Foto: Fanatico
Muito se critica o fato de que são poucos os proponentes que conseguem patrocínios de empresas via lei Rouanet. Além disso, sabe-se, realmente, que somente 1 entre cada 5 projetos que pleiteiam os benefícios da lei, aprovados pelo Ministério da Cultura, conseguem efetivamente conquistar um patrocínio empresarial.

Boa parte dos críticos de plantão – principalmente os artistas e produtores que não conseguem captar – usa esse argumento para afirmar que o sistema é falho. E que deveria ser mudado.

Trata-se de uma meia verdade. A concentração realmente existe. Mas ela tem uma explicação muito lógica, é uma conseqüência natural e mais: é um reflexo direto da estrutura macroeconômica do Brasil.

Em primeiro lugar é preciso se pensar que quando se coloca a decisão sobre o que se deve ou não patrocinar nas “mãos” de grandes empresas é natural e lógico que elas façam isso por critérios que elas, empresas privadas, guiam-se no seu dia-a-dia: pelo critério de quem dará o melhor resultado, de quem fará o melhor projeto, o mais competente… de quem obterá mais retorno para a empresa, para sua marca e seus produtos.
São critérios naturais de grandes empresas que se pautam em seus cotidianos por isso: conseguir bons resultados. E não há mal nenhum em se transferir tal mentalidade para a produção cultural brasileira – de só se selecionar projetos competentes e que tragam resultados concretos.

Nesse contexto, é natural que elas, as empresas, especialmente as privadas, priorizem escolher produtores e artistas com alta capacidade de execução do projeto cultural. É assim que as companhias fazem em seu dia-a-dia, por exemplo, na escolha de fornecedores.

Então, é lógico e conseqüente que empresas acostumadas ao resultado priorizem artistas e produtores com expertise no planejamento e na gestão de projetos. E, verdade seja dita, isso ainda é uma coisa escassa entre aqueles que lidam com produção cultural no Brasil.

Além disso, há uma definição na lei Rouanet que incentiva essa centralização de poucos e grandes proponentes: a letra da lei permite que empresas patrocinadoras criem suas próprias instituições culturais sem fins lucrativos, que passam então a canalizar boa parte dos patrocínios incentivados da empresa. Por exemplo, as entidades culturais dos bancos, como o Itaú Cultural, o Instituto Moreira Salles etc.

Mas isso também não é necessariamente um defeito. Muito pelo contrário. Basta freqüentar esses locais para sentir na pele que a absoluta maioria dessas entidades culturais de empresas são modelos de qualidade de produção cultural, além de serem bons exemplos que ajudam a fomentar em outras companhias o desejo pelo investimento em cultura.
E vamos e venhamos até mesmo a associação de amigos da Funarte, órgão do próprio Ministério da Cultura, tem sido uma das grandes captadoras de recursos via lei Rouanet junto às empresas, ajudando a aumentar ainda mais essa concentração de poucos e grandes produtores.

Além disso, há o fato inegável de que essa concentração de patrocínios é um reflexo da própria concentração econômica do Brasil.

Muito se critica, por exemplo, que o Sudeste seja a região do país que mais capte recursos via lei Rouanet. Pois é perfeitamente natural: se o Sudeste é a região que mais gera recursos, se é o local onde está grande parte das maiores empresas, então é conseqüência lógica que ele capte mais recursos do que a região Norte, por exemplo.

E mais: a própria estatística de distribuição de recursos do Fundo Nacional de Cultura – que é um investimento direto do Governo – mostra uma distribuição de recursos muito similar a que ocorre na lei Rouanet.

Por fim, há uma questão de ordem prática e muito delicada de se abordar: a competência dos projetos aprovados que chegam às empresas.

Ao se olhar mais perto, por exemplo, a pauta de aprovação de projetos de uma reunião da CNIC (Comissão Nacional de Incentivo à Cultural) – órgão do Ministério da Cultura que faz análise e aprovação dos projetos que pleiteiam a lei Rouanet – vai se encontrar ali literalmente de tudo: de uma pequena ONG que aprovou um projeto com a melhor das intenções, mas cujo projeto, por falta de experiência e expertise, é muito mal formatado, do ponto de vista do potencial de execução, até projetos claramente feitos para apenas e tão somente gerar dinheiro aos produtores, sem nenhuma ou pouca justificativa realmente cultural.

Então, antes de se criticar a centralização da lei Rouanet é preciso se discutir a profissionalização do gestor cultural brasileiro. É preciso debater sobre até que ponto a centralização do uso da lei Rouanet em poucos, grandes e renomados produtores culturais é realmente uma falha do sistema. Ou simplesmente um reflexo da sociedade brasileira, incluindo aí a pouca experiência dos nossos profissionais que querem produzir cultura no país.

Na verdade, a lei Rouanet é uma lei “inchada” de projetos – algo também muito natural para uma legislação que permite que qualquer produtor cultural – independente de sua experiência – apresente projetos culturais e busque patrocínios.
Mas é muito importante destacar também que mesmo que conseguíssemos – em hipótese – separar “o joio do trigo” entre os projetos apresentados ao MinC, aprovando somente as boas ações, realmente relevantes, de gente séria, experiente, que realmente tem condições de ser executada, ainda assim “metade” do projetos apresentados não conseguiria patrocínio.

Nesse caso, a solução é que haja mais investimentos diretos do estado em projetos que não passam pelo ‘crivo empresarial’, através de editais públicos, como os fundos setoriais propostos pela atual gestão do MinC. Mas sem dividir o recurso que já existe e, principalmente, sem dirigismo na seleção.

Mas esse investimento direto governamental é escasso, considerando que o orçamento do Ministério da Cultura, embora aumentado recentemente, ainda está longe do aconselhado, por exemplo, pela Unesco, para orçamentos governamentais ideais para a cultura, que seria de pelo menos 2%.

Pelo que se vê, o buraco da cultura no Brasil é sempre mais embaixo.


contributor

Antoine Kolokathis, fundador da Direção Cultura Produções, que atua há 22 anos com leis de incentivo e é associada a diversas entidades do segmento, como a APTI (Associação de Produtores Teatrais Independentes), ABCR (Associação Brasileira de Captadores de Recursos) e FBDC (Fórum Brasileiro pelos Direitos Culturais).

8Comentários

  • Chico Ferreira, 11 de fevereiro de 2010 @ 11:34 Reply

    A captação via Lei Rouanet se torna cada vez mais complicada.
    Cada vez mais crescendo a captação pelo governo e suas associações.
    O que acaba tornando uma concorrência desleal afinal possuem milhares de funcionários que são pagos com dinheiro público e qual empresa não tem interesse em estar ao lado do governo.
    Em 2008 entre os 10 principais captadores via lei rouanet:

    Instituto Itau Cultural- verba revertida para si próprio
    Osesp – Ligado ao governo de SP
    Tv Cultura – Fundação Padre Anchieta (retorno em midia)
    Teatro Municipal do RJ
    MAM – SP
    Associação Orquestra Pró Música do Rio de Janeiro …
    Daqui a pouco teremos entidades ligadas ao governo de Brasília, Bahia, Maranhão (como foi o caso da fundação sarney)

    Como um produtor cultural com uma pequena empresa pode concorrer atrás de verbas, sendo que estas empresas ligadas ao governo contam com milhares de funcionários…
    Hoje em dia esta se criando uma Cia de Dança do governo de S Paulo, com certeza sera mais um dos grandes captadores da Lei Rouanet.

    Não seria o caso destas ações criadas pelo governo serem bancadas por seus próprios orçamentos.
    Existe uma mínima chance dos produtores culturais concorrerem com estas entidades.

  • gil lopes, 11 de fevereiro de 2010 @ 12:12 Reply

    Muito bom artigo. Como ficar do contra está por fora, o momento é muito mais para constituir a situação do que ficar na oposição, me permitam a digressão política, o ambiente necessita muito mais de apoio e críticas construtivas do que oposição. Aliás, oposição já era, ficou pra trás, nosso inimigo é a pirataria, as franjas contra a cidadania, que em alguns casos está disseminada entre nós de forma a prejudicar nosso desenvolvimento e produção de riquezas…
    Quanto a lei rouanet, é inegável que sua instituição tem desenvolvido no ambiente da cultura uma organização até então desconhecida. A manipulação dos critérios e planilhas organizam e educam o setor para a economia da Cultura. O que precisamos é mais apoio e comprometimento da empresa privada, o Estado tem carregado nas costas todo o processo e junto ao Ministério da Cultura temos verdadeiros Ministérios complementares como por exemplo a Petrobrás e as grandes companhias estatais. A perspectiva cultural e o apoio a iniciativas de valorização da cultura, com raras exceções, tem sido estimuladas pelas empresas do Estado. É preciso cobrar mais da iniciativa privada, mas também ampliar o espectro de sua participação. O limite de 4% do imposto devido, concentra em mega empresas, seria interessante expandir mais o número de empresas e possibilidades. E claro, diminuir os 100% é indesejável, aumentar o benefício sim através da autorização da contabilização nas despesas, ampliando e não reduzindo, promovendo de fato o interesse das privadas no processo cultural, supervisionado pelo Estado com poder de intervenção em disparates. Tratar o assunto com maturidade, projetar o novo ambiente, é isso que a gente quer e tá barato pra caramba!

  • gil lopes, 11 de fevereiro de 2010 @ 12:16 Reply

    Muito bom artigo. Como ficar do contra está por fora, o momento é muito mais para constituir a situação do que ficar na oposição, me permitam a digressão política, o ambiente necessita muito mais de apoio e críticas construtivas do que oposição. Aliás, oposição já era, ficou pra trás, nosso inimigo é a pirataria, as franjas contra a cidadania, que em alguns casos está disseminada entre nós de forma a prejudicar nosso desenvolvimento e produção de riquezas…
    Quanto a lei rouanet, é inegável que sua instituição tem desenvolvido no ambiente da cultura uma organização até então desconhecida. A manipulação dos critérios e planilhas organizam e educam o setor para a economia da Cultura. O que precisamos é mais apoio e comprometimento da empresa privada, o Estado tem carregado nas costas todo o processo e junto ao Ministério da Cultura temos verdadeiros Ministérios complementares como por exemplo a Petrobrás e as grandes companhias estatais. A perspectiva cultural e o apoio a iniciativas de valorização da cultura, com raras exceções, tem sido estimuladas pelas empresas do Estado.

  • Rafael Henrique, 12 de fevereiro de 2010 @ 12:42 Reply

    “aprovando somente as boas ações, realmente relevantes, de gente séria, experiente”. Achei extremamente preconceituoso esse comentário. Sou iniciante em produção cultural e não acho que meus projetos seriam “não boas ações” pela minha falta de experiência. Talvez esse tipo de pensamento atrapalhe um pouco o meio cultural. Como um novo produtor vai tornar-se “experiente” sem auxilio de leis como essa?

  • André Mardock, 14 de fevereiro de 2010 @ 14:14 Reply

    O que esperar de resultados referentes à Lei Rouanet, quando seus “critérios estão atrelados a projeção das empresas privadas”?
    É necessário mudar o formato para que se mude o foco. As distorções existem e precisam ser consertadas.

  • pedro, 15 de fevereiro de 2010 @ 3:23 Reply

    Prezado Antoine Kolokathis,

    Seu texto/artigo é bom. Dentro da média e da perspectiva de falar, falar e pouco dizer de fato. Nada pessoal. Eu explico. Quero dizer que – um pouco, até concordo com o comentário do gil Lopes – oposição ficou careta. em suma, concordo com tuas explanações. todas. Apenas não li que esse grupo de “produtores competentes” que sabem o caminho das pedras para tornar viável pequenas, médias e grandes produções, destacando as empresas e suas marcas, utilizam dinheiro público. É dinheiro que deveria ser carreado para os cofres públicos. E o Estado, com o propósito de fomentar a cultura, renúncia parte desse imposto para o fomento da cultura. Agora, usando suas próprias palavras, “Então, antes de se criticar a centralização da lei Rouanet é preciso se discutir a profissionalização do gestor cultural brasileiro. É preciso debater sobre até que ponto a centralização do uso da lei Rouanet em poucos, grandes e renomados produtores culturais é realmente uma falha do sistema. Ou simplesmente um reflexo da sociedade brasileira, incluindo aí a pouca experiência dos nossos profissionais que querem produzir cultura no país.” QUEM SÃO ESSES POUCOS E RENOMADOS PRODUTORES? Também acho um tanto preconceituoso achar que somente eles têm direito a essa tetinha do governo, tal como voce coloca como sendo naturalmente natural. Então é necessário mudar, e para mudar, tem que se começar de algum lugar. A nova Lei Rouanet, ou Lei Juca, propõe algumas mudanças que de fato incomoda esse universo de poucos produtores. O qual percebo , voce não faz parte. Mas eles existem, e buscam confundir a cabeça das pessoas, dizendo que a cultura tem quer gerida pelo mercado. Mais ou menos. Estamos falando de cultura enquanto identidade cultural, ou de entretenimento?
    abraço cordial.
    pedro

  • gil lopes, 18 de fevereiro de 2010 @ 13:08 Reply

    A cultura é gerida pelo mercado sim, a questão é de que maneira o governo se coloca diante dessa gestão. Porque entretenimento não pode expressar identidade cultural? Pode e deve. A questão é ver o incentivo fiscal usado para fazer CATS patrocinado pelo Bradesco, aí é dose, falta critério. O Bradesco tem todo direito de querer fazer CATS no Brasil, mas sem isenção. A isenção no caso é para que?
    A Natura também se utilizou recentemente de expediente parecido e com a Petrobrás ao lado para trazerem o STING…francamente, about us? Fizeram uma salada pra justificar a vinda do STING, esse sim o nome midiatizado do evento. E no dia seguinte lá estava o STING falando mal do governo..
    Isenção para CATS? Como teria sido obtida? Passou nos critérios de análise no MINC? Foi através de algum telefonema ao Ministro? Ai é que não dá mesmo. Como CATS?

  • antoine kolokathis, 21 de fevereiro de 2010 @ 18:48 Reply

    Prezados Chico, Gil, André, Rafael e Pedro.
    Acho muito legal esse debate. Parabéns Leonardo Brant!
    Para não me estender muito, não vou comentar assuntos como ‘cultura versus entrenimento’ (tema para outro artigo!).
    Em meu texto acima, sugiro que precisamos ter as duas formas de financiamento público à cultura: o direto do estado, através de fundos, editais, cias, pontos de cultura, etc.; e o indireto, como funciona a Lei Rouanet hoje.
    Com relação à segunda forma, não podemos nunca nos esquecer que as Leis Rouanet e Sarney (sua antecessora), foram criadas, segundo relata o Professor Teixeira Coelho num excelente texto publicado em 2009 na revista Observatório, do Instituto Itaú Cultural, num contexto em que o Brasil acabava de passar por um dos piores momentos de censura e dirigismo cultural de sua história: a ditadura militar. Graças a essas duas leis podemos hoje aprovar projetos culturais no Ministério da Cultura, que inclusive critiquem o próprio governo vigente, por exemplo. Coisa impensável nos anos de chumbo.

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