Notas sobre Investimento Social Privado 5
No final de 2006 a Harvard Business Review publicou um artigo que iria se tornar referência para orientar a relação das empresas privadas com a sociedade, e que permanece relevante até hoje. Trata-se de “Estratégia e sociedade”, texto que criou o conceito de Valor Compartilhado e mudou radicalmente o debate sobre a responsabilidade social das empresas. A partir da boa recepção do artigo, os autores, Michael Porter e Mark Kramer, defenderam e atualizaram os conceitos apresentados na versão pioneira, em alguns momentos deixando mais explícito do que no original o alinhamento desejável entre sociedade civil e iniciativa privada: “As empresas devem liderar os esforços de alinhar negócios e sociedade… os negócios devem reconectar o sucesso de uma companhia com o progresso social” (Harvard Business Review, jan/fev de 2011).
Ainda segundo eles, a solução está no princípio do Valor Compartilhado, “que envolve criar valor econômico de modo a também criar valor para a sociedade, reconhecendo suas necessidades e desafios… Ou seja, deve trazer benefícios para os dois lados”. Evidentemente, “nenhuma empresa pode resolver todos os problemas da sociedade nem arcar com o custo que isto traria… cada empresa deve se concentrar nas questões que tenham alguma intersecção com sua área de atuação”. Não se trata, apenas, de encontrar causas dignas, mas sim, apoiar aquelas que produzem “benefício relevante para sociedade e valioso para a empresa”. Nesse sentido o Valor Compartilhado passa a ser entendido como uma nova forma de obter sucesso econômico e ajudou a enriquecer o debate sobre a responsabilidade social das empresas, à época muito marcado por posições ideológicas e argumentos abstratos.
Transcorridos tantos anos de sua criação, o conceito de Valor Compartilhado ainda poderá servir de fundamento para os relacionamentos entre empresas e a sociedade contemporânea?
O consultor e escritor Ricardo Voltolini, revisitando o artigo nos dias de hoje, acredita que sim, apesar de entender que os autores oferecem “uma abordagem com nomes novos para algo que hoje chamamos de sustentabilidade na estratégia do negócio”. Nem por isso, afirma, o trabalho perde relevância, ou restringe as contribuições para os negócios. Voltolini concorda com Porter quando este afirma que quanto maior é a relação de um tema social com a atividade da empresa, maior é a oportunidade de mobilizar recursos em benefício da sociedade.
Apesar, ou talvez exatamente pela aceitação quase consensual da relevância da responsabilidade empresarial que, entre outros temas, fez surgir a noção de empresas com propósito, começam a surgir visões alternativas ao Valor Compartilhado. Uma delas, vem do escritor e articulista americano Theodore Kinni, especializado em temas de negócios. Kinni, em artigo publicado recentemente na revista eletrônica da consultoria PWC, vai na contramão do pensamento hegemônico sobre sustentabilidade, pregando uma volta às origens das teorias da administração. Recorre a ninguém menos que Peter Drucker, talvez o mais influente pensador contemporâneo da gestão, que em artigo de 1973 teria afirmado: “Existe apenas uma definição válida de proposta de negócio: criar um cliente”. A partir da recuperação dessa “simplicidade”, Kinni afirma que não há evidência empírica de que empresas que afirmam agir com propósito realmente entregam benefícios sociais ou produzem mais valor econômico em seus negócios. Usa a Amazon como exemplo de empresa bem-sucedida, apoiada justamente na visão tradicional de Peter Drucker: “ser a empresa mundial mais centrada no consumidor” e que além disso está de fato transformando a realidade global. Encerrando seu artigo, Kinni faz uma espécie de concessão ao que chama de “cidadania” e afirma que uma empresa precisa entregar produtos e serviços com valor agregado, precisa de empregados bem remunerados e tratados com respeito, bem como deve agir com responsabilidade cidadã, operando em um sistema ético e legal.
Ao que tudo indica, o conceito de Valor Compartilhado é uma daquelas construções conceituais que, uma vez instaladas no debate público, passam a ter vida longa, seja por continuar a agregar seguidores, seja por se manter como fonte de controvérsias e oposição.