O papel do Estado na área da cultura é um assunto que temos discutido bastante em Cultura e Mercado. Ele está ali para intervir, facilitar, regular ou articular? Ele deve pautar a sociedade, se alinhar a ela, atuar junto, ou deve simplesmente responder às suas demandas? Deve dar o rumo e estabelecer uma governança, dentro de um projeto concreto que reúna e defina os papéis da federação, dos estados, municípios e da sociedade civil articulada, desenvolvendo metodologias de diálogo? Ou apenas encontrar meios para comunicar e ser transparente com a população?

O Brasil vem experimentando a construção coletiva de um Plano Nacional de Cultura. Um espaço importante de efetivação e consolidação de um projeto político único e diferenciado, que inclui novos conceitos, paradigmas e atores nas dinâmicas socioculturais. Devemos reconhecer este espaço como algo inovador e que merece a contribuição de todos nós. Mas há muita água embaixo dessa ponte.

Temos apontado de forma sistemática e contundente a forma com que o governo exime-se de governar para atuar como um organismo da sociedade civil, legitimando-se com um discurso populista e aderente às demandas do setor. Com a pedra na mão, ataca artistas consagrados, empresas patrocinadores e o show business, como se estes fossem os responsáveis pela condução de uma política cultural nacional. O governo federal coloca-se, dessa forma, como vítima de um sistema que precisa liderar e comandar.

Devemos estar atentos para os perigos desse discurso, pois traz consigo uma falsa impressão de que é preciso intervir com mãos de ferro contra os efeitos negativos do “mercado”. E isso justificaria a busca por mais controle e centralização por parte do governo.

O que vemos é uma tentativa de manipulação de informação nunca antes experimentada pelos domínios da cultura. Porta vozes do MinC não se cansam de utilizar dados estatísticos fajutos para justicar um discurso intervencionista. Isso está cada vez mais claro em relação à Lei Rouanet. O fato é que temos acesso cada vez mais restrito aos dados produzidos tanto pelo Mecenato quanto pelo Fundo Nacional de Cultura. A caixa-preta está cada vez mais lacrada.

Com o programa Cultura Viva, novos agentes inauguram sua participação nas políticas culturais, num ambiente antes reservados a lobbies, interesses privados e acessos privilegiados aos gabinetes ministeriais. Ainda assim, correm o risco de transformarem-se em porta-vozes sem mandato de um povo que continua sofrido e sem acesso aos serviços públicos. São apenas bons (excelentes em alguns casos) exemplos de nossa rica diversidade. São 700 apenas, mas carregam o valor simbólico de milhões de brasileiros oprimidos. Experimentam a possibilidade de traçar suas próprias políticas, mas estão presos e atrelados ao poder público por círculo vicioso e insustentável, que une apropriação política por parte do governo em troca de uma recompensa financeira maldita, pois a grande maioria dos pontos não se adequa a burocracia estatal.

O debate realizado semana passada na sede do Instituto Pensarte, em São Paulo, com a participação de Fabio Maciel, Sérgio Sá Leitão e Fábio Cesnik, deixou claro que o fortalecimento da cidadania cultural é condição para a consolidação da democracia. Os passos e metodologia para alcançarmos isto, no entanto, são divergentes. A edição desta semana dá cobertura e abre o debate para o tema.

Boa leitura!


Pesquisador cultural e empreendedor criativo. Criador do Cultura e Mercado e fundador do Cemec, é presidente do Instituto Pensarte. Autor dos livros O Poder da Cultura (Peirópolis, 2009) e Mercado Cultural (Escrituras, 2001), entre outros: www.brant.com.br

4Comentários

  • evany fanzeres, 23 de setembro de 2008 @ 2:04 Reply

    A CULTURA É UM FENÔMENO HUMANO, E NÂO “UMA POLITICA DO ESTADO”. É um fenômeno espontaneo, que sempre existiu, antigo como a humanidade… Estes cursos aí inventados pelos “especialistas” de nada adiantarão, a não ser que se resteure o ensino básico e o ensino médio nas esolas, que sempre serviram para aparelhar mecanismos da inteligencia para melhor absorção de certas noções. O retrocesso mental dos brasileiros coincide com as tais reformas de ensino, nomeadamente as famigeradas “leis de diretrizes e bases” que eliminou o então chamado “fator elitista”, sem dúvida para o chamado “nivelamento por baixo..” Se houver ainda neste país um raciocinio honeto e claro, consttaremos que é justamente uma educação de nivel básico e médio
    de alto nível que realmente democratizará a cultura.. O que os ignorantes chamam de “cultura elitista” eleva o ser humano qualquer origem social.
    Ai sim. Ao invés de posições provincianas e tacanhas do estado, que só deseja produções à sua imegem e nível, teremo uma cultura dentro de um estado democrático..

  • evany fanzeres, 23 de setembro de 2008 @ 2:08 Reply

    A CULTURA É UM FENÔMENO HUMANO, E NÂO “UMA POLITICA DO ESTADO”. É um fenômeno espontaneo, que sempre existiu, antigo como a humanidade… Estes cursos aí inventados pelos “especialistas” de nada adiantarão, a não ser que se resteure o ensino básico e o ensino médio nas esolas, que sempre serviram para aparelhar mecanismos da inteligencia para melhor absorção de certas noções. O retrocesso mental dos brasileiros coincide com as tais reformas de ensino, nomeadamente as famigeradas “leis de diretrizes e bases” que eliminou o então chamado “fator elitista”, sem dúvida para o chamado “nivelamento por baixo..” Se houver ainda neste país um raciocinio honeto e claro, consttaremos que é justamente uma educação de nivel básico e médio
    de alto nível que realmente democratizará a cultura.. O que os ignorantes chamam de “cultura elitista” aquela que eleva o ser humano seja qual g
    for a origem social. ou raça.
    Ai sim. Ao invés de posições provincianas e tacanhas do estado, que só deseja produções à sua imagem e nível, teremos uma cultura dentro de um estado democrático..

  • Cleiton Paixão, 23 de setembro de 2008 @ 7:54 Reply

    Cidadania, responsabilidade, democracia e Estado são palavras sempre correntes quando o assunto é Cultura. Também é importante ressaltar que
    o “direcionamento” ou comando do campo cultural faz parte da historiografia cultural brasiliera. Desde o “início” da produção cultural no Brasil – entende-se aqui os primeiros registros oficiais, pois, antes disso, os registros oficiosos não entendiam as manifestações indigenas e outras participantes da cultura “nativa” como “civilizada” – existe uma certa necessidade em condicionar a maneira como essas atividades deveriam ser pensadas.
    A cultura “oficial” no Brasil sempre esteve nas mãos de alguém que cultiva determinado interesse nesse poderoso mecanismo de poder. Desde a forma mais predatória, assim como da maneira mais democrática, pois, também devemos nos lembrar de certo grau de populismo que a cultura participante da ideologia da esquerda brasileira na década de 1960, por melhores interesses que suas expressões representassem, atribuia ao “povo” uma característica de criança que deveria ser educada, sem que esse próprio povo tivesse uma participação nesse processo. Basta observarmos os depoimentos de alguns desses produtores culturais, que afirmam nunca terem conseguido atingir o público que desejamvam, mas somente seus amigos da classe média e os universitários.
    Entretanto, também não podemos conceber pensamentos, como muitos ideólogos da cutlura do governo FHC, que entende que as diversas manifestações culturais e artísticas brasileiras queiram “viver e produzir às custas do Estado”. Me desculpe a pessoa que escreveu essa frase, mas está um tanto quanto equivocado. A participação é fundamental no processo cultural nacional, entretanto, é um campo minado, no qual o menor movimento vc pode perder uma perna, um braço ou um parco investimento para sua produção.
    O Cultura Viva é um programa que se destina a alcançar uma maior divesidade das manifestações culturais e artísticas brasileiras e, assim como outros campos da política nacional, também está imbricado em diversos resquícios da burocracia estatal que constituíram a política nacional, o que imperra o seu funcionamento total e concreto. Com efeito, mesmo com os diversos entraves desse processo, que claro precisam e devem ser melhorados, ainda assim continua sedo um primeiro passo efetivo interessantíssimo no e para o setor cultural nacional.
    Cleiton Paixão

  • Carlos Henrique Machado, 23 de setembro de 2008 @ 20:32 Reply

    Se diversa é a nossa cultura, todas as questões que envolvem o tema deverão trazer discussões com os mesmos contornos.

    Não é fácil, tudo é muito complexo e, quanto menos planos nacionais houver, melhor será para a própria sociedade que, como já disse, acaba ficando fora da grande discussão oficial.

    Imaginemos que cultura seja apenas e tão somente um fruto da terra,
    nomeado adiante por nós como fruta. Se assim não o determinássemos, ele estaria ali do mesmo jeito como fruto. Portanto, a partir de uma determinação nossa ele ganha a condição de alimento, para o qual originalmente não nasceu. Podemos então, agora fruta, saboreá-la de várias formas, ao natural, em doces, sorvetes, pães, tortas, saladas e etc. ou simplesmente admirá-la, assim como a uma rosa. Depois, passado o seu ciclo natural, ela morreria nos deixando as sementes e com isso, uma série de aspectos acompanharia naturalmente o mesmo ciclo. Mas cientes que somos de que os nutrientes daquele fruto têm importância fundamental para a nossa sobrevivência, o estímulo à sua produção torna-se uma obrigação. Então, este fruto ganha bem mais do que ares poéticos, pois é parte importante da nossa existência, então, nos atentamos para uma produção em massa, o que, na essência, é uma lógica democrática que dá a todos o direito aos seus nutrientes para o sustento. Não há nada de errado na produção de muitos outros alimentos derivados desse fruto, ao contrário, quanto mais diverso ele for, mais função terá e, consequentemente mais benefícios trará.

    Aproveitando o gancho, vamos lembrar o que significava ou que ainda significa o Brasil ser taxado pela elite social como “república das bananas”, colando imediatamente a imagem do atraso do homem brasileiro frente ao mundo industrializado. Apressada, complexada, essa gente andou alguns séculos escorregando nas próprias cascas de banana da sua república. Sem olhar para o chão que pisava, com poses e ares de quem caminha com um scarpin, a esguia e desatenta elite sócio/cultural, mais do que dar de ombros para as nossas bananas e seus ricos nutrientes benéficos ao homem e à economia do país, nos jogou no atraso de um pensamento de salão, onde se come a fruta do conde como manda a etiqueta francesa. Não posso afirmar que a importação espécies da flora e da fauna seja algo que mexa com a ecologia, pois não sei do assunto, sei que é uma questão de fundamental importância mas só especialistas podem falar dos efeitos benéficos e/ou maléficos das nossas diversas flora e fauna com a forçação de barra dos importadores.

    Nas artes, não haveria qualquer problema em trocar informações e expressões de homens de todos os lugares do planeta, até porque temos essa característica cósmica, geograficamente com extensões continentais e na própria geografia social com a fantástica multiplicidade racial brasileira.

    Nos enrolamos sempre que temos que traçar, assim como foi com o café, um plano de desenvolvimento de uma monocultura. Hoje sabemos que a diversa agricultura familiar é que alimenta a população brasileira. O agronegócio exporta, cria impactos ambientais irreversíveis, segundo ecologistas. Ao mesmo em que o mundo vive uma crise alimentar, nós estamos cada vez mais batendo recordes de produção, sem criar qualquer impasse com as novas formas de energia no Brasil. No entanto, toda a tecnologia que discute as questões agrícolas, toda a técnica e estudo para a promoção da agricultura brasileira tende a buscar menos agrotóxicos, menos fertilizantes, menos grileiros. Busca-se a otimização da agricultura familiar sem choques conceituais. Mas na questão das artes, o caruncho da subjetividade é a nossa grande praga de gafanhoto, essa praga é nutrida na incubadora do Estado que tem suas ramificações nos resultados obedientes dos nossos laboratórios que, se não são pouco cientes da demanda de uma observação mais real no Brasil, suas conclusões não ecoam na sociedade. Por que tudo isso? Porque mesmo quando temos uma idéia de democracia, nos imaginamos professores, nunca sociedade integrada. Temos uma idéia pré-concebida de que o nosso olhar pode produzir uma pedagogia orientadora atropelando toda e qualquer forma natural de cultura. Então, o que fazemos? Num primeiro plano, assim como os militares na ditadura, passamos o rodo com o nosso urutu e varremos a área, instalamos ali uma instituição, não como observadora, mas como interventora. Toda aquela alegria, todo aquele processo natural é submetido à condição de praga daninha, de capim sem função e colocamos um gramado, uma quinta no coração de Manaus para trazer a Europa, para catequizar, para cristianizar nossos índios.

    Se respeitássemos toda a culinária desenvolvida pelo povo brasileiro no âmbito da cultura, das artes, teríamos todo um processo de sustentação natural, mas a nossa elite social, com os seus medinhos, ainda trata a culinária brasileira como algo excessivamente melado ou adocicado, ou mesmo, com alto teor alcoólico. Sempre fugiram do próprio cheiro, se banhando em talcos. Hoje, suados, nos engarrafamentos de um desenvolvimento descontrolado e ganancioso, o suor se mistura com o pó branco e faz uma lama que produz tudo isso que assistimos, ou seja, uma eterna patinação. Alguns deles, acostumados a sapatilhas que utilizam para escalar alpes e esquiar com o lucro de toda uma produção brasileira, insistem em voltar ao Brasil e fazer suas ilhas particulares, meia-dúzia de mãos pesadas põe em xeque toda a cultura de um povo, socam a mesa exigindo o distanciamento do povo de seus castelos, impondo o pensamento constituído, fugindo de qualquer tentação de autonomia.

    O governo, na questão da cultura, deveria sim, assumir o papel de governar, inclusive, ou principalmente o próprio Estado. Arbitrar, não! Promover o debate amplo, ir às últimas consequências de todos os porquês. Fugir da subjetividade, trazer números concretos, pois essa história de que a arte não tem números, é conversa paralela de porre em alguma american pub, de quem se embebeda com o dinheiro público em suas estripulias socioculturais e depois, cura o mesmo nas areias do Guarujá ou do Leblon, enquanto toda uma cultura cíclica no Brasil vai seguindo a mesma ordem da grande parcela marginalizada da sociedade.

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