Outro dia, uma empresa sem nenhuma tradição em patrocinar cultura nos procurou para que explicássemos melhor como poderiam reverter seu imposto nos projetos culturais que estávamos divulgando. Era uma empresa de médio porte que evidentemente não pagava tanto imposto quanto um banco ou uma petrolífera. Tampouco tinham organização ou visão para saber como transformar imposto em marketing para a empresa. Achavam que jamais conseguiriam participar ativamente como fomentadores de um filme de grande porte como os que oferecemos. Alguns produtores culturais já haviam oferecido à empresa  excelentes produções, mas com alcance apenas regional, às quais tiveram que gentilmente declinar, pois a estratégia da empresa era sempre de buscar alcance nacional. Perdia a cultura regional, claro, mas perdia também a cultura nacional, pois o imposto da empresa não seria revertido em fomento naquele ano.

Foto: Alexandre Dulaunoy Mostramos, no ano seguinte, que era possível que, com aquela verba, participassem de um filme grande mas de maneira discreta. E não perderam a chance. Grande filme feito, grande negócio fechado.

O caso, no entanto, é mais que compreensível. É a lei do mercado, agindo como realmente funciona no sistema capitalista. Empresas querem contrapartidas que funcionem. Perde o pequeno produtor? Sim. Mas só até que este se organize e perceba que pode sim oferecer seu produto de uma forma mais forte, com uma contrapartida mais focada. Uma consultoria que mostre mais acesso aos públicos desejados por aquela empresa pode significar mais apelo de venda. Mas o pequeno produtor não quer pensar que está vendendo um bem de consumo qualquer, mas um bem cultural, certo? Correto, porém ineficaz. É essencial que o produtor regional aprenda a se vender – ou oferecer seu público – às marcas de uma maneira que faça a diferença para elas.

Não se trata do produtor cultural propor apenas o que o público quer ouvir. Ou, teremos a infinita discussão que já vemos sobre a qualidade da televisão brasileira há décadas. Trata-se, sim, de oferecer contrapartidas e o nicho certo de consumo à marca certa. E isso é, em parte, o que chamamos de curadoria. Trazer ao público certo e à marca certa, o melhor bem cultural possível dentro daquela realidade, pois toda marca possui a chamada “missão, visão, valores”, que não é diferente do que acontece com as pessoas, que possuem sua própria pirâmide de critérios ao avaliar o que consome culturalmente.

E aí, chegamos no ponto mais fundamental da expansão do consumo de bens culturais: a partir do momento que a pessoa física entender que pode escolher qual bem cultural quer fomentar, passará a consumir o produto de sua escolha. Atualmente, dos 4 bilhões de reais autorizados pelo governo, apenas 1,2 bilhões são de fato captados. Apenas pouco mais de 5000 pessoas físicas revertem seus impostos em cultura, em um país de quase 200 milhões de habitantes. E das 240 mil empresas de lucro real do país, que poderiam aportar parte de seus impostos a projetos culturais, apenas 3093 empresas – cerca de 1,3% – o fizeram. Se houver a curadoria certa, pesando de um lado os públicos e seus valores e, de outro, as produções culturais, sempre elencados de acordo com os valores mais relevantes e fortes, haverá enfim a criação da Indústria Cultural que tanto queremos, que andará por si só e não dependerá para sempre do fomento.

De nada adianta a criação de uma indústria de um bem que ninguém consome. Falar, divulgar, criar e consumir cultura de ponta, sob um forte critério curador e em consonância com os reais valores da sociedade, é fortalecer o mercado cultural.


Produtor audiovisual. Idealizador da plataforma de captação partio.com.br.

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