Detroit. Uma cidade que já foi um ícone mundial da industrialização e ainda hoje é o berço automobilístico das quatro rodas dedicou os três últimos dias a um tema estonteante: cidades criativas. O momento não poderia ter sido mais oportuno: meses após as estatísticas terem revelado que mais de 50% da população deste planetinha azul vive em cidades e semanas após a explosão de uma crise que aqui está sendo comparada à de 1929.

Os sinais começam a se fazer sentir: se no Brasil fomos surpreendidos com a corrosão do valor do real em 48% em um mês, na sede da indústria automobilística boqueabertos estadunidenses ouvem rumores de que a combalida General Motors está em vias de comprar a Chrysler e prestes a se fundir com a Ford, três titãs do setor. Resumo de uma longa e ainda desconhecida ópera da qual todos nós seremos protagonistas: parece ter chegado a hora de admitir que, de fato, o modelo econômico com o qual trabalhamos até agora e que aos trancos e barrancos tentava sobreviver, está em seus estertores. Bem, se foi este modelo que nos levou a esta crise, não será ele que nos tirará dela. 

É exatamente para tentar debater novos modelos e rotas de escape que surge o tema das cidades criativas: não como epicentro dos problemas, mas de suas soluções. Afinal, são justamente os centros urbanos, pequenos ou grandes, industriais ou de serviços, de países economicamente ricos ou pobres, onde se encontra a maior concentração de talentos e criatividade por metro quadrado. É nesses locais, movidos por inventividade ou necessidade, por opção ou falta dela, que pessoas das mais diversas vertentes se encontram, interagem, convivem. E é contando com esse substrato que várias cidades tëm tentado transformar seu tecido socioeconômico, baseado em uma das poucas coisas que não são padronizáveis: sua singularidade cultural.

Tal foi o foco do Creative Cities Summit 2.0, durante o qual os palestrantes, em uníssono, mostraram-se preocupados, mas otimistas – e também foi essa a tônica da minha fala. Aquele típico otimismo que nos leva a arregaçar as mangas, escancarar olhos e ouvidos e tentar encontrar outras formas de ver uma foto e encontrar os erros no jogo de sete erros. Um deles, já flagrado com letras de néon: o excesso de investimento na ciranda financeira e não em ativos reais, embora muitas vezes tão intangíveis como a criatividade e a cultura. O efeito disso pode ser sentido aqui, onde a população despencou de 2 milhões de pessoas para 800 mil, nas últimas décadas, levando ao virtual abandono de bairros inteiros. Hoje, parte das antigas fábricas está sendo transformado em condomínios e espaços alternativos, tentando resolver dois problemas ao mesmo tempo. 

Outro erro, enfatizado com tanto fervor que me senti em casa, embora aqui como aí questionado e ainda não resolvido: a tendência vista quase como natural que nossos governos têm, com raríssimas exceções, de investir cifras astronômicas em infra-estrutura e tão pouco em quem tem de lidar com elas, como aliás foi reiterado por três dos mais lidos pensadores da economia criativa: Richard Florida, John Howkins e Charles Landry, juntos pela primeira vez. 

Em meio a tantas incertezas, surgem algumas conclusões. Primeira: a globalização da economia compartilhou problemas em escala jamais vista e não há como um país sair isoladamente da encrenca na qual o mundo se meteu. Nesta sopa de problemas, primeiro e terceiro mundo, indústrias, serviços e agricultura, pequenos e grandes países já se misturaram há muito tempo. Segunda: que cultura e criatividade fazem parte da resposta, tem sido crescentemente reconhecido. Afinal, se temos de arcar com os custos de uma crise, que a aproveitemos para mudar nossas prioridades. Algo que me fez estremecer, ao abrir o computador e ler que, em função da crise, o Ministério da Cultura deverá ter o orçamento de 2009 reduzido. Novos tempos, velhos dias.

 


Economista, mestre em administração e doutora em urbanismo, autora dos primeiros livros brasileiros em economia da cultura, economia criativa e cidades criativas. É consultora e conferencista em 29 países e sócia-diretora da Garimpo de Soluções.

6Comentários

  • Carlos Henrique Machado, 16 de outubro de 2008 @ 15:24 Reply

    O que se deve observar é que há um esgotamento em qualquer conceito formal. A própria lógica da formalidade propõe regras bastante restritivas para a manutenção do sistema contínuo, o que propõe um universo linear sem cataclismas, sem sobressaltos. A urbanização, ou melhor, o conceito dela traz junto com essa forma natural de defesa da sociedade graves questões de um processo continuado. O urbanismo é cíclico, os benefícios dele não se mantêm inéditos por mais de três décadas, além do quê o mundo hoje vive uma crise construida no berço deste desatento efeito negativo do urbanismo.

    A África sofre os efeitos através da fome, de um subsidiado sistem de produção de alimentos na Europa para estimular a fixação do homem no campo, ainda assim, os ecos desse problema estão aí batendo às portas, milho/alimento versos milho/energia. Essa política compensatória, esse gatilho que, como antibiótico, para o estímulo, em muitos dos casos, do fortalecimento da bactéria. O que se vê hoje na base da crise é a quebra mais do que do capital, mas do conceito da lógica única do urbanismo. Essa idéia criativa do urbanismo mais deforma que constrói. A criatividae está no homem, a forma de exploração dela é que está muito aquém de ser bem pensada e, logicamente, sucedida.

    O interessante, Ana Carla, que o que destrói qualquer tentativa e se construir um processo continuado e autônomo de um mercado cultural, é essa a idéia, a de literalmente pegar o bonde andando, pior os restos do bonde encalhado ou desatinado que anda pelas principais capitais do país. Resto de um Estado que se organizou na base da pressão política e não de um planejamento natural. O bonde está aí subindo Santa Teresa, passando pelas duas Stas teresas, a do antigo glamour à realidade da guerra nas favelas.

    Está lá a ruína, lugar simbólico de uma sociedade que não quer largar o queijo de concentrar, neutralizar, coagular as vias que poderiam produzir e incentivar novos espaços para que a liberdade de expressão seduza a sociedade. A idéia da cultura formal é um dos maiores desastres no Brasil, ela não é catalizadora, é impositiva. Ela não é e nem faz questão de ser democrática, é uma coisa pronta, determinada, é uma múmia impávida, melhor, múmia de um reinado que sustenta o mercado virtual que só pode ser chamado de mercado se o Estado mantiver essa estrutura. Porque sem o Estado, essa cultura formal, esse monstro pesado sequer levanta da cama. Por isso, nossos caiçaras de fraques, luvas e bengalas andam a carregar Bach debaixo do braço nos acusando de sermos contra um cnceito universal de cultura. Universal sim, sob a lógica unilateral que propõe benefícios para essas franquias implantadas no Brasil que sustentarão seus empregos.

    Muito se destrói do classificado empírico para se construir réplicas de outras civilizações no Brasil. Lógico que isso não muda vírgula nas escolhas do povo. Os pavimentadores sabem disso, pelo menos, os poucos que pensam. No entanto, não têm o menor interesse em construir algo, a não ser um plano de carreira com uma bela aposentadoria nas costas da sociedade que eles vivem a apedrejar. Temos que buscar um pensamento mais equilibrado que contemple, pois já premiamos demais, já classificamos demais. Temos que fugir de qualquer forma de totalitarismo no nosso pensamento. A reorganização dos espaços urbanos ou rurais para construir um caminho extenso e com bastante oxigênio, passa obrigatoriamente por uma idéia de país, de continente. Centralizar recursos em um só pensamento é um perigo de cair nos resultados que já conhecemos. Muita inauguração e pouco ou nenhum funcionamento.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 17 de outubro de 2008 @ 9:18 Reply

    O que se deve observar é que há um esgotamento em qualquer conceito formal. A própria lógica da formalidade propõe regras bastante restritivas para a manutenção do sistema contínuo, o que propõe um universo linear sem cataclismas, sem sobressaltos. A urbanização, ou melhor, o conceito dela traz junto com essa forma natural de defesa da sociedade graves questões de um processo continuado. O urbanismo é cíclico, os benefícios dele não se mantêm inéditos por mais de três décadas, além do quê o mundo hoje vive uma crise construida no berço deste desatento efeito negativo do urbanismo.
    A África sofre os efeitos através da fome, de um subsidiado sistem de produção de alimentos na Europa para estimular a fixação do homem no campo, ainda assim, os ecos desse problema estão aí batendo às portas, milho/alimento versos milho/energia. Essa política compensatória, esse gatilho, como um antibiótico, funciona como estímulo, em muitos dos casos, do fortalecimento da bactéria. O que se vê hoje na base da crise é a quebra mais do que do capital, mas do conceito da lógica única do urbanismo. Essa idéia criativa do urbanismo mais deforma que constrói. A criatividade está no homem, a forma de exploração dela é que está muito aquém de ser bem pensada e, logicamente, sucedida.
    O interessante, Ana Carla, é que o que destrói qualquer tentativa de se construir um processo continuado e autônomo de um mercado cultural, é essa a idéia, a de literalmente pegar o bonde andando, pior, os restos do bonde encalhado ou desatinado que anda pelas principais capitais do país. Resto de um Estado que se organizou na base da pressão política e não de um planejamento natural. O bonde está aí subindo Santa Teresa, passando pelas duas Stas teresas, a do antigo glamour à realidade da guerra nas favelas.
    Está lá a ruína, lugar simbólico de uma sociedade que não quer largar o queijo de concentrar, neutralizar, coagular as vias que poderiam produzir e incentivar novos espaços para que a liberdade de expressão da sociedade seduza a própria sociedade. A idéia da cultura formal é um dos maiores desastres no Brasil, ela não é catalizadora, é impositiva. Ela não é e nem faz questão de ser democrática, é uma coisa pronta, determinada, é uma múmia impávida, melhor, múmia de um reinado que sustenta o mercado virtual que só pode ser chamado de mercado se o Estado mantiver essa estrutura. Porque sem o Estado, essa cultura formal, esse monstro pesado sequer levanta da cama. Por isso, nossos caiçaras de fraques, luvas e bengalas andam a carregar Bach debaixo do braço nos acusando de sermos contra um conceito universal de cultura. Universal sim, sob a lógica unilateral que propõe benefícios para essas franquias implantadas no Brasil que sustentarão seus empregos.
    Muito se destrói do empírico para se construir réplicas de outras civilizações no Brasil. Lógico que isso não muda vírgula nas escolhas do povo. Os pavimentadores sabem disso, pelo menos, os poucos que pensam. No entanto, não têm o menor interesse em construir algo, a não ser um plano de carreira com uma bela aposentadoria nas costas da sociedade que eles vivem a apedrejar. Temos que buscar um pensamento mais equilibrado que contemple, pois já premiamos demais, já classificamos demais. Temos que fugir de qualquer forma de totalitarismo no nosso pensamento. A reorganização dos espaços urbanos ou rurais para construir um caminho extenso e com bastante oxigênio, passa obrigatoriamente por uma idéia de país, de continente. Centralizar recursos em um só pensamento é um perigo de cair nos resultados que já conhecemos. Muita inauguração e pouco ou nenhum funcionamento.

  • Laercio Costa, 19 de outubro de 2008 @ 12:09 Reply

    Prezada Ana Carla,
    em primeiro lugar parabéns pela nota! Agora, após a sua leitura confesso que preferi não comentar de pronto, pois diante desse contexto mundial torna-se mais evidente as feridas da nossa gestão cultural , sendo ela em todos âmbitos, público, privado,…, como você , acredito na economia criativa como um dos pilares para esse novo cenário mundial que teremos aí pela frente, lendo seus textos e a parca referência bibliográfica ela é uma saída muito interessante, principlamente pelo seu caráter transversal, e também de integrar o conteúdo cultural de uma forma substancial, sustentável. O que infelizmente não ocorre com esse setor no brasil, onde temos a lei rouanet, como pai e mãe de um sistema , que é notório não haver sustentabilidade nenhuma . Ou seja , não dá para produtoras culturais e afins dependerem de aprovação de projetos culturais e QIs de captação de recurso para manter tais empresas e produções. E agora, ficam todos de cabelo em pé, como se o mercado fosse tão seguro assim , para mim isso tudo é falta de política e ações culturais verdadeiramente transversais , com o desenvolvimento sustentável fluindo nas veias. Para que ?? Para não chegar nesse momento e cortar o chocolate , o mc donalds, o refrigerente. Enfim, temos que parar de produzir , gerir Mc Donalds da vida e sim Feijão com Arroz . Tenho a impressão que gastamos um tempo incrível e estamos sempre no mesmo lugar.
    Atenciosamente Laercio

  • Ana Carla, 20 de outubro de 2008 @ 9:09 Reply

    Olá, Laercio. Só posso compartilhar de suas preocupações.. Paralelamente, tendo a achar que crises, em qualquer setor, país ou momento, representam uma oportunidade enorme para que as pessoas ajustem seu foco e revejam o que não está dando certo. Esperemos que assim seja. Abs, Ana Carla

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 22 de outubro de 2008 @ 12:37 Reply

    O que se deve observar é que há um esgotamento em qualquer conceito formal. A própria lógica da formalidade propõe regras bastante restritivas para a manutenção do sistema contínuo, o que propõe um universo linear sem cataclismas, sem sobressaltos. A urbanização, ou melhor, o conceito dela traz junto com essa forma natural de defesa da sociedade graves questões de um processo continuado. O urbanismo é cíclico, os benefícios dele não se mantêm inéditos por mais de três décadas, além do quê o mundo hoje vive uma crise construida no berço deste desatento efeito negativo do urbanismo.
    A África sofre os efeitos através da fome, de um subsidiado sistem de produção de alimentos na Europa para estimular a fixação do homem no campo, ainda assim, os ecos desse problema estão aí batendo às portas, milho/alimento versos milho/energia. Essa política compensatória, esse gatilho, como um antibiótico, funciona como estímulo, em muitos dos casos, do fortalecimento da bactéria. O que se vê hoje na base da crise é a quebra mais do que do capital, mas do conceito da lógica única do urbanismo. Essa idéia criativa do urbanismo mais deforma que constrói. A criatividade está no homem, a forma de exploração dela é que está muito aquém de ser bem pensada e, logicamente, sucedida.
    O interessante, Ana Carla, é que o que destrói qualquer tentativa de se construir um processo continuado e autônomo de um mercado cultural, é essa a idéia, a de literalmente pegar o bonde andando, pior, os restos do bonde encalhado ou desatinado que anda pelas principais capitais do país. Resto de um Estado que se organizou na base da pressão política e não de um planejamento natural. O bonde está aí subindo Santa Teresa, passando pelas duas Stas teresas, a do antigo glamour à realidade da guerra nas favelas.
    Está lá a ruína, lugar simbólico de uma sociedade que não quer largar o queijo de concentrar, neutralizar, coagular as vias que poderiam produzir e incentivar novos espaços para que a liberdade de expressão da sociedade seduza a própria sociedade. A idéia da cultura formal é um dos maiores desastres no Brasil, ela não é catalizadora, é impositiva. Ela não é e nem faz questão de ser democrática, é uma coisa pronta, determinada, é uma múmia impávida, melhor, múmia de um reinado que sustenta o mercado virtual que só pode ser chamado de mercado se o Estado mantiver essa estrutura. Porque sem o Estado, essa cultura formal, esse monstro pesado sequer levanta da cama. Por isso, nossos caiçaras de fraques, luvas e bengalas andam a carregar Bach debaixo do braço nos acusando de sermos contra um conceito universal de cultura. Universal sim, sob a lógica unilateral que propõe benefícios para essas franquias implantadas no Brasil que sustentarão seus empregos.
    Muito se destrói do empírico para se construir réplicas de outras civilizações no Brasil. Lógico que isso não muda vírgula nas escolhas do povo. Os pavimentadores sabem disso, pelo menos, os poucos que pensam. No entanto, não têm o menor interesse em construir algo, a não ser um plano de carreira com uma bela aposentadoria nas costas da sociedade que eles vivem a apedrejar. Temos que buscar um pensamento mais equilibrado que contemple, pois já premiamos demais, já classificamos demais. Temos que fugir de qualquer forma de totalitarismo no nosso pensamento. A reorganização dos espaços urbanos ou rurais para construir um caminho extenso e com bastante oxigênio, passa obrigatoriamente por uma idéia de país, de continente. Centralizar recursos em um só pensamento é um perigo de cair nos resultados que já conhecemos. Muita inauguração e pouco ou nenhum funcionamento.

  • eliana simonetti, 3 de novembro de 2008 @ 20:08 Reply

    Ok
    concordamos
    na teoria a coisa é clara
    agora, na prática, em meio à crise e à insegurança economica e financeira atuais – o que empresas, que andam com muitos pés atras, podem fazer (ou devem fazer)?
    sim, pq não é só orçamento de ministérios de cultura que fazem a economia criativa andar, certo?
    se vamos aproveitar, temos todos de saber como
    sem falar em quando, onde, quanto…….
    bjs e parabéns pelo artigo
    interessantíssimo
    eliana

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