Participar da vida política da sociedade é um ato cultural. O Estado deve ser estimulador, garantidor e regulador dessa participação. Não basta ter direito à informação e à arte. É preciso garantir o multiprotagonismo e cidadania plena, com enfoque na cidadania cultural.

O Estado deve parar de utilizar-se de paliativos na abordagem do que é e do que fazer na cultura. Por ser dimensão e não segmento, a cultura parece não carecer de um Ministério específico, que às vezes até por atrapalhar, mas sim de uma abordagem transversal que exija o enquadramento de todas os segmentos do governo através de seu viés. Muitas vezes a extrema segmentação pode ser ruim e servir de desculpa para repassar responsabilidades, mas a solução seja abrir mão de um Ministério da Cultura?

A cultura tem diversos vieses e significações e não estamos usando todo seu potencial se a colocamos como apenas um direcionador ou base para outras práticas, a cultura tem sim este papel, mas também carece de ações específicas, sendo ela a conjugação de diversos fatores e vetores. A separação de áreas, políticas, ministérios etc. é necessária para objetivar, tangibilizar e priorizar ações, porém a questão é fazer isso sem deixar de pensar nos outros fatores que compõem o cenário que está em questão.

A transversalidade tem que ser tomada como premissa comum para tudo, ou seja, os grandes conceitos como ética, cidadania e respeito é que tem que ser os direcionadores de qualquer ação nos níveis individuais, sociais, corporativos e governamentais, seja se se está criando programas e projetos culturais, vendendo um carro, participando de um sindicato, definindo orçamento público ou oferecendo aplicações em um banco. Não importa do que estamos falando, as premissas devem ser as mesmas, e, quando se trata de cidadania, a premissa é: o indivíduo e a sociedade se constituem e se inserem em um complexo de direitos e deveres. E isso vale e deve ser garantido por todos, para tudo e para todos, aí se começa a ter e possibilitar o multiprotagonismo.

A participação social nas atividades culturais produzida pelo meio local deve ser um ato cultural de responsabilidade compartilhada entre poder público, sociedade civil organizada, e outras sociedades estabelecidas. “Cada lugar, é a sua maneira, o mundo”, segundo o pensamento do célebre geógrafo Milton Santos.

Percebe-se a ausência de ações sociais protagonizadoras, que contribuam com o fortalecimento do sentimento de pertencer relacionado a todo tipo de cultura produzida pelo homem local. Reconstruir cotidianamente a identidade do território com os seus traços originais, o seu patrimônio simbólico despertaria a sensibilização da comunidade para a relevância da sua participação política em busca de uma constante transformação diante uma realidade existente no entorno do seu meio ambiente. Restaurar a memória social do lugar e relacionar aos fatos cotidianos que ressoem o momento presente vivenciado pelo local, para compreender melhor a sua essência na linha do tempo. Isto apontaria o exercício pleno da cidadania no sentido de desconstruir os pilares de quaisquer tipos de preconceitos.

A proposição desta reflexão cultural contaria com todas as entidades envolvidas no problema. A sua participação no formato regimental do evento, e conseqüentemente a capilarização na sociedade civil. Essa seria uma experiência laboratorial de convivência cidadã marcada pela diversidade cultural e interdependência. O resultado esperado seria os participantes entre si trocarem experiências, conhecerem a realidade cotidiana de outras frentes de lutas. Além de estimular a reflexão e percepção entre os próprios envolvidos sobre o alcance da sua própria luta, e da sua atividade marcada por uma força política e cultural antes desconhecida. Uma ação integrada dessa envergadura despertaria naturalmente aos envolvidos mergulharem profundamente na sua essência própria em busca de descortinar potencialidades latentes imbricadas na sua teia organizacional. Esse funcionamento orgânico e interativo entre os agentes sociais desenha de forma cristalina a concepção acerca da prática da cidadania cultural.

* Texto colaborativo, desenvolvido no âmbito da rede O Poder da Cultura, por Alice Junqueira, Fabio Maciel, Leonardo Brant, Oswaldo Cesar Fernandes Copque, Px Silveira e Ricardo Albuquerque.

** Deixe a sua contribuição para o desevolvimento colaborativo deste texto, utilizando o campo de comentários.


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

6Comentários

  • wanda araujo, 3 de outubro de 2010 @ 8:34 Reply

    Esse texto fortalece aqueles que estão no campo trabalhando com seriedade em prol do fortalecimento e crescimento do coletivo…

  • luciano, 3 de outubro de 2010 @ 9:35 Reply

    o estado e' um estado. um monte de gente querendo o poder e grana. o artista tem q sair fora dessa equacao. ser independente. a funcao do artista em uma sociedade e' ser um espelho. sem concessoes. sem rabo preso. e tenho dito. e boa sorte p todos nos. q o Brasil seja um dia o grande pais q todos queremos e merecemos. sem violencia. cheio de escolas e hospitais. estradas boas e gente feliz, c dignidade e grana no bolso.

  • Carlos Henrique Machado, 3 de outubro de 2010 @ 14:06 Reply

    Esta eleição fica marcada pela ferocidade corporativa. Uma coisa barra pesada, absolutamente desvendada dentro dos anais da cultura institucional.

    Sabemos todos que a indústria da fé, a indústria do jornalismo, a indústria da indústria, seus blocos no Brasil com o Millenium, GIFE e Cia., são absolutamente predadores e, cada vez mais, tentam intervir no espaço geográfico em busca da compartimentação.

    A dita cultura moderna, quando pensamos concretamente sobre a sua prática, sobretudo a educativa, impondo autoridade dentro da grosseira decadência da ética, podemos perfeitamente dizer que todo o artifício, todo o imaginário da velocidade no ambiente da cultura não tem interesse em buscar outros perfis culturais, outras noções de expressão. O que se pretende é a produção dessa maciça pobreza intelectual nos braços corporativos, (institutos e fundações), é a estabilidade política dos valores das classes dominantes.

    A ideologia dessa regra difundida pelos grandes blocos econômicos é legitimar a vida individual e introduzir na cultura a noção de riqueza e prosperidade, conceitos fundados a partir do papel central do dinheiro, estimulando um círculo vicioso de medo e desamparo em consequência aos que se negam a aceitar esta agenda.

    Nesta eleição, a verde onda criacionista, a teia de escandalização, o jogo pesado e sangrento do mundo escuro que usa a comunicação para oprimir ainda mais a sociedade, ergue a cada dia seu pedestal contra ela, principalmente os desvalidos e oprimidos.

    O mundo da cultura corporativa, hoje, segue exatamente estes fundamentos, esta amarga experiência, esta filosofia de produção, de adesão, de competitividade desenfreada típica das noções hegemônicas. Há muito o que refletir sobre a “neutralidade” que a “ideia de ouro”, que a modernização capitalista introduziu nas culturas da classe média.

  • gil lopes, 4 de outubro de 2010 @ 10:35 Reply

    Carlão, eu fico me perguntando, mas afinal quem está no Poder? Depois de tanto chão percorrido e tantos anos no governo, vamos ficar ficar olhando e dizendo que a questão é a classe dominante? Mas dominante do que? Podemos na verdade dizer que o governo continua cego para a importância do imaginário no ambiente da cultura? Domina mas não se compromete como dominante? O resultado é esse aí que se vê. A violência da Imprensa de um lado e os intelectuais e artistas com aquilo verde ( era roxo, virou verde…enfim). Distribuir isenção pra tudo que vem de qualquer lado é um princípio no entanto o resultado é esse aí…tem que pensar um pouco como dominante e acabar com essa história da classe dominante, sem medo de ser feliz. Tem que avançar na Cultura, e dominar. Avalie.

  • Carlos Henrique Machado, 6 de outubro de 2010 @ 17:06 Reply

    Gil

    Esta campanha é de longe a mais suja da história. E o que está em jogo?

    O poder. E não é outra coisa que não a classe dominante e seu jogo sujo contra qualquer forma de desenvolvimento. Não se pode confundir economia com ganância por lucros.

    A elite econômica no Brasil viveu todo esse tempo mamando nas tetas do Estado. Eles, dessa elite, não querem nada que não seja privilégios. Na cultura não é diferente.

    Ninguém dessa cúpula que levanta milhões quer saber de políticas, estratégias ligadas ao desenvolvimento cultural, à soberania da nossa cultura, à universalização da nossa música, o que querem é lucro e, se a sociedade reage, dizem, como disse hipocritamente Caetano, estamos hipnotizados por Lula. Não querem saber do Brasil, querem saber de si, de manter às custas do Estado os ganhos do antigo estrelato.

    Os rumos da nossa cultura ou de uma economia voltada a evidenciar, por exemplo, a nossa música no exterior, com os tradicionais do circuito erudito e seus batuteiros milionários, não querem saber sequer da sociedade de consumo contemporânea. Essa luta de classe, Gil, demonstra como as nossas instituições culturais vivem única e exclusivamente do conteúdo de seus interesses. Esses frequentadores de piano-blues, nos saguões e da linguagem a la Jabor e Marcelo Madureira têm motivações apenas individuais, sem contar que agora o cenário político brasileiro vem acompanhado de fanatismo religioso por meia-dúzia de padres que a mídia de esgoto está usando para anabolizar a campanha de Serra.

    Aonde já se viu o Estadão achar que é nobre dizer o que todos já sabiam, que ele é um panfleto de uma campanha baixa, rasteira a serviço não somente de Serra, assim como a Folha, o Globo, a Veja, mas de grupos econômicos estrangeiros que estão de olho na Petrobrás, segunda maior petrolífera do mundo e na Amazônia, a maior reserva ecológica e o maior manancial de riquezas naturais do planeta. Ou seja, Gil, temos pela frente os conglomerados econômicos ocupando a voz da sociedade em seus institutos e fundações. Não foi a Fundação Bradesco que patrocinou o jatinho de Ernesto Paglia do Jornal Nacional para ele mostrar o Brasil que dá errado? Você acha que essa gente toda está interessada em discutir cultura ou invasão de grupos econômicos no Brasil? Eles querem mais é que o brasileiro e sua cultura se lixem. É essa a globalização que compramos na era FHC e que Serra defende. Aquela que vem de fora, aquela que podemos fazer parte só com as condições políticas e econômicas impostas pelas potências econômicas, a mesma que produz o sistema histórico de invasão e alienação da grande mídia vendidinha da silva.

  • gil lopes, 9 de outubro de 2010 @ 20:02 Reply

    Carlão querido, a gente tem que entender a luta. É inominável o que está ocorrendo na cara da gente e a gente não é capaz de fazer a leitura correta disso, Lula pode perder a eleição…é terrível mas é verdade. Não se fez a leitura correta, houve desleixo e sapato alto. Vi hoje o Tropa de Elite, dê uma olhada nos patrocinadores…o filme é contra o governo, contra governo…na boca da eleição o produto cultural de massa qual é? SWU start uis iu e Tropa de Elite. E nós onde estamos? Clamando pelo gueto. Não tem leitura Carlão. Onde estão os artistas que o povo reconhece na midia? Onde está a única midia que temos? Completamente na luta, no chão, propagando sua campanha. E nós, conspirando pelo futuro…enquanto isso o presente está na mesa, o Gigante está na mesa e a gente fala o que? Qual é a nossa voz? VaMOS DECIDIR ISSO CABEÇA A CAbeça, é muita incompetência isso sim…nossa mensagem para o Brasil a mensagem cultural, está impedida. não se deu importância a poesia, a arte, a música…na hora da eleição somos os mais materialistas, não temos o discurso da esperança. Estamos errados Carlão e o jogo ficou apertado. Temos ainda estas semanas, os homens de bem, onde estão os homens de bem? Precisamos deles. Não adianta agora fazer o relato do que já sabemos, devíamos ter nos preparado melhor. Já sabemos quem está do lado de lá, mas e do lado de cá? O que fizemos? Como nos preparamos para esse momento? Temos sido incompetentes isso sim. Agora é a hora de mostrar o que é e o que pode ser Brasil…estamos gagos, sem lideranças…tomara que isso mude ainda é tempo. Vamos ganhar e depois colocar a bolinha no chão. Temos que ter competência para encarar o Poder, não dá pra imaginar um mundo sem conglomerados ou sem lucro, essa não é a questão agora, a hora é de ganhar a elição, nos preparamos muito mal, essa é a verdade. Deus nos acompanhe e que se faça justica. Estou rezando.

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