Foto: Minus
No dia em que compareci ao Capanema, para a primeira, de uma série de palestras do Ministro Juca Ferreira, onde expôs as suas razões sobre os caminhos que pretendia tomar, ele então disse ter recebido sugestões direcionadas tanto a ele quanto ao Ministro Gil, este, quando ainda à frente da pasta, para que procurassem caminhar por três ou quatro segmentos da cultura nacional, porém, a opção por essa linha de ação foi imediatamente descartada pelo compromisso que tinham com suas convicções republicanas e democráticas. E não tenho dúvidas disso pela própria trajetória de Gil como artista.

Lógico que já havia percebido isso visitando periodicamente o site do MinC que nesses seis anos pareceu-me mais com as chatíssimas “mensagens astrais” que uma certa operadora de telefonia decidiu, pior, sem falha, enviar cotidianamente aos seus usuários.

Nesta escalada, o MinC procurou, a meu ver, erradamente, seguir uma tendência de “setores de comando” da cultura brasileira, carregados de uma euforia desproporcional as suas possibilidades. Queriam grifar suas tendências sem questionar a eficácia neste tipo de prática para o conjunto da sociedade, um mergulho suicida num ensandecido corporativismo, jogo que o MinC aceitou.

 Estabelecida essa regra minúscula para o papel da cultura no Brasil, o MinC tentou manter em seu estoque de certificação uma palheta que contemplasse uma agenda impossível de cumprir, mas, ao invés de buscar reflexão, já no início e, conseqüentemente uma posição racional que equilibrasse a demanda, os ministros Gil e Juca jogaram-se numa aventura política ainda mais perigosa e naturalmente desumana para eles próprios, como confessou o Ministro Juca e toda a equipe do MinC. Resultado, as cobranças vieram e a cada dia elas se multiplicam.

A prática da miudeza, e nisso coloco toda e qualquer manifestação sem escala de prioridades, jogou a cultura brasileira num ambiente de “armarinho tem de tudo”.

Com isso, o Ministério da Cultura abriu mão de sua autoridade maior na condução de uma bem planejada orientação para os caminhos a serem tomados e caiu na noite como todo mundo, querendo com isso, parecer democrático. Um erro político e estratégico que mostrou a sua face mais cruel, logo no inicio do primeiro mandato de Gil, naquela fatídica “Revolta dos Marechais do Canecão”, os bad boys da cultura zona sul anabolizados pela Rede Globo, e seus devidos pit buls, a grande mídia, naquele momento, exibindo seus músculos para o governo, com seus rompantes tapas na mesa, ameaçando com golpes fatais de Jiu Jitsu, o mata-leão. O pior é que esse fato expôs o queixo de vidro de uma frente de esquerda que não sabia reagir, enquanto comando, a sofismas, a escândalos fabricados na luta política. Com isso, a cultura passou naturalmente de aliada a um problema insolúvel para governo, pois a turma, com apoio, principalmente da Rede Globo e de seus velhos e crônicos interesses, estava disposta a buscar as suas reivindicações orçamentárias na base da pressão, ameaçando, com uma escalada de denuncismos, batizada por eles de Stalinismo, largamente usada como moeda de pressão reivindicatória durante praticamente toda a gestão dos dois ministros, Gil e Juca.

Não quero, com isso, ir à caça das bruxas, mas sim entender o porquê de chegamos a este grau de mesquinharia e pequenez. Por que reduzimos a patente da cultura brasileira a este patamar em que vivemos hoje?

 O pior é que aquele episódio do Canecão serviu de modelo para a mídia e a oposição com os olhos no descarado golpismo, freado ou, pelo menos, amenizado pela força representativa do presidente Lula diante da sociedade que, no momento crucial soube reagir, somada logicamente, a força simbólica de alguns artistas, como Chico Buarque, Boal, estes, movidos pela coerência, resolveram peitar a manada que vinha se agigantando rumo a um perigoso caminho.

Ainda assim, os golpistas, “é fogo no palheiro”, e não poderia ter outra classificação, conseguiram criar uma série de factóides, sofismas políticos, escândalos e CPIs. O principal deles, o chamado “mensalão”, que por sinal até hoje não conseguiu provar absolutamente nada, principalmente contra o ex-ministro chefe da Casa Civil, José Dirceu.

 Enquanto se travava toda essa luta entre o governo e boa parte dos setores da oposição e da mídia, o presidente Lula aumentava a sua popularidade, se elegia para o segundo mandato e se fortalecia cada vez mais. Mas a cultura, nitidamente, ainda estava associada aquele episódio. Com isso, o MinC teve que abandonar temas polêmicos, o que deu, com certeza um grande banho de água fria em muitos dos nossos sonhos de democracia cultural.

  A cultura, que deveria ser a grande líder de uma guinada de 360 graus, foi tragada pelo quimerismo dos “cabeças de leão” do marketing e da mídia e pelo classismo também midiático, pelo jogo mesquinho, pequeno, individualista. As estrelas queriam brilhar para si, abandonaram seus discursos a favor do Brasil e jogaram-se no abraço da vaidade, da arrogância muscular, mais que isso, da ausência completa de humanidade, tendo o governo como alvo principal de suas criticas, justamente o socorro do Estado à miséria, à fome de mulheres, idosos e crianças brasileiras. As estrelas deixaram-se usar pelo discurso de polarização de alguns agentes infiltrados no meio cultural para colher benefícios e privilégios. A cultura sempre foi o ponto crítico da sociedade contra as profundas desigualdades deste país.
E o que assistimos naquele episódio? A cultura discursando contra as políticas sociais que são, indiscutivelmente, o ponto alto do governo Lula.

 Resultado. Estamos todos, artistas, produtores e etc. jogados num ambiente desconectado com o país. A cultura hoje não é conselheira pra mais ninguém. Não essa casta que dominou o cenário entre o culto e o midiático, os dois estiveram a serviço das oligarquias contra a sociedade. Mas não se enganem! Pois, há sim na cultura brasileira uma maioria que preza a ética, é uma imensa legião de pessoas querendo discutir o país, querendo colocar a cultura no plano central das grandes discussões da vida brasileira, como é da nossa tradição.

Se, de um lado, alguns foram contaminados pela política de Collor, e do outro, como aqui mesmo já citei, pela entrega da visão crítica no período FHC, há neste momento a grande maioria afinada com o pensamento central do governo Lula, esperando que o ministério da cultura se coloque num patamar mais amplo, mais político do ponto de vista estratégico e que desenvolva mecanismos que façam com que, outra vez, a sociedade se encontre com o universo cultural brasileiro. Aí sim, o ministério da Cultura terá todo o apoio dessa imensa maioria.

 Proponho aqui duas medidas simples: a primeira, que se estabeleça, uma parceria Mec e MinC, e que a partir de então, as atividades culturais dentro das faculdades passem a ter peso oficial na avaliação do Enad, ou seja, espetáculos de música, dança, teatro, exposições e etc. Com isso, devolveríamos a cultura ao ambiente de fomento provocador no campo científico e, ao mesmo tempo, criaríamos um enorme corredor que, de imediato, incluiria artistas, técnicos, produtores no mercado cultural.

 A segunda medida seria fazer da cultura um compromisso público, criando nos municípios uma lei de responsabilidade cultural, assim como a lei orçamentária, que contemple as manifestações de cada localidade e que seja um núcleo de uma outra via da economia cultural.

A discussão sobre este tema é simples, o Brasil não alcançará o desenvolvimento tão sonhado se a cultura, o principal agente fomentador de novas fórmulas e horizontes não estiver no centro dos debates, ou seja, sem investimento em cultura, em pensamento crítico, não haverá desenvolvimento.
 Todos os países que tiveram um salto de qualidade no seu desenvolvimento, a cultura dos seus povos foi a mola propulsora. Imagino eu ser esse o discurso afinado entre a sociedade, setores culturais e o Ministério da Cultura, na figura do ministro Juca Ferreira, diferente disso continuaremos neste jogo miúdo, discutindo varejo numa teia de gerenciamento que não se consiste em sistemas e nos joga periodicamente num recomeço, construindo um ciclo vicioso e sazonal explorado apenas por pessoas alheias aos sentidos profundos da cultura de um país, especulando, dominando e dirigindo as ações culturais do governo com fins altamente prejudiciais para todo o conjunto da sociedade brasileira. A cultura é o alimento da alma de um país. Só nela há o componente unificador tão necessário para o desenvolvimento através da sua latitude no campo crítico, das idéias e dos propósitos finais. Por isso, a cultura não pode ser jogada no fim de um processo, mas no início dele.


Bandolinista, compositor e pesquisador.

2Comentários

  • Anita Simis, 2 de abril de 2009 @ 19:35 Reply

    Carlos, seu artigo é interessante e objetivo! Também postulo a aliança com o MEC e creio que sem ela as questões miúdas vão permanecer.

  • Carlos Henrique Machado Freitas, 4 de abril de 2009 @ 12:14 Reply

    Oi Anita
    Há em tudo isso, uma coisa que me incomoda profundamente, que é mais do que a dependência dos setores organizacionais de certo mercado cultural, é o discurso em favor da dependência.

    É uma assombrosa irresponsabilidade, pois não há qualquer compromisso com a irrigação sistematizada. É explícita a falta de interesse no desenvolvimento de um mercado com um mínimo de independência, o que vemos nos múltiplos discursos setorizados, já no conceito embrionário do didatismo empresarial que tem a cultura como matéria-prima, é a ampliação de arrecadação de recursos provenientes do mecenato.

    Não há sequer estudo técnico de bilheteria que busque a paridade com a relidade do poder aquisitivo do trabalhador brasileiro, do estudante e etc. Os lucros estão garantidos com vultosas verbas arrecadadas com o mecenato e, muito delas desperdiçado. Não se discute logística, engenharia de distribuição de bens culturais. Queremos produzir e produzir e ampliar os depósitos de encalhes. Muitos desses encalhes são belas produções, belos pensamentos, fundamentais para provocar múltiplos desdobramentos na forma de agir e de se organizar socialmente, mas não chegam à sociedade por não haver compromisso dos neoburocratas da cultura em fomentar este fundamental aspecto do processo de desenvolvimento cultural.

    Vivemos um momento triste, onde a arte foi transformada, dentro deste contexto, em algo semelhante ao alimento transgênico, sem possibilidade de reprodução natural. Acabou a colheita, temos que recomeçar todo o processo setorizado, viciadamente mapeado e, consequentemente efêmero, só renascendo cotidianamente com nova injeção de recursos públicos.

    Por isso assistiremos cada vez mais a expansão da arrecadação do mecenato e cada vez menos os resultados concretos de alguma coisa que minimamente podemos chamar de mercado cultural.

    Tempos atrás escrevi um artigo aqui mesmo falando sobre o mercado de projetos, o mercado de gestores que não consiste em mercado de produção artística.

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