiro e companheiro de lutas! Parabéns pela carta diz tudo que temos engasgado na garganta há 50 anos e há 5 anos estamos tentando corrigir com as Câmaras e agora o Colegiado Setorial, vc retratou o sentimento do Fórum Nacional dos Músicos. Só discordo do bravo irmão de som Carlos Henrique Machado Freitas, quando confunde a instituição com a Máfia que dela se apossou depois da “gloriosa” de 1964. Acreditamos que devemos saneá-la e cokoca-la a serviço do Músico e da Música Brasileira. PArabéns companheiro, estamos juntos!
    Abração, muito som,
    Renio Quintas

  • João Santana, 19 de novembro de 2009 @ 10:44 Reply

    É hora de findar-se a piada chamada (des) Ordem dos Músicos! Acorda Brasil!

    Parabéns, Álvaro!

    Quem sabe podemos iniciar aqui um abaixo-assinado ou movimento semelhante exigindo que o poder público dê um basta na incongruência hoje instalada?

    Um abraço!

  • Esso, 19 de novembro de 2009 @ 15:24 Reply

    Esperamos para breve virar essa vergonhosa página de nossa história musical.

    Vade retro, mr. Sândoli!

  • Maria Alice Martins, 19 de novembro de 2009 @ 16:24 Reply

    Parabéns Álvaro. De minha parte, faço questão de divulgar amplamente esta carta, tão bem escrita e que representa tão bem o desgosto de tantos… senão de todos.
    Um grande beijo
    Maria Alice

  • cláudio levitan, 19 de novembro de 2009 @ 18:06 Reply

    Grande carta! Perfeita, coisa de poeta e escritor, coisa de músico consciente! Assino embaixo. falou por todos nós, músicos do Brasil. Esses presidentes da OMB são uns sem-vergonhas que só têm nos envergonhado.
    um abraço.

  • Silvio Flórido, 19 de novembro de 2009 @ 18:37 Reply

    Caro Alvaro

    Eu sinceramente até me sinto mais tranquilo depois de sua carta sobre a OMB, porque memso no forum nacional de musica no qual sou novato, as vezes as coisas não ficam muito claras, inclusive com relação a OMB que a anos vem sendo uma fonte arrcagadora somente.Nessa “nova direção” tambem não vi nada de novo.
    Eu posso falar principalmente porque vivo no meio dos musicos de orquestra profissinais em São Paulo e nesse meio a OMB ja nem é citada mais e quando é , é de maneira depreciada.Tambem registro que esse forum na qual o senhor faz parte, infelizmente tambem não é conhecido.Penso que seria o momento de um movimento de volta a categoria musical de alguma forma.
    Minha adesão ao forum, é nesse sentido, ou seja, conhecer primeiro, avaliar e principalmente participar.

    Abraço e parabens pela carta

    Silvio Flórido – Presidente
    APBSESP
    ASS. DOS PROFISSIONAIS DA BANDA SINFONICA DO ESTADO DE SÃO PAULO

  • Chico Oliveira, 19 de novembro de 2009 @ 19:04 Reply

    Álvaro,

    Parabéns! O conteúdo da carta agrega sentimentos comuns no músico brasileiro em relação a OMB, sobretudo a incredulidade, algo que precisa ser reparado. Se a orgão é dos músicos que assim seja e não o contrário como as muitas histórias tecem uma única história. Recentemente fiz parte das estatísticas contrárias a OMB, na ocasião, eu e o grupo que toco fomos intimidados na porta de um hotel em Maceió, seguidamente fomos ofendidos na porta do local no qual nos apresentamos, de maneira que um dos músicos foi vítima de racismo. Infelizmente tudo isso por conta que nos recusamos às inexplicadas e já sem carregadas da falta de criatividade “multas”(aquelas que não constam em tabela, devem ser pagas de imediato, amparadas por regimentos locais completamente passíveis de questionamentos etc.) de alguns “agentes” da OMB. Em Maceió, cidade tão linda e hospitaleira, eles andam em verdadeiras “viaturas” pretas, com o brasão federal quiçá como “carrascos” da antiguidade ou “capitães-do-mato” do nosso período escravidão.

    Chico Oliveira
    Salvador – Bahia

    OMB/BA: 11450/09

  • Eder Crispim, 22 de novembro de 2009 @ 10:02 Reply

    Parabéns pela exposição clara das coisas simples que não faz a Instituição que devería nos representar.
    Basta comparar essa Instituição, com outras do mesmo tipo,OAB por exemplo, e veremos se os valores arrecadados se revertem ao patrimônio disponível aos associados ou se perde em papéis de prestação de contas.
    Se tivéssemos nas Delegacias Regionais algum apoio ao músico, tais como salas de pesquisa, internet, consultoria, cursos de aperfeiçoamento e/ou extensão…etc, talvez não houvesse tanta especulação sobre a existência necessária da OMB e sobre a forma de gestão da entidade.

    EDER CRISPIM
    ASS. DE AMIGOS DA BANDA SINFÔNICA DE CUBATÃO
    OSCIP CULTURAL
    http://www.sinfonicadecubatao.org.br

  • Liane Schuler, 23 de novembro de 2009 @ 8:47 Reply

    O Álvaro vem surpreendendo a todos nós no sentido de conseguir expressar exatamente o pensamento da classe musical, a respeito da OMB.
    Acho que o ponto alto desta carta é a forma precisa do desenvolvimento do texto vir de encontro tão perfeitamente ao sentimento da categoria.
    Parabéns, Álvaro!
    Liane Schuler

  • Diogo Darkie, 23 de novembro de 2009 @ 10:31 Reply

    Achei excelente!!!!

    É a realidade. Peço licensa para enviar aos meus amigos músicos, e todos que se interessam por cultura.

    Gostaria muito que a realidade fosse outra, mas…

  • Milena, 23 de novembro de 2009 @ 13:50 Reply

    Caro Álvaro,

    Parabéns por ter dito o que muitos pensam nesse país tão cheio de música a cada esquina e que precisa de uma “Ordem” para traçar essas linhas mal escritas pela OMB na história do Brasil.

    É impressionante como o tempo passa e esse assunto ainda assombra milhares de músicos que não precisam de um registro para dizer se estão aptos para mostrar seu talento por aí.

    Quando o sr. ex-ministro Gilberto Gil ssumiu seu cargo creditei que pr ele sr o músico que era, algo poderia mudar, para melhor, claro! Mas… Não foi o que vimos até agora…

  • Joe Ramos, 24 de novembro de 2009 @ 11:28 Reply

    Boa tarde galera.
    Não pude deixar de ler o adorável carta do Sr. Alvaro Santi.
    Não posso deixar de concordar que a ordem dos músicos durantes 42 anos explorou o músico brasileiro e ainda nos cuspiu na cara durante a gestão de Wilson Sandoli, um sujeito nojento que só quis viver as custas de nós músicos trabalhadores.
    Mas é com imensa satisfação que lhes venho informar, que no dia 1 de outubro de 2008(a um ano atrás), finalmente o tirano caiu. em seu lugar assumiu o Profº e Maestro Roberto Bueno, que sempre foi músico, e nesse pouco tempo em que está gerindo a instituição ja tem feito coisas muito interessantes pelos músicos paulistas.
    Ontem na assembléia legislativa recebeu homenagem do excelentissimo dep. Rodolfo Costa e Silva do PSDB pelo dia do Músico, e principalmente pelos projetos que vem desenvolvendo na OMB de SP.
    Não sei quem é o presidente ai do RS, mas aqui em SP o estado com mais músicos no país, o trabalho da OMB melhorou muito e tende a melhorar muitos pois o novo presidente entende o que é a vida de músico e quer trabalhar em prol do músico.

  • Jose Mauro Ramalho, 24 de novembro de 2009 @ 19:21 Reply

    Quero parabenizar todos os músicos deste país pelo dia 22/11, e concordo com a posição tomada pelo Álvaro Santi. Não sou músico, sou produtor cultural e lido com esses talentosos brasileiros, e através deles sabemos como são tratados, não só pela OMB, mas tb pelo ECAD. Tive o prazer de estar no evento promovido pelo SINDMUSI/RJ e sei do empenho da valorosa Presidente, Débora Cheyne, que realizou o seminário sobre a “Mulher na Música”, neste final de semana e tem o mesmo entendimento s/ a OMB.

    Um grande abraço a todos.

  • gilberto, 24 de novembro de 2009 @ 21:15 Reply

    valeu companheiro pela sua esbranjadoura atitude.
    todos nos esperarvamos alguem com essa atitude de luta e creatividade
    apartir desse momento,tenho serteza de que algo ira se manifestar
    obrigado amigo pelo apoio e esforco

  • McCoy, 25 de novembro de 2009 @ 14:55 Reply

    Nunca em minha vida havia lido um texto tão completo.

    Tão perfeito.

    Extraordinário.

  • Rose Meusburger, 28 de novembro de 2009 @ 12:34 Reply

    Prezado Sr. Álvaro Santi
    Extremamente oportuna a sua carta.
    Faço questão de divulgá-la também em nosso blog.
    http://www.grupos.com.br/blog/gaiabrasil.
    Trabalhamos com assessoria para artistas e incluímos aqui os músicos e realmente é uma afronta a existência de uma instituição que pouco ou quase nada faz em prol da classe.
    Por outro lado acredito que uma mobilização de verdade da classe poderia colocar fim a esses desmandos.
    Sucesso a todos!

  • alvaro santi, 3 de dezembro de 2009 @ 15:09 Reply

    Grato a todos pelos lisonjeiros comentários. Parece contudo que a carta não chegou ao seu destinatário, visto que ainda ontem recebi outro boleto de cobrança. : (

  • Cristian Korny, 10 de dezembro de 2009 @ 23:43 Reply

    eu sou mais curto e grosso, essa OMB é inconstitucional, fere a livre manifestação de pensamento, intelectual e artístico, não faz sentido uma regulamentação dessas numa profissão com tão baixo potencial de lesividade, e mais, para dar poder a minha argumentação, se ela existisse na Inglaterra o movimento punk nunca teria sido permitido, pra piorar afasta da profissão pessoas criativas como indígenas ou quilombolas permitindo que suas canções simples sejam apenas executadas por quem tem estudo formal em música. pronto falei.

  • Rogério Dias, 7 de janeiro de 2010 @ 22:11 Reply

    Caro Alvaro, que alívio ler essa carta, quando terminei de ler respirei com mais tranquilidade, certo dia fui a OMB de Maceió e o responsável teceu elogios aos grupos de axé, pagode e sertanejos que estão na mídia, ressaltando o fato deles pagarem em dia e falou muito mal dos grupos que não pagavam e discurssou criminalizando os artístas desordenados. Eu disse que tinha uma banda que fez a seguinte música… “Não vou entrar na ordem dos musicos do brasil porque eu quero que as ordens vão pra puta que o pariu!” O cara ficou indignado querendo saber o nome da banda e eu disse que não sabia, na verdade não existe banda nenhuma, eu inventei na hora. Vou estar na conferência de cultura como delegado, vamos nos articular.

    rogeriodias.arte@hotmail.com

    Rogério Dias – Maceió – AL

  • Engels Espíritos, 11 de fevereiro de 2011 @ 14:17 Reply

    Parabéns amigo músico! Sua carta é representa nossa indignação a esta entidade corrupta e mercantilista. Convido todos os amigos músicos a assistir o video que fiz sobre a este 50 anos de exploração e absurdos causados pela OMB vejam: sss://www.youtube.com/watch?v=kPPuOVw5Prk

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