Os termos “nacional” e “popular” sempre fizeram parte das discussões do cinema brasileiro, desde o seu surgimento, passando por todas as épocas da nossa cinematografia. A preocupação em se mostrar um cinema genuinamente nacional para o grande público espectador colocou grandes nomes da história do cinema brasileiro em posições semelhantes ou divergentes, conjuntas ou antagônicas.
Nos primeiros anos do início do século passado, o termo nacional aplicado ao cinema brasileiro não constituía uma questão de mérito, não carregava consigo um quadro de valores, onde o “nacional” não se designava boa ou má qualidade cinematográfica. Isso porque a indicação de nacionalidade dos filmes nacionais era apenas uma forma de diferenciação de origem. Porém, para se definir um filme como nacional, naquela época, isto é, em 1910, não bastava ter sido feito no Brasil, ou seja, produzido no nosso território, mas que seu assunto ou tema fosse nacional, principalmente, quando mostrava nossas belezas naturais e nossos costumes, povos, acontecimentos e personalidades.
Assim, no início da nossa cinematografia, nas primeiras décadas do século passado, o termo “nacional” se vinculava ao que o filme mostrava e não àquilo que ele é nem a sua forma ou linguagem, como iremos também tratar posteriormente. Contudo, nestes aspectos da forma e da linguagem, o termo “nacional” começa a se aproximar ao primeiro entendimento do termo “popular”, quando o gênero da revista (tipicamente utilizado nos espetáculos teatrais da época) era aquele que mais apaixonava e entusiasmava nosso público, passando a ser comumente feito nas novas películas com os temas nacionais. Neste momento, o cinema brasileiro se tornou umbilicalmente nacional e popular. Mas, esta inovação consiste apenas numa transposição do gênero teatral popular para a tela de cinema e não realmente uma questão de forma e linguagem cinematográfica.
A questão da linguagem cinematográfica nesta discussão sobre a nacionalidade e a popularidade do cinema brasileiro se tornou o calcanhar de Aquiles sobre os termos “nacional” e “popular” na história do nosso cinema. Porque o grande objetivo neste período até a primeira metade do século passado (década de 1950) foi de alcançarmos em qualidade o mesmo nível que se encontravam as películas estrangeiras. Importante destacar que a equiparação com a qualidade estrangeira poderia ser uma forte maneira dos filmes brasileiros disputarem entre si e não com os filmes estrangeiros. Pois a sobrevivência dos filmes brasileiros no mercado sempre se colocou de forma perene na nossa história cinematográfica.
Para entendermos uma das formas comuns adotadas pelos nossos produtores e realizadores para adquirirem uma qualidade semelhantes aos filmes estrangeiros, alguns nomes importantes do começo da nossa história cinematográfica, como Eduardo Abelim, Humberto Mauro, entre outros, declararam que a melhor maneira de aprender a fazer filmes nacionais era ir à uma sala de cinema e assistir com muita atenção os filmes estrangeiros ou numa situação mais privilegiada, como fizeram José Medina e Alex Viany, passar uma temporada frequentando os grandes estúdios para aprender a fazer cinema com os grandes mestres da sétima arte (sic).
Dessa forma, o que caracterizou o cinema nacional é a matéria prima, seja essa entendida como o tema central da obra cinematográfica e não o método de realização do cinema, que é universal, onde tanto importa quem quer que faça, seja este realizador e/ou produtor brasileiro ou estrangeiro, mesmo que esta “matéria prima” seja exportada, como aconteceu com grandes artistas dos cinema brasileiro, das primeiras década do século passado, como Lia Torá, Olympio Guilherme, Raul Roulien e Carmem Miranda – que foram trabalhar no “star system” hollywoodiano, levando consigo cada um a temática brasileira e até mesmo latino-americana, como nos filmes que comumente colocavam brasileiros e argentinos num só lugar (sic).
Este pretenso universalismo inerente à linguagem cinematográfica ora é visto como imitação, como sinônimo de subserviência aos cânones estrangeiros, ora como ignorância a realidade dos costumes e da cultura brasileira, onde este tipo de importação da técnica traz consigo um receio em inovar e produzir uma marca genuinamente brasileira. Para superar essa dependência qualitativa, encontram-se na história do cinema brasileiro duas tendências de representação do Brasil no cinema: o Brasil rural e o Brasil urbano.
Na primeira tendência, há a exaltação da natureza e dos costumes e jeitos de viver do interior do Brasil, como uma vida simples, rústica, ingênua e despreocupada do povo sertanejo. Na segunda tendência, há uma visualização do progresso urbano, com forte apelo documental, mesmo que essa representação identifique lugares distintos do Brasil, como São Paulo, Rio Janeiro e até mesmo Minas Gerais e na Bahia. Isso não quer dizer que haja uma regionalização por meio da representação regional, mas sim uma representação do Brasil enquanto nação, por meio do progresso nacional, que se assemelha aos diferentes estados nas transformações ocorridas nas grandes cidades brasileiras, assim como suas mazelas trazidas pelos excessos e vícios.
Então, o Brasil sertanejo se tornou uma das representações do “popular” que o cinema brasileiro ao longo da sua história mais se apropriou. Porém, entre as décadas de 1910 e 1930, essa representação nunca foi reivindicada como “popular”, mas como nacional e brasileiro, ou como coloquialmente apontávamos como “nosso cinema”. O termo “popular” também tem sua alusão na ideia de ser muito frequentado pelo público, seja por uma sala de cinema, seja por um filme brasileiro ou estrangeiro, mas dificilmente alusivo à uma origem do público, isto é, a sua condição social, mesmo que esta nova concepção esteja já se construindo e se moldando na história do cinema brasileiro.
Dessa forma, o termo “nacional”, desde muito cedo se propõe para o cinema brasileiro, enquanto o termo “popular” surge depois, tardiamente, ainda de forma abrangente.
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