A eleição foi apenas a primeira batalha dos defensores da “Política Gil”. O fogo-amigo fagulha por todos os lados e ameaça o futuro de iniciativas como Cultura Viva e Plano Nacional de Cultura
É a primeira vez na história que a cadeira de Ministro da Cultura torna-se motivo de cobiça. Seus cargos, salários e verbas ainda não são representativos, mas a ameaça e o incômodo que a política de Gilberto Gil provocou, movimenta os bastidores, comemoram e apressam sua saída.
Não quero utilizar este espaço para defender a figura de Gilberto Gil, mas sim a “Política Gil”, pois preocupam-nos os desdobramentos da disputa em torno da sucessão de sua pasta.
É bom que se faça menção às forças que tentam desestabilizar essa política, transformando-a em aventura de primeiro mandato. Alguns pontos-chave dela foram inexplicavelmente subtraídos do programa (setorial) de cultura para a próxima gestão de Lula, como apontou Cultura e Mercado. Movimentos dos bastidores político-partidários tentam realinhar o Ministério da Cultura a uma nova composição, que necessita de cargos, salários e agendas compatíveis com o segundo mandato. E, conseqüentemente, menos preocupação aos detentores da cultura institucionalizada.
Analistas da área econômica ocupam 90% do espaço da mídia, subordinando todos os outros assuntos ao humor do mercado. Neste jargão, educação funciona como instrumento de qualificação profissional. E cultura, complexa e indecifrável, tem sua importância reconhecida como o setor econômico que mais cresce no mundo, ao mesmo tempo em que assume a posição de regeneradora das almas perdidas: presta-se tanto a apaziguar ânimos exaltados da periferia quanto para nos alinhar a uma suposta identidade brasileira, seja ela qual for.
Cultura e Mercado reconhece nesta política uma possibilidade de sair dessa lógica, ao identificar e trabalhar cultura como algo complexo. Trata-se de uma plataforma em gestação, com pontos fundamentais para a geração de novos caminhos para o desenvolvimento, tendo cultura como força motriz. Elencamos alguns pontos fundamentais dessa política, muitos ainda a se conquistar e consolidar:
- Respeito e a valorização dos modos de vida e das crenças do povo brasileiro e a garantia dos direitos culturais a todos;
- Ampliação, continuidade e aprimoramento do programa Cultura Viva;
- Retomada das discussões públicas sobre a legislação de comunicação, TV Digital e agência de audiovisual, tendo o MinC como protagonista ativo desse processo;
- Ampliação da capacidade de realização e difusão audiovisual por camadas excluídas da população;
- Incentivo direto aos empreendedores culturais e a regulação das leis de incentivo, voltando-as para o interesse público;
- Consolidação de um Plano Nacional de Cultura capaz de ampliar, potencializar, ajustar e institucionalizar aquilo denominado “Política Gil”;
- Consolidação das Câmaras Setoriais e a definição do papel da Funarte como articuladora de políticas setoriais;
- Fim do Estado como produtor cultural;
- Fortalecimento de políticas de identidades, no plural, reforçando a autonomia de cada um de escolher e praticar a cultura que bem entender;
- Política de memória em vez de política de patrimônio, pois não adianta preservar prédios que não façam sentido para a sua gente;
- Reempoderamento do IPHAN como referência nacional da memória do país e de sua gente;
- Efetivação do Sistema Nacional de Cultura como um instrumento de parceria entre entes públicos e privados, com rediscussão de seu papel e a garantia de um teor descentralizador;
- Aprimoramento da agenda do comitê interministerial de educação e cultura, considerando cultura não como objeto ou conteúdo pedagógico, mas como modo de pensar e fazer a própria formação dos cidadãos;
- Fortalecimento das políticas internacionais, visando à proteção e a promoção da diversidade cultural, avançando nas políticas de comércio internacional e propriedade intelectual.
São apenas alguns aspectos que fazem da “Política Gil” uma conquista importantíssima. Pela primeira vez em sua história o país tem uma plataforma efetiva para políticas culturais. Espero que acima dos interesses partidários e econômicos privados, a sociedade brasileira demonstre maturidade suficiente para efetivá-la, colaborando com o próximo governo e sabendo cobrar dele uma atitude responsável capaz de honrar a reeleição.
Leonardo Brant
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