No conto “O Machete”, do grande Machado de Assis, ele narra o conflito entre o Estado e a sociedade. É nítido que, neste conto, a narrativa de Machado de Assis se confunde com a história de Ernesto Nazareth. Mesmo com a certeza de que Nazareth não viveu o conflito de carregar o status de músico erudito. Ele, como um mito, pagou o preço das especulações que esse conceito traz no pacote.
O fato é que Machado de Assis no conto, A Teoria do Medalhão, discute as mesmas questões de um estado perfilado, carregado de discursos clássicos e baratos que reproduzem como ele próprio diz, “as feições de um homem amado ou benemérito”. A ausência de conclusão, justo porque a crítica cultural não consegue fugir da teoria para a prática, é que esse conflito ganha contornos consideráveis.
Na esfera do executivo, assim que foram inauguradas no Brasil as políticas municipais, estaduais, a balança buscou o equilíbrio numérico e, consequentemente ficcional. Se a idéia matemática vive nos visitando na hora do debate cultural, podemos imaginar como é usada na hora que se confronta com a realidade das urnas. Neste momento em que todos se preocupam em condicionar suas ações ao acerto, ou seja, cada enxadada uma minhoca, cada ato um voto. E não pensem que eu estou aqui fazendo coro contra os políticos, ao contrário, irrito-me com o discurso fácil da grande mídia de criminalizar os políticos, pois, agindo assim, coloca-se como patrulha da cidadania e minimiza as mazelas dos seus clientes. Com isso, o setor privado está sujeito às honrarias e condecorações, mesmo que historicamente não invista um centavo sequer em pensamento e pesquisa. O empresariado brasileiro então! Ou o Estado investe na base do desenvolvimento, ou o nosso empresariado se coloca como uma franquia de alguma empresa estrangeira. Esta é a nossa histórica realidade. A cultura de setor privado se confunde com a orientação das doutrinas do Estado no campo das artes e soma-se, neste momento, enquanto classe, expondo o quanto o olhar de tudo isso está fixado no nada. Todos os gestos são ensaiados, não há diferença entre a visão do Estado e a do mercado, os dois, cada um com seu ornamento, erudito ou comercial, dormem acordados na mesma sala de jantar.
Neste caso não existe uma terceira via. O pensamento respinga nas políticas do executivo que, com a bananosa nas mãos, já amassada pelo mercadão do show business e do “erudito” passa toda uma gestão mastigando a mesma geléia de banana amassada. A pergunta é: o governo deve se colocar como orfanato do mercado ou de artistas? Permanece-se a fuga contínua aonde claramente identifica-se um já esbaforido sistema que silenciosamente foi declinando a relação do artista com a sociedade? Não há como fugir de uma profunda mudança. Não dá para continuar nessa demência de recomeçar o Brasil toda segunda-feira.
A cultura, na Conferência Nacional tem a chance de ser devolvida ao universo natural mais digno, mais ético, e contribuir de forma farta com a busca de uma nova imagem de país contra a sua principal madrasta, a grande mídia e grandes grupos econômicos e seus interesses privados. A intelectualidade brasileira precisa comer algo novo, sair desses ruídos constrangidos, amontoando-se em vergonhosa covardia diante dos galopes do pensamento capitalista.
Faz-se necessária a crítica aberta, não a crítica paga que não traz sequer uma idéia original, algo que faça ruir o oráculo academicista, algo áspero a essa persuadida visão de desenvolvimento artístico na base da idéia milionária, alguma coisa que trate mal a visão adesiva ao grande simpático nos corredores do negócio da cultura.
Precisa-se de uma voz robusta andando na contramão do pensamento cínico, solicitador que detesta alvoroço e sangue quente. É um novo momento de espetacular expressão para artistas, produtores que querem uma virada de mesa nessa pueril visão que tende, de cinco em cinco minutos, a se jogar na deriva por medo de perder privilégios. Está na hora da cultura, da arte provocar dor de cabeça, inclusive nos fins de semana, neste emaranhado de calmaria à beira-mar que tanto o gigante do estado quanto o gigante do mercado se servem. É este o momento de mergulhar numa profunda questão e vencer a barreira psicológica a que todo o pensamento em torno da cultura está refém.
A Conferência Nacional de Cultura está propondo um momento que pode ficar para a eternidade, a nossa coragem ou a nossa covardia, façamos a escolha!
Segue o ótimo artigo de João Brant no observatório do direito à comunicação, com o titulo “A grande mídia unida contra a democracia”
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