Depois de anos de estagnação, o público do cinema nacional cresceu 51,4% entre 2008 e 2010, quando foram vendidos 134,9 milhões de ingressos. Ascensão da classe C, tecnologia 3D, além de uma boa safra de sucessos de bilheteria têm contribuído para que o cinema seja incorporado ao lazer do brasileiro.
Mas, na opinião de Marcelo Bertini, presidente da Rede Cinemark Brasil, exigências legais como meia-entrada e cota de tela (reserva de mercado para o cinema nacional), além dos custos para se investir em cinema de rua limitam o crescimento potencial da indústria.
O diretor-presidente da Ancine (Agência Nacional do Cinema), Manoel Rangel, disse que a cota de tela é um instrumento de defesa da indústria nacional “contra a massificação da indústria hegemônica”. Segundo ele, é uma prática comum na Europa e na América Latina. “No Brasil existe desde 1930 e é indispensável para a existência do cinema nacional.”
Rangel diz ainda que as regras são “muito modestas” e que há filmes nacionais “de qualidade” em quantidade suficiente para cumprir as cotas. “É preciso haver pluralidade. Filmes como Nosso Lar, Tropa de Elite, Bruna Surfistinha são entretenimento mas também transitam por um território que não é o da infantilização dos filmes dos EUA.”
A UNE (União Nacional dos Estudantes) diz que desde 2001, quando a entidade, ao lado da Ubes, perdeu a exclusividade na emissão das carteiras que dão direito à meia-entrada, não houve fiscalização e “empresas de carteirinhas se multiplicaram”.
Leia a entrevista do presidente da rede Cinemark para o jornal Folha de S. Paulo, publicada nesta segunda-feira (6/6):
Folha – O cinema vive um bom momento no Brasil?
Marcelo Bertini – Essa é uma indústria que não controla o que exibe. E o ano passado foi muito consistente em termos de produto. Tivemos Avatar, bons produtos no verão americano, e o maior sucesso da história recente do cinema nacional, que foi Tropa de Elite 2.
A classe C está indo ao cinema?
Entre os anos de 2006 e 2008, enquanto a economia cresceu movida pelo crédito para a classe C, nós ficamos estagnados, com 89 milhões de ingressos vendidos. A gente não crescia pois a renda da classe C estava comprometida com o primeiro celular, primeiro carro, primeira geladeira.
Mas agora acredito que a classe emergente está aprendendo a equilibrar o orçamento e sobra mais dinheiro para lazer.
O preço do ingresso não é uma barreira?
A gente não percebe isso. Tirando atividades patrocinadas pelo governo, o cinema é talvez o entretenimento mais barato do Brasil. O que é que custa R$ 16, R$ 18 o preço cheio? Ingresso de futebol custa R$ 30. Considerando a meia entrada, o preço médio real da indústria é R$ 9. Mas infelizmente a meia-entrada não beneficia só estudantes, mas também pessoas que há tempos não vão à escola.
O setor ainda briga para acabar com a meia-entrada?
Tivemos uma briga com as empresas que comercializavam as carteiras e ganhamos na Justiça. Hoje precisamos coibir a falsificação. Para isso é preciso regras, definir que tipo de curso, qual horário. Defendemos a adoção de um documento de fé pública, emitido pela Casa da Moeda. A meia-entrada é um custo imposto pelo Estado para o empresário, sem nenhum tipo de contrapartida. Além dos impostos que a gente já paga, é como se essa fosse a minha participação no desenvolvimento cultural do país. Esse tipo de conceito não vale a pena questionar. Mas queremos que a carteira seja regulamentada.
Qual o peso da meia-entrada?
De 60% a 65% de todos os ingressos vendidos.
Outros países também adotam meia-entrada.
Poucos. A França tem, mas é patrocinada pelo governo. EUA e México não têm. O México tem o dobro do número de salas do Brasil, recebe o dobro do público e tem a metade da população.
Mas o ingresso no México é muito mais barato.
Sim, pois não há meia-entrada.
Dá pra atribuir o preço baixo no México só à meia-entrada?
Dá. No Brasil, nosso preço mais baixo é em Porto Alegre. Lá a meia entrada é regulamentada de fato. Há um desconto menor no fim de semana e maior durante a semana. O preço cheio lá é menor do que no resto do país, mas o médio é o mesmo. O resultado é um entretenimento mais barato e mais abrangente. E Porto Alegre tem um dos maiores números de salas por habitante do país.
Como competir com TV HD, home theater, downloads?
A migração da projeção de 35mm para o digital, com a tecnologia 3D é uma alternativa que nos coloca em pé de igualdade para competir não só com novas tecnologias, mas com novos conteúdos.
O 3D é capaz de fazer as pessoas saírem de casa?
O que faz sair de casa continua sendo o cinema. E um filme 3D não é necessariamente um filme vencedor.
Mas dependendo do público que você quer atingir -garotada que gosta de filme de ação, famílias-, o 3D potencializa o desejo do cliente sair de casa. Estamos fazendo grandes investimentos na compra de projetores digitais. Das 433 salas que temos hoje, 117 já contam com projetores digitais.
Como o sr. vê o potencial do mercado nacional?
É enorme, mas poderia ser maior. Não conseguimos viabilizar aqui o que nos EUA foi o propulsor da indústria: cinema fora de shopping.
Por que não se investe em cinema de rua?
Terreno caro, péssimas condições de financiamento de longo prazo para terreno e investimento. E ainda tem um custo adicional de infraestrutura, como estacionamento e segurança. Sem falar nas exigências de prefeitura, bombeiro, taxas.
O setor então depende do crescimento dos shoppings?
A indústria de shoppings fala em 90 novos empreendimentos até 2015. Se isso se confirmar, serão 600 salas. Sairemos de 2.200 salas para 2.800. É pouco perto do México, que tem 4.100.
Qual a sua avaliação sobre a produção nacional?
Não julgo qualidade, falo em termos comerciais. O que temos observado é que ao menos uma parte de nossos diretores e produtores está finalmente começando a tratar a indústria como negócio. Começando a entender o que de fato interessa ao público. Acertamos nas comédias românticas ou genuínas. Tirando Tropa de Elite, as grande bilheterias têm esse viés.
Essa produção é suficiente para cumprir a cota de tela?
Ih! A cota de tela dá uma entrevista à parte. No Brasil são lançados de 70 a 90 filmes por ano. Só uns 5 interessa ao mercado assistir.
Dá para cumprir a cota com esses títulos?
A produção não é suficiente para cumprir a cota de forma rentável. Cumpro com sala vazia. Em 2010, em função do sucesso de Tropa, não foi o caso. Mas na maioria dos anos, sim. De cada seis ou sete salas, sou obrigado a dedicar uma a filmes nacionais.
E vocês exibem só esses 5?
Mais do que isso. Entendemos que muitos filmes têm o seu público. Também temos festivais, projetos, como o Projeta Brasil, um dia inteiro dedicado ao cinema nacional com ingresso a R$ 2. Essa renda retorna para a indústria, com premiações em festivais.
*Com informações da Folha de S. Paulo